domingo, janeiro 10, 2010

Direitos, Tolerância e Civilização

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TENHO escutado os inquéritos de rua e programas de opinião que têm sido feitos pela comunicação social acerca do assunto dos casamentos entre pessoas do mesmo género, e fico surpreendido com a grande proporção de entrevistados que se manifestam desfavoráveis e escandalizados com a possibilidade de ser reconhecida tal pretensão, numa gama de opiniões que vai da aberração à ética e aos princípios religiosos, passando pelos conceitos e valores da família, no sentido tradicional. Pergunto a mim mesmo se o povo português será assim tão arcaico, intolerante e preconceituoso, que não perceba que com aquela lei apenas se pretende formalizar e dar expressão legal a situações que são uniões de facto, e que, quer queiramos quer não, não são um fenómeno de agora, antes vêm desde o princípio dos tempos.
Não parece comparável, mas é! Ainda em meados do século passado, em certos países, como era o caso dos E.U.A., a intolerância e o preconceito, remanescentes do esclavagismo sulista, ainda consideravam como indesejável, senão mesmo impraticável, o casamento entre pessoas de raças diferentes, condição que era extensiva a uma vasta gama de outros direitos cívicos, como a “abusiva” intenção de querer eleger ou ser eleito, ter direito ao trabalho, partilhar bancos de jardim, lavabos, restaurantes ou transportes públicos. Naquele caso, só uma prolongada luta conseguiu levar a sociedade a reconhecer a igualdade de direitos, e a assumir “de facto” que a tolerância é bem mais justa, razoável e vantajosa, que a manutenção de tão abomináveis preconceitos. Para ficarmos documentados sobre este processo, aconselho a leitura do livro CRISE EM PRETO E BRANCO, de Charles Silberman, editado em Portugal em 1967.
Voltemos a Portugal. Na verdade, o casamento civil, na sua versão até aqui vigente, é um contrato que não tem a ver com géneros, daí a perplexidade de algumas conservatórias de registo civil, quando confrontadas com pedidos de casamento que não respeitam os “canônes”. É um compromisso estabelecido entre duas pessoas, atribuindo-lhes direitos, deveres e obrigações comuns, e não exige que pertençam a sexos opostos, pois até a lei fundamental do país determina que os cidadãos não podem ser descriminados por causa de sexo, religião ou opções políticas, tanto nos seus direitos, como nas suas liberdades e garantias.
Por outro lado, o conceito de casamento em que o objectivo final é a procriação, é um absurdo, pois tal característica apenas pode ser atribuída ao acasalamento dos animais irracionais. As uniões entre seres humanos têm outras motivações e objectivos, não se restringindo ao desejo de perpetuação da espécie.
Podemos gostar ou não gostar, concordar ou discordar do casamento entre pessoas do mesmo género, mas isso não significa que esteja nas nossas mãos contrariar os gostos e exercer dominação, sobre os interesses e desígnios de um determinado sector da sociedade que, apesar de diferentes, usufruem das mesmas prerrogativas que os restantes, não podendo por isso ser marginalizados ou excluídos dessa mesma sociedade. Recorrer ao referendo para julgar tal pretensão era um convite a criar guetos na sociedade, pois o nível de civilização de qualquer sociedade, avalia-se pelo grau de tolerância que a enforma, e não pela sua intransigência.
Embora já o tivesse escrito há uns dias atrás, opinião que mantenho, a questão do casamento entre pessoas do mesmo género, embora pertinente e necessária (como a regionalização e a eutanásia), não era urgente, dada a situação de crise que o país atravessa. Contudo, considero que a aprovação pela Assembleia da República do diploma que reconhece tal direito foi um grande passo em frente, muito embora esteja ferido, à nascença, de uma manifesta inconstitucionalidade, a qual está expressa no não reconhecimento do direito de adopção. Aos políticos, com as devidas precauções e rigor, caberá corrigir o desacerto.

sábado, janeiro 09, 2010

"Separação de poderes: ficção ou realidade"

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"A teoria da separação de poderes foi, como se sabe, desenvolvida por Montesquieu, no seguimento das ideias de John Locke, com a finalidade de moderar o Poder do Estado. A ideia consistia em dividir o Poder do Estado em funções, atribuindo competências a órgãos diferentes, fazendo nascer os poderes Executivo, Judiciário e Legislativo. Diziam, na altura, com acerto, os iluministas, que o progresso social e político só era atingido com igualdade, liberdade e separação de poderes.
A separação de poderes nasceu da necessidade de evitar o arbítrio, o abuso na governação e a concentração absoluta de poderes num único órgão do Estado. Para Montesquieu, "só o poder freia o poder". Desde então foi sentida a necessidade de limitar o poder do Estado, constituindo a separação de poderes um dos princípios fundamentais da democracia moderna. E tal não surgiu por uma questão de elegância ou moda. Não. A separação de poderes surge para evitar o poder absoluto, os abusos na governação e combater a ausência de fiscalização dos actos do governo. Representa a seiva que corre nas veias da democracia, dando-lhe uma outra pujança e dimensão.
Mas hoje, a democracia moderna tem dois pesos e duas medidas. É verdade que a separação de poderes, não pode ser absoluta, na medida em que tem de existir alguma interdependência funcional entre os vários poderes. Porém, a interdependência funcional não significa o aniquilamento da autonomia entre os vários poderes, nem pode impor um sacrifício exagerado a algum deles, que lhe tolha a eficácia.
Na organização política do Estado e, sobretudo, quando ocorrem ciclos de maioria absoluta, temos assistido a um cavalgar do poder executivo sobre o legislativo, colonizando a sua acção. Existem momentos em que não se distingue um do outro. O mesmo se passa com o poder judiciário. Dois pesos e duas medidas e o enfraquecimento da sua acção e vontade, ao nível dos casos mais mediáticos. Já não é só a morosidade da Justiça a única causa da crise. Agora temos uma crise com um peso axiológico para a Justiça, bem mais marcado. Falta-lhe força e coragem para produzir resultados visíveis nos processos que envolvem gente poderosa, emblemáticos para a boa ou má imagem que dela se faz.
A singularidade da Justiça e o seu prestígio morrem aos pés destes casos. Fica-nos a sensação de haver uma clara intromissão do poder político na acção da Justiça. A falta de resultados e a ausência de agir levam-nos a concluir que todos nós devemos voltar a ler Montesquieu. Porque, entre nós, a separação de poderes começa a ser mais ficção do que realidade."
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Artigo de opinião de Rui Rangel, Juiz Desembargador, publicado no jornal CORREIO DA MANHÃ de 7 de Janeiro de 2010

sexta-feira, janeiro 08, 2010

Isto Está-se a Compor!

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AS RELAÇÕES entre a C.I.P. (Confederação da Indústria Portuguesa) e o governo de José Sócrates, se não iam mal, vão a caminho de se tornarem excelentes, sobretudo no capítulo da concertação social. Digo isto porque, a par de o governo ter passado a dispor como ministra do Trabalho, uma ex-sindicalista da U.G.T. (União Geral de Trabalhadores), a CIP, diligentemente, não lhe ficou atrás, e passou a dispor como novo presidente de um ex-membro da comissão de trabalhadores da Lisnave, pessoa que se orgulha de já ter passado por ambas as trincheiras, em muitas lutas laborais, o que constitui uma vantagem, para quem como ele se intitula o “patrão dos patrões”.
Nesta ordem de ideias, isto está-se a compor e promete notáveis desenvolvimentos. Dadas as novas condições, prevejo grandes avanços em matéria de relações laborais, quase amenos encontros de confraternização, cada vez que todos se sentarem à mesma mesa para levar a cabo negociações.

É Um Artista Português

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ONTEM, ao fim da tarde, Nicolas Sarkozi recebeu no Eliseu o nosso José Sócrates, no âmbito do convite que lhe foi endereçado, como convidado de honra do simpósio internacional «Novo Mundo, Novo Capitalismo», para análise da situação pós-crise económica mundial, onde também dissertou sobre as medidas que adoptou em Portugal para enfrentar a crise. A dada altura, e perante os jornalistas, o presidente francês teceu o seguinte comentário: - José Sócrates diz que é socialista, eu não sou, porém, estamos de acordo em quase tudo...
Como se pode ver, o nosso engenheiro incompleto continua a manter intactos os seus créditos de verdadeiro artista, característica que nem Sarkozy lhe regateia.

quinta-feira, janeiro 07, 2010

Que Década é Esta?

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HÁ PESSOAS que continuam a fazer a mesma pergunta: afinal, em que década do século XXI estamos, na primeira ou na segunda? A dúvida é levantada porque alguns analistas e jornalistas, abordando os mais variados temas, insistem em dizer que estão a fazer um balanço da primeira década deste século XXI, quando na verdade a verdadeira década se iniciou em 1 de Janeiro de 2001 e só terminará a 31 de Dezembro deste 2010. Do período a que esses se senhores se referem, compreendido entre 2000 e 2009, apenas se pode falar de uma falsa década ou decénio, baliza de tempo pouco adequada à rigorosa organização cronológica dos acontecimentos de um século.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Primeira Conjectura

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O VENERÁVEL Sun Tzu aconselhava na sua “Arte da Guerra” que para combater o inimigo, se devem lançar as tropas não frontalmente, mas de forma enviesada, e de preferência acompanhadas por muitas manobras de diversão, para confundir o adversário e camuflar as posições, tanto dos nossos melhores efectivos (quando os há) como das nossas fragilidades (que pouco préstimo terão na contenda, antes pelo contrário). Seja qual for o tipo de peleja, deixar o adversário confundido sempre foi uma vantagem, que pode ser determinante para o resultado final da contenda.
José Sócrates apropriou-se da ideia, pensou que podia pôr em prática a táctica e daí começou a disparar foguetes em todas as direcções, porém, sem dar um único passo no campo de batalha. Privado de uma maioria que lhe permita governar sem oposição, e num momento em que o país precisa de prioridades bem escalonadas, e acção determinada para enfrentar e conter o alastramento das manchas de crise, este soldadito de chumbo, elege o casamento entre pessoas do mesmo género e a regionalização como as causas prioritárias desta legislatura, bagatelas remanescentes da anterior governação. Com isto, e mais uns quantos, patéticos e inconclusivos apelos ao “diálogo” (agora é a vez do orçamento), apenas executa manobras evasivas e de diversão, não dando batalha ao adversário, que neste caso não são as forças políticas da oposição, mas apenas, e tão só, o estado calamitoso em que o país se encontra. A incapacidade de identificar o inimigo principal é mais um erro grosseiro deste candidato a estratega.

sábado, janeiro 02, 2010

2009 Acabou Mal, 2010 Começa Pior

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É EVIDENTE que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha do Nascimento, e o Procurador-geral da República, Pinto Monteiro, se entenderam nas declarações sobre as polémicas escutas telefónicas entre Armando Vara e José Sócrates, que suscitaram suspeitas de atentado contra o Estado de Direito. O Sr. Noronha é o caso mais grave, pois nas suas conclusões, além de continuar a manter o assunto mergulhado na sombra, recorrendo a um rebuscado relambório cripto-jurídico, achou por bem responsabilizar e pôr em causa a idoneidade e competência profissional do juiz que extraiu as certidões, numa altura em que aquele, não pode ripostar, pelos motivos óbvios, mas que espero não se cale, quando for o momento oportuno.
Se o Procurador-geral andou a trocar os pés e as mãos, acabando a tratar-nos como atrasados mentais, quanto ao presidente do STJ, disse de “sua justiça” e sentenciou, como se fôssemos um rebanho, pasmado, temeroso e obediente. Um faz sapateado, o outro toca harmónica de beiços. Cada um no seu estilo, ambos se completam, deixando no ar a suspeita de que o "cartel" da justiça, apesar de algumas diferenças de “método” e umas quantas válvulas ancilosadas, funciona quando é preciso, a bem da governamentalização toda-poderosa que tomou conta do país, numa nova versão do adágio salazarento do “tudo pela nação, nada contra a nação”, onde a palavra nação dá lugar à palavra governo. O principal garante de qualquer democracia é a existência de uma justiça eficaz e descomprometida. Por cá, nos órgãos de topo da justiça, tal como em muitas outras áreas, se 2009 acabou mal, 2010 começa pior.

sexta-feira, janeiro 01, 2010

Sob o Signo da Corrupção, do Lixo e das Sucatas

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RECORDO-ME que há uns anos atrás, por volta dos anos 80 do século passado, alguém disse, em tom premonitório, que os grandes “negócios” do século que se avizinhava, iriam girar à volta das preocupações ecológicas e da reciclagem dos subprodutos da nossa agressiva sociedade de consumo, e consequentemente, com todas as actividade que mexessem com lixos, sucatas e afins, actividades essas que são habitualmente geridas por empresários básicos e pouco escrupulosos, que se movem num mundo muito peculiar, onde reina uma semi-clandestinidade, senão mesmo uma espécie de marginalidade. Ora, neste ano que agora começa, há uma realidade que é por demais evidente: a indignidade e a falta de escrúpulos não são exclusivas desta actividade: abrange todas as áreas, tal é fedor, que começa nas lixeiras, aterros sanitários e paióis de sucata, depósitos de resíduos tóxicos, detritos e entulhos à beira das estradas, e acaba nos gabinetes dos políticos, gestores dos institutos, fundações e grandes empresas do sector empresarial do estado, verdadeiras “estações de tratamento” de um sistema corrupto que gira entre a política, os negócios e os respectivos ajustes directos. Em resumo: Portugal é cada vez mais uma extensa estrumeira que vive e sobrevive sob o signo da corrupção, do lixo e das sucatas.Quanto aos cidadãos, quando não estão desatentos, e se confrontam com este estado de coisas, reagem de uma forma peculiar: fazem umas anedotas, acham que a culpa é do regime, dos políticos que por aí andam, dos amigos e da corte que os rodeiam, da justiça que coxeia, classificando a corrupção como um expediente de sobrevivência, logo tolerável e desculpável, e não como maus princípios e falta de idoneidade, alimentando um círculo vicioso onde impera a ideia de que “se eles podem fazer, eu também faço”.Sob o signo da corrupção, do lixo e das sucatas, façamos, portanto, neste Décimo Caderno que agora se inicia, algumas reflexões e interrogações.

quinta-feira, dezembro 31, 2009

Balanço do Ano

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DESDE que me conheço que nunca citei e escrevi tanto, no curto período de um ano. Olhando para trás e testando a eficácia da introdução que rascunhei no início deste ano que agora termina, concluo que ela se mantém válida, com uma ligeira alteração; onde refiro o engenheiro incompleto, também conhecido por José Sócrates, e os seus querubins de meia-tigela, esses passam agora a alcateia de malfeitores, os quais foram deixando, por onde passaram e em tudo o que tocaram, um significativo rasto de destruição. Se com gelo e neve começámos 2009, também com gelo e neve o terminamos, a que se acrescentaram mais uns furacões e respectivas inundações, que deixaram o povo a iluminar as misérias com velas e candeeiros a petróleo. Se 2009 começou com o povo a ver, incrédulo, os ricos a banquetearem-se no meio da crise, 2009 acaba com a promessa de mais fortunas e prosperidade para os segundos, e mais penúria e pobreza para os primeiros.
Para todos os que comigo partilharam e contribuíram para este espaço de crítica e bordoada, renovo os meus melhores votos de boas festas e um ano de 2010 tão favorável quanto possível; quanto aos meninos maus do governo e afins, bem como todos os outros que nos vêm infernizando a vida, acrescento aos votos um desejo muito especial: gostava de os ver pelas costas e para bem longe, tão depressa quanto possível.

quarta-feira, dezembro 30, 2009

“Pior é bem possível”

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“Em 2010, José Sócrates vai tentar, custe o que custar, recuperar a maioria absoluta. Dito isto, é de temer o pior do ano que aí vem.

O ano de 2009 está a acabar. Para muitos é um alívio. Principalmente para os muitos milhares que ficaram desempregados, para os que ficaram sem casa própria, para os que viram os seus níveis de endividamento atingirem valores incomportáveis, para os empresários falidos, para os muitos que caíram na pobreza e também para os milhares que só sobrevivem à conta de subsídios do Estado. Estas desgraças, na sábia opinião do senhor presidente relativo do Conselho e do seu partido, só aconteceram devido à crise internacional.

Como agora se sabe, quando as águas estão a voltar ao normal e deixam a nu uma miserável realidade, as culpas atiradas para cima da crise não passam de patranhas que o Governo do senhor presidente relativo do Conselho repetiu mil vezes na vã tentativa de as transformar em verdades. O ano de 2009 também ficou marcado por três eleições. Nas Europeias ganhou o PSD, nas Legislativas o PS, sem maioria absoluta, e nas Autárquicas de novo o PSD, com menos mandatos e menos câmaras. No fundo, depois de tantas campanhas, de tantos milhões atirados à rua e de tantos votos, ficou tudo exactamente na mesma. Melhor ainda. Ficou tudo pior. E se de política estamos conversados, com o PSD em estado de pré-coma, na Justiça as coisas chegaram a tal ponto que é legítimo a qualquer indígena deste sítio pobre, deprimido, manhoso e cada vez mais mal frequentado duvidar seriamente da independência dos mais altos responsáveis da dita, isto é, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e procurador-geral da República.

Hoje em dia, qualquer decisão, despacho ou investigação está, à partida, sob suspeita. Tanto no Freeport como na Face Oculta, destapa-se a tampa e o cheiro é verdadeiramente nauseabundo. E se 2009 foi uma desgraça, é escusado andar por aí a desejar um bom ano de 2010. Não será melhor para os desempregados, para os pobres, para os falidos. É até bem possível que a esta legião de desgraçados se juntem mais uns tantos milhares. Com uma agravante. O Estado está a caminho do buraco com as políticas irresponsáveis e, em alguns casos, criminosas do Governo do senhor presidente relativo do Conselho. E do ponto de vista político, José Sócrates vai aproveitar o ano que aí vem para manter um clima de guerrilha com tudo e com todos, mesmo com Cavaco Silva, para tentar, custe o que custar, recuperar a maioria absoluta. Dito isto, é de temer o pior do ano que aí vem.”

Artigo de opinião do jornalista António Ribeiro Ferreira, publicado no jornal CORREIO DA MANHÃ em 28 Dezembro 2009

segunda-feira, dezembro 28, 2009

“Tempo de Comédia”

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Publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS com o mesmo título, transcrevo o artigo de opinião de Manuel António Pina.

“Se é verdade que, como disse Marx, a História acontece como tragédia e se repete como comédia, estamos a assistir a uma comédia. A estratégia do PS para governar em minoria, como lhe foi imposto pelo infame eleitorado, é a pouco imaginativa repetição do "deixem-nos governar" do Cavaco minoritário de há alguns anos. Só que, desta vez, as "forças de bloqueio" são só uma, a AR, onde a Oposição, e não o PS, é agora maioritária. Assim, às promessas de "diálogo" do início da legislatura, depressa se sucederam as acusações de "irresponsabilidade" e "ingovernabilidade" contra a maioria resultante das eleições, num crescendo de dramatização e vitimização que teve o seu momento Calimero mais alto com o inenarrável deputado Rodrigues a queixar-se da AR ao presidente da República e Sócrates a dizer que o país não é governável "com dois orçamentos, um feito pela AR e outro pelo Governo". Acontece que a Constituição determina que compete à AR aprovar o Orçamento, competindo ao Governo executá-lo. E que a expressão "deixem-nos governar" se parece de mais com "deixem governar-nos" para não nos intranquilizar.”

domingo, dezembro 27, 2009

Motor Gripado

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José Sócrates, o nosso primeiro-ministro, debitou mais um discurso natalício, como se fosse o saco das prendas do pai natal, recheado de promessas e optimismo, no melhor estilo de boticário de feira, isto é, a tentar impingir um único xarope que cura todos os males, dos pés à cabeça. Naquela cabecita de engenheiro incompleto, continua a não existir uma realidade portuguesa, nem uma crise portuguesa, própriamente dita, ao passo que "a crise económica mundial persiste, é certo, mas há agora sinais claros de que estamos a retomar lentamente um caminho de recuperação". Insiste assim na mesma retórica que acha que a tal "crise mundial" veio infectar-nos pela calada, mas nós, orientados pela coragem, firmeza e determinação do "querido líder" e do seu governo, já lhe barrámos o caminho, criámos uma almofada de protecção contra os seus efeitos nefastos, e estamos a fazer-lhe frente. Aliás, basta folhear os jornais para constatarmos que sempre respirámos saúde, e que apenas fomos vítimas de um “tsunami”, vindo lá de fora, que traiçoeiramente nos atacou pelas costas…
Assim, naquela cabecita de engenheiro incompleto, o TGV continua a ser a poção mágica do investimento público (para irmos comprar caramelos às Portas del Sol, num abrir e fechar de olhos), uma espécie do "abre-te sésamo" que irá animar a recuperação económica e criar emprego em cascata. Como é óbvio, as suas baboseiras e prioridades, não são para levar a sério: é como se estivesse a dizer que a melhor solução para pôr a andar um carro com o motor gripado, era montar-lhe quatro pneus novos e encher o depósito da viatura.

sábado, dezembro 26, 2009

Presuntos e Robalos

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O Procurador-Geral da República, sr. Pinto Monteiro, depois de nos ter feito esperar tanto tempo, desceu finalmente à terra para dizer, em comunicado, que NÃO IRÁ DIVULGAR as certidões extraídas do processo Face Oculta, relacionadas com as escutas a Armando Vara, em que interveio, por casualidade, o primeiro-ministro José Sócrates, também conhecido por engenheiro incompleto. Recusou também divulgar os seus despachos proferidos no âmbito deste caso, já que "nos mesmos se encontram transcritas partes dos relatórios referentes às gravações em causa". Mas admite permitir a consulta das decisões do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Noronha Nascimento, a todos aqueles "que provarem ter interesse legítimo para tal", o que bem vistas as coisas, e atendendo a que vivemos numa sociedade aberta e democrática, não deveria estar sujeita a “certidões e pareceres” sobre “legitimidade”. Infundadas ou não, as suspeitas levantadas pelos investigadores, e depois de assegurado o direito à privacidade e intimidade, exigem respostas condignas e não arquivamentos atabalhoados, que nada mais fazem do que manter as suspeitas e alimentar a polémica.
Quem ouviu este senhor há umas semanas atrás, a falar e a prometer esclarecimentos sobre este assunto, com alguma audácia, descontração e ligeireza, e o ouve agora, tão formal, sentencioso, comedido e recatado, é levado a pensar que não se trata da mesma pessoa. Tal decisão, coisa que já se previa, é mesmo uma cova feita à medida para sepultar a questão das controversas escutas, e pôr-lhes um pedregulho em cima.
Agradado e agradecido deve estar o Zézito. Eu cá se fosse primeiro-ministro, aproveitava esta quadra e mandava oferecer-lhe um presunto de Chaves, já que as caixas de robalos estão pela hora morte.

quinta-feira, dezembro 24, 2009

É quando um homem quiser

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Tu que dormes a noite na calçada de relento
Numa cama de chuva com lençóis feitos de vento
Tu que tens o Natal da solidão, do sofrimento
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que dormes só no pesadelo do ciúme
Numa cama de raiva com lençóis feitros de lume
E sofres o Natal da solidão sem um queixume
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Tu que inventas ternura e brinquedos para dar
Tu que inventas bonecas e combóios de luar
E mentes ao teu filho por não os poderes comprar
És meu irmão amigo
És meu irmão

E tu que vês na montra a tua fome que eu não sei
Fatias de tristeza em cada alegre bolo-rei
Pões um sabor amargo em cada doce que eu comprei
És meu irmão amigo
És meu irmão

Natal é em Dezembro
Mas em Maio pode ser
Natal é em Setembro
É quando um homem quiser
Natal é quando nasce uma vida a amanhecer
Natal é sempre o fruto que há no ventre da Mulher

Poema de José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, dezembro 22, 2009

Resumindo Copenhaga

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Extracto do artigo de Rui Tavares, intitulado "Um dia tramado no planeta", publicado no jornal PÚBLICO de 21 Dezembro 2009. O título deste post é de minha autoria.

"Em Copenhaga, cinco grandes países proclamaram um acordo ineficaz com objectivos insuficientes que vai deixar países do Sul debaixo de água. O representante dos 77 países mais pobres protestou. Dizia Tucídides, no ano 400 e tal a.C.: "Os grandes fazem o que querem; os pequenos aguentam como podem".

Acto contínuo, Obama abandonou a cimeira e apanhou o avião por causa de uma tempestade de neve sobre Washington. Começo a ficar irritado com o provincianismo americano. Com as tempestades de neve também - fecharam o aeroporto e não consigo voltar para casa.

As alterações meteorológicas criarão "refugiados climáticos"; quando eles se começarem a mexer, aos milhões, em busca de lugar para viver, tudo o que conhecemos com as actuais migrações vai parecer uma brincadeira. Os mesmos tipos que negam as alterações climáticas vão fartar-se de resmungar.
..."

segunda-feira, dezembro 21, 2009

"O Palhaço"

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Artigo de opinião do jornalista Mário Crespo, publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS com o mesmo título, em 2009-Dezembro-14. A imagem foi picada do BING.

"O palhaço compra empresas de alta tecnologia em Puerto Rico por milhões, vende-as em Marrocos por uma caixa de robalos e fica com o troco. E diz que não fez nada. O palhaço compra acções não cotadas e num ano consegue que rendam 147,5 por cento. E acha bem.
O palhaço escuta as conversas dos outros e diz que está a ser escutado. O palhaço é um mentiroso. O palhaço quer sempre maiorias. Absolutas. O palhaço é absoluto. O palhaço é quem nos faz abster. Ou votar em branco. Ou escrever no boletim de voto que não gostamos de palhaços. O palhaço coloca notícias nos jornais. O palhaço torna-nos descrentes. Um palhaço é igual a outro palhaço. E a outro. E são iguais entre si. O palhaço mete medo. Porque está em todo o lado. E ataca sempre que pode. E ataca sempre que o mandam. Sempre às escondidas. Seja a dar pontapés nas costas de agricultores de milho transgénico seja a desviar as atenções para os ruídos de fundo. Seja a instaurar processos. Seja a arquivar processos. Porque o palhaço é só ruído de fundo. Pagam-lhe para ser isso com fundos públicos. E ele vende-se por isso. Por qualquer preço. O palhaço é cobarde. É um cobarde impiedoso. É sempre desalmado quando espuma ofensas ou quando tapa a cara e ataca agricultores. Depois diz que não fez nada. Ou pede desculpa. O palhaço não tem vergonha. O palhaço está em comissões que tiram conclusões. Depois diz que não concluiu. E esconde-se atrás dos outros vociferando insultos. O palhaço porta-se como um labrego no Parlamento, como um boçal nos conselhos de administração e é grosseiro nas entrevistas. O palhaço está nas escolas a ensinar palhaçadas. E nos tribunais. Também. O palhaço não tem género. Por isso, para ele, o género não conta. Tem o género que o mandam ter. Ou que lhe convém. Por isso pode casar com qualquer género. E fingir que tem género. Ou que não o tem. O palhaço faz mal orçamentos. E depois rectifica-os. E diz que não dá dinheiro para desvarios. E depois dá. Porque o mandaram dar. E o palhaço cumpre. E o palhaço nacionaliza bancos e fica com o dinheiro dos depositantes. Mas deixa depositantes na rua. Sem dinheiro. A fazerem figura de palhaços pobres. O palhaço rouba. Dinheiro público. E quando se vê que roubou, quer que se diga que não roubou. Quer que se finja que não se viu nada.
Depois diz que quem viu o insulta. Porque viu o que não devia ver.
O palhaço é ruído de fundo que há-de acabar como todo o mal. Mas antes ainda vai viabilizar orçamentos e centros comerciais em cima de reservas da natureza, ocupar bancos e construir comboios que ninguém quer. Vai destruir estádios que construiu e que afinal ninguém queria. E vai fazer muito barulho com as suas pandeiretas digitais saracoteando-se em palhaçadas por comissões parlamentares, comarcas, ordens, jornais, gabinetes e presidências, conselhos e igrejas, escolas e asilos, roubando e violando porque acha que o pode fazer. Porque acha que é regimental e normal agredir violar e roubar.
E com isto o palhaço tem vindo a crescer e a ocupar espaço e a perder cada vez mais vergonha. O palhaço é inimputável. Porque não lhe tem acontecido nada desde que conseguiu uma passagem administrativa ou aprendeu o inglês dos técnicos e se tornou político. Este é o país do palhaço. Nós é que estamos a mais. E continuaremos a mais enquanto o deixarmos cá estar. A escolha é simples.
Ou nós, ou o palhaço."

domingo, dezembro 20, 2009

"Kafkiano"


Com o mesmo título do post, passo a transcrever a artigo publicado em 4 de Dezembro de 2009 no semanário SOL, da autoria do seu Director, José António Saraiva, e que relata um episódio, que pela sua obscura singularidade, deixa qualquer pessoa estupefacta. A conclusão que aqui deixo, é a mesma que o autor tirou: tratou-se de uma tentativa de intimidação, neste caso a um director de jornal, melhor dizendo, à própria liberdade de imprensa. E quando assim acontece, está na altura de tomar precauções e não deixarmos que a tal serpente, de que tanto se fala, saia do ovo.

"Várias vezes tenho falado aqui das minhas andanças pelos tribunais. Mas nunca me tinha acontecido nada de semelhante àquilo que hoje vos vou narrar.
Há cerca de dois meses chegou a minha casa, via carta registada, uma convocatória do Centro de Reinserção Social da área da minha residência, adiantando que me deveria apresentar na companhia de uma pessoa idónea, de preferência adulta. À partida, portanto, consideravam-me a mim inimputável, precisando de ter alguém credível ao meu lado.
A diligência era tão estranha que peguei na convocatória, levei-a para o jornal e pedi à minha secretária – a Carolina – para esclarecer o assunto. Ela achou imediatamente tratar-se de uma brincadeira ou de um erro. Mas empenhou-se em investigar.
Depois de vários telefonemas frustrados, conseguiu concluir que a convocatória era mesmo autêntica e não havia engano.
Telefonou então para o escritório da minha advogada – Isabel Duarte, de quem já falei noutra crónica –, que foi peremptória: eu não deveria comparecer e ela faria um recurso.
Um recurso a quem? – perguntará o leitor. Um recurso à juíza do processo a que esta diligência se reportava. E que processo era esse?
Era um processo cujo julgamento decorre no Tribunal de Oeiras relativo a violações do segredo de Justiça no ‘caso Paulo Pedroso’, em que são arguidos cerca de 20 jornalistas – da SIC, SIC Notícias, TVI, Expresso, Visão, etc.
Ora a juíza deste processo, ninguém sabe bem porquê, mandou a Direcção-Geral de Reinserção Social interrogar os arguidos.
Era a primeira vez que tal me acontecia.
Cumprindo as ordens da minha advogada, não obedeci à convocatória.
Passadas umas três semanas, porém, recebi nova intimação. Mais telefonemas, mais conversas com a advogada e veredicto final desta: a convocatória deveria ser pura e simplesmente ignorada.
Descansei. E, como durante o mês seguinte não sucedeu nada, pensei que o assunto estivesse resolvido. Enganava-me: findo esse mês de tréguas, recebo em casa uma terceira convocatória, desta vez entregue em mão. E aí decidi-me a ir esclarecer pessoalmente o caso.
Qual seria o objectivo desta insólita diligência? – perguntava a mim próprio enquanto conduzia em direcção a Caxias, onde se situava a dita repartição. E só encontrava uma explicação para isto: perante a perspectiva de eu poder ser condenado no referido processo ao pagamento de multa, a juíza estaria interessada em saber quanto ganhava, se era casado, se tinha ou não filhos ou outros familiares a meu cargo, se vivia em casa própria, se tinha bens, etc.
O endereço que vinha indicado na convocatória era Estrada da Cartuxa, n.º 5, que eu não sabia de todo onde era. Contava, porém, que a minha boa estrela me acompanhasse – e ela não me desiludiu. Dois minutos depois de ter entrado em Caxias, lá me apareceu diante dos olhos a desejada tabuleta: «Estrada da Cartuxa». Só tinha, agora, de encontrar o n.º 5.
Percorri a estrada para um lado, depois para o outro, tentei uma terceira vez em sentido inverso – e nada! Não encontrava o número da porta nem nenhum edifício que se assemelhasse a uma repartição pública. O local era inóspito, a estrada devia ser antiga, talvez do século XVIII, sendo em boa parte ladeada por um muro.
Desesperado, telefonei para o número de telefone que vinha no papel, mas nada: fui recebido por um atendedor automático da PT que me disse para deixar recado.
Decidi então (em má hora) fazer um reconhecimento alargado da zona. E depressa me encontrei num labirinto em que perdi por completo a orientação. Caxias é uma terra de vias de um só sentido (vêem-se por toda a parte placas de sentidos proibidos e sentidos obrigatórios), onde ainda por cima se cruzam as estradas e ruas antigas, dos séculos XVIII e XIX, com as vias rápidas que fazem as ligações à CREL, à CRIL e à A5. Um inferno!
Depois de meia dúzia de voltas à vila e redondezas, parei o carro junto a uma esquadra da Polícia e pedi informações ao agente de turno.
O homem, solícito, lá me deu as suas orientações – e com elas voltei ao local de origem, à tal Estrada da Cartuxa. Mas onde diabo ficava a malfadada Reinserção Social?
Percorri outra vez a estrada lentamente num sentido e noutro, até que desisti de procurar: parei à porta de um café, entrei e perguntei ao dono onde ficava a dita repartição. Mas o homem não sabia.
Foi então que um cliente do café, velho, chupado e desdentado, que ouvira a minha pergunta, interveio:
– ‘Inserção’ Social? É ali, num prédio por trás daquele...
– Tem a certeza?
– Sim. É ali a ‘Inserção’ Social.
Voltei a meter-me no carro, a fazer a estrada para trás e para diante, mas nada: não vi nenhum edifício com aspecto de repartição pública, nem nenhuma tabuleta, nem sequer descobri onde era o número 5.
Estacionei então o carro e decidi ir a pé.
E aí descobri: no tal local que o velhote me indicara, lá estava cravado numa parede, em local pouco visível, um n.º 5. Mas tratava-se de uma vivenda igual a tantas outras dos subúrbios, com um quintal à volta onde só faltava andar a criação à solta, e tinha a porta fechada...
Não podia ser ali.
Decidi-me, mesmo assim, a entrar no quintal e aproximar-me da porta. E aí, numa tabuleta pequena, ilegível da rua, via-se a inscrição que eu ansiosamente procurara: Instituto de Reinserção Social. Mas seria normal a porta estar fechada, como se se tratasse da casa de uma família?
Toquei à campainha, ouviu-se um gong, veio uma senhora abrir (que podia perfeitamente ser a dona da casa) e perguntou-me:
– O que deseja?
Um pouco surpreendido com a pergunta, mostrei a convocatória, a senhora leu e disse-me para esperar no hall. Sentei-me à espera.
Passados uns minutos, a senhora voltou. Disse-me para a acompanhar. Descemos uma escada que, certamente projectada para aceder a uma cave sem grande uso, não oferecia grande segurança nem comodidade. A senhora avisou-me:
– Atenção aos degraus, a escada não é lá muito segura...
Lá em baixo havia uma sala com uma mesa rodeada de cadeiras. A senhora mandou-me sentar. Explicou que iam fazer-me um interrogatório no qual deveriam estar presentes duas pessoas, por isso uma colega acompanhá-la-ia.
A colega desceu, sentou-se, e o interrogatório ia começar.
Disse então que tudo aquilo me parecia insólito e aberrante. Expliquei que a minha vida é um livro aberto, não tem segredos, está na praça pública: sabe-se qual é a minha profissão, desempenho há 25 anos funções publicamente conhecidas (director do Expresso, primeiro, e depois do SOL), e escrevo semanalmente o que penso. Dificilmente se encontrará uma pessoa com uma vida mais transparente.
As senhoras que me interrogavam não reagiram, explicando apenas que era uma diligência pedida pelo tribunal.
E, para meu espanto, quando me preparava para começar a responder a perguntas sobre a minha situação financeira, as inquisidoras – aliás de forma cordata e gentil – começaram a interrogar-me como se estivesse na Polícia.
Ali, num estabelecimento de Reinserção Social, começaram a interpelar-me sobre o segredo de Justiça, sobre o que pensava da violação desse segredo, sobre a Lei de Imprensa, sobre o relacionamento dos jornalistas com as fontes, sobre a presunção de inocência e a preservação do bom nome dos cidadãos, sobre os limites da liberdade de imprensa, etc., etc., etc. O interrogatório durou mais de uma hora – e a tudo respondi com a maior boa-vontade.
No fim, com o mesmo ar amável, a ‘coordenadora da equipa’ (a senhora que me abrira a porta e depois se apresentara nesta qualidade) perguntou em que medida eu estava disponível para colaborar com aquela instituição. E explicou-me que voltaria a ser interrogado por outras pessoas nos próximos dias. E que depois teriam de ir a minha casa, interrogar vizinhos e conhecidos.
Eu estava estarrecido. Disse-lhes apenas que percebia a situação delas: estavam ali a fazer o seu trabalho e eu não queria afrontá-las; mas também esperava que conduzissem o insólito processo com sensatez e razoabilidade.
Despedimo-nos afavelmente.
À saída daquela casa com ar de vivenda dos subúrbios ainda vinha atordoado. Tinha a sensação de ser o protagonista d’ O Processo de Kafka. Por que razão me tinham feito ir ali àquele local estranho e mal referenciado? Por que razão me tinham feito aquelas perguntas, que não tinham nada que ver com reinserção social mas sim com o próprio processo? O que se passara ali?
E por que razão eu tinha ingenuamente respondido às perguntas? Eu que, como os demais arguidos no processo, tinha afirmado no tribunal perante a juíza não desejar falar sobre o caso, estivera ali a dizer àquelas duas funcionárias tudo o que pensava do assunto.
Como fora possível?
Quando cheguei ao jornal e falei à advogada, ela indignou-se. Foi peremptória: aquele interrogatório estava completamente fora das competências da Direcção-Geral de Reinserção Social. Fora uma ilegalidade. Quem o ordenara naqueles termos?
Independentemente da lei, uma coisa pode dizer-se: num país com tanta gente necessitada de ser reinserida socialmente, será normal as entidades respectivas dedicarem-se a interrogar directores de jornais?
Francamente, só encontro uma explicação para o sucedido: tratou-se de uma tentativa de intimidação. O futuro o dirá."

sábado, dezembro 19, 2009

Dupont e Dupont

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O PRESIDENTE do Supremo Tribunal de Justiça, Sr. Noronha do Nascimento, quarta figura da hierarquia nacional, defendeu em 17 de Dezembro, durante uma cerimónia, a criação de um órgão com poderes disciplinares efectivos sobre os jornalistas, por causa das violações estatutárias, orgão esse que seria composto paritariamente por representantes da classe e da estrutura política do Estado. Disse ele que "as violações constantes do segredo de Justiça situam-se exactamente nesta encruzilhada de interesses quando o mercado desregulado atira borda fora a lei e a ética. A desregulação da informação deve ser afrontada. Ou quando se violam regras éticas juridificadas estatutariamente ou quando se violam direitos de personalidade e cidadania. Nós, juízes, bem vemos nos tribunais os seus efeitos." Para rematar o seu pensamento, chegou a afirmar que é inadmissível que «haja alguém que seja director de um jornal sem ter a carteira de jornalista», acrescentando que é frequente a má qualidade dos jornalistas e que a Justiça bem o tem sentido. Ora para dizer uma coisa destas sobre os directores dos jornais, também deveria ter-se lembrado que muitos dos directores dos hospitais não são médicos, e isso não impede que o hospital, tal como o jornal, tenha um bom desempenho e credibilidade. Este senhor, quase em termo de mandato, não se coibe de teorizar, mandar recados e sugestões, quando a sua função e posição, aconselhava algum comedimento nas “sentenças” que debita. Como é compreensível o Sindicato dos Jornalistas está em desacordo com estas sugestões, sobretudo a que refere ao tal órgão disciplinar, dado que já existem suficientes mecanismos legais para punir os excessos que os jornalistas possam cometer, durante o exercício da sua profissão.
Entretanto, no mesmo dia e na mesma ordem de ideias o Procurador-Geral da República, Sr. Pinto Monteiro, também dissertou sobre o tema, acrescentando a ideia de que o problema principal que a justiça portuguesa enfrenta é a fuga de informações e a violação do segredo de justiça. Não diz quem as leva a cabo, não diz quem retarda as investigações, não diz quem encrava os processos, não reconhece que há um fenómeno que se chama governamentalização, apenas se preocupa com a "chaga" de os factos chegarem ao conhecimento dos jornalistas, e de eles os transformarem em notícias, como naturalmente lhes compete.
Afinal, estes dois senhores, incrustados nos respectivos interesses corporativos, estão cada vez mais parecidos com os inefáveis e hectoplásmicos Dupont e Dupont, que diriam, sempre concordantes e em uníssono, qualquer coisa parecida com isto:
- Porrada nos jornalistas e que se dane essa coisa da liberdade de imprensa! Diz um.
- E direi mais, que se danem os jornalistas! Depressa e em força, todos para trás das grades! Acrescenta o outro.

Esquecimento

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O INSTITUTO de Metereologia (IM), na sequência do sismo ocorrido há dois dias em território nacional, tem publicados no seu site alguns conselhos a seguir, no caso de ocorrência de tal fenómeno. Apesar de ser uma inciativa meritória, e embora referindo os tsunamis ou maremotos, o IM esqueceu-se de mencionar uma precaução que deve ser tomada, e que é muito importante adoptar, no caso específico de Portugal, onde metade das suas fronteiras confrontam com a orla marítima, e que é a seguinte:

- Se estiver junto à orla marítima ou numa zona ribeirinha, quando ocorrer um sismo, pode o mesmo originar um tsunami ou maremoto (onda gigante), pelo que é aconselhável deslocar-se para uma zona elevada de terreno, mas nunca para os andares superiores de qualquer construção.

Segundo rezam as crónicas, no sismo que destruiu Lisboa em 1755, o maior número de mortes ocorreu quando a população, levada pelo pânico, motivado pelos abalos e desmoronamentos de edifícios, correu para a beira-rio, onde procurou abrigo, vindo a perecer, vítima do maremoto que entretanto o sismo desencadeou.

sexta-feira, dezembro 18, 2009

O Pior Cego

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O jornal PÚBLICO noticiou hoje que “…o deputado comunista Bruno Dias revelou um ofício de 1993 em que a comissão de trabalhadores da CP - Caminhos de Ferro questionava a venda de ferro a uma empresa de sucatas de Manuel Godinho, arguido no caso Face Oculta. "Um negócio que foi denunciado pela Comissão de Trabalhadores da CP ao Conselho de Gerência, e que, no entanto, se manteve nas governações do PSD de Cavaco, do PS de Guterres, PSD/CDS de Durão Barroso, Santana e Portas, PS de Sócrates"…”

Meu comentário - Lá diz o ditado popular, e bem, que o pior cego é aquele que não quer ver.