segunda-feira, agosto 15, 2011
Recortes do EXPRESSO
A "qualidade devida" de Luísa Schmidt deixou-nos a seguinte mensagem: «(...) Por exemplo, "fala-se" na infame intenção de vender a Companhia das Lezírias. Seria uma decisão lesiva a todos os níveis - financeiro, económico, político, cultural, ambiental, estratégico... A começar logo pelas contas. A Companhia das Lezírias dá lucro ao Estado; esse lucro está em progressão sustentada há anos e produz bens transacionáveis. Não é disso que nós precisamos para pagar a dívida? Não é um exemplo de gestão assim que o país precisa de replicar pelo seu território e pelos diversos sectores económicos? (...) Será agora que ficaremos a saber se o actual ministério [da agricultura] e a sua ministra existem, ou se são uma mera convenção a servir de máscara ao "Ministério da Liquidação Geral".»
Disse-nos ainda o Daniel Oliveira: «(...) Houve um tempo em que as famílias da alta sociedade dividiam tarefas por género: os senhores exploravam os pobres, as senhoras organizavam festas cristãs para os ajudar. Infelizmente, a família já não é o que era e as mulheres dos homens ilustres já não têm tempo para se dedicarem à caridade. A empresa trata de tudo: com uma mão paga miseravelmente, com a outra dá um consolo, um ensinamento e um ralhete. Mas ninguém pode dizer que os senhores do Pingo Doce estão sózinhos. Limitam-se a seguir o exemplo do Estado, que enquanto destrói a economia das famílias inventa um abjecto plano de emergência, que transforma o Estado Social numa instituição de caridade. (...)»
sábado, agosto 13, 2011
Adivinhem Quem Governa Portugal
Por sua vez, Jergen Kroeger, representante da Comissão Europeia na troika, acrescentou: Não se verificará mais aumento de impostos ao longo deste ano. Quanto a 2012, teremos que esperar para avaliar como evolui a situação.
sexta-feira, agosto 12, 2011
Novo Dicionário de Sinónimos
quarta-feira, agosto 10, 2011
Revisitando o Quarteto de Alexandria (Mountolive)
Consultar este post para apreciação de JUSTINE
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Outra personagem:
Amaril, o médico, colega de Balthazar, que tem tanto de Pigmaleão como de Frankenstein.
Colectânea de citações ao correr da leitura:
Montaram e tomaram o caminho de casa. Mandando o intendente avançar adiante com a lanterna, Leila aproximou o seu cavalo do cavalo de Mountolive, para que os seus joelhos se tocassem e para que o contacto dos seus corpos apaziguasse em parte a sede dos seus sentidos. Eram amantes havia apenas dez dias, mas para o jovem Mountolive esses dez dias tinham sido uma eternidade de alegria e desespero. (recordações de Mountolive)
Nessim detestava o derramamento de sangue, o trabalho manual e as maneiras rudes; Narouz sentia prazer em tudo isso.(…)
A fortuna da sua família tinha entrado em conflito com a fortuna dos Hosnani, porque, como sempre nestes casos, um casamento era uma espécie de associação entre duas grandes companhias. (…)
A Europa para os egípcios não passava de um mercado onde os ricos se iam abastecer. (Leila, traçando o perfil da família Hosnani)
Segunda-feira. Ali afirma que as estrelas cadentes são pedras lançadas pelos anjos para afastar os demónios que se aproximam do paraíso a fim de escutar as conversas onde se enunciam os segredos do futuro. Todos os árabes têm medo do deserto, mesmo os beduínos. Que estranho! (anotação do diário de Mountolive)
- Mas que sabe você, que sabem os ingleses dos coptas, se é que alguma vez se preocuparam em conhecê-los? Uma obscura heresia religiosa, pensam eles, uma linguagem alterada com uma liturgia irremediavelmente mesclada de elementos árabes e gregos. Quando os primeiros cruzados tomaram Jerusalém, foi expressamente proibido aos coptas penetrar na cidade – a nossa cidade santa. Os cristãos do ocidente nem sequer sabiam distinguir entre os muçulmanos que os tinham derrotado em Askelon e os coptas – o único ramo da igreja que foi totalmente integrado no oriente! E quando o vosso bispo de Salisbury declarou abertamente que considerava esses cristãos orientais mais execráveis que os infiéis, os vossos cruzados massacraram-nos alegremente. (palavras do patriarca Hosnani)
Não lhe parece estranho que, para nós, nunca tenha havido conflito entre a cruz e o crescente? Esse conflito foi uma criação puramente ocidental, tal como a noção da crueldade muçulmana. Os muçulmanos nunca perseguiram os coptas por motivos religiosos. Pelo contrário, o próprio Alcorão respeita Jesus como um verdadeiro profeta, um percursor de Maomet. (Nessim discorrendo sobre a tolerância religiosa)
A nomeação verificou-se nos fins desse Outono. Foi uma surpresa ver-se afectado à legação de Praga, pois tinham-lhe dado a entender uma colocação no consulado do Levante, onde a sua experiência do árabe poderia ser útil. Mas, vencida a decepção, aceitou a sua sorte e entregou-se à contradança que o Foreign Office pratica com uma eloquente impersonalidade. (Mountolive e os espinhos da carreira diplomática)
O antigo amor metamorfoseou-se lentamente em admiração até que o seu desejo físico (tão irritante no princípio) se transformou numa ternura despersonalizada e devoradora, que, em vez de diminuir, mais se nutria com a ausência. (Mountolive sobre Leila)
E pontualmente, enquanto os anos se sucediam no calendário e ele mudava de lugares, a imagem de Leila era projectada com as cores e as experiências dos países que passavam diante dele: Japão constelado de cerejeiras, Lima dos narizes aquilinos, Portugal melancólico e insípido, Helsínquia afogada em neve. (Mountolive por outras terras com o pensamento em Leila)
Não escreva enquanto eu não estiver em condições de poder ler; estou coberta de ligaduras dos pés à cabeça. Sucedeu-me qualquer coisa de terrível e definitivo. (…) É uma estranha experiência ver o nosso próprio rosto crivado de craterazinhas e ranhuras, como uma paisagem familiar depois de uma explosão. Temo ter de me acomodar à sensação de me haver transformado numa velha feiticeira. (Leila escrevendo a Mountolive, depois de ter sido atacada de varíola)
Por exemplo, tem ideias reaccionárias, o que o torna mal visto pelos colegas que o acusam de simpatias fascistas; repugnam-lhe os esquerdistas - e com efeito detesta toda a espécie de radicalismo. Mas exprime as suas opiniões sem rancor e sem paixão. Não consegui, por exemplo, fazê-lo falar sobre a guerra de Espanha. (Mountolive a avaliar Pursewarden)
Devemos preocuparmo-nos mais com os valores do que com a política. Hoje tudo isso me faz pensar num espectáculo ridículo de sombras chinesas, porque governar é uma arte, não uma ciência, da mesma forma que a sociedade é um organismo e não um sistema. (convicções de Pursewarden)
- Para começar, a mulher em questão – disse Nessim friamente – é judia, e bem sabe o terror absurdo que os coptas sentem pelos judeus. Temos mesmo um provérbio que diz “se deixares entrar a raposa judia na tua vinha, ela acabará por te devorar o coração”. (Nessim fala a Mountolive sobre o seu futuro casamento com Justine)
No decurso da sua carreira tinha concitado a inimizade do outro, sem saber porquê, pois nunca houvera entre os dois qualquer atrito concreto. Mas a coisa ali estava, como um nó na madeira. (a propósito de um colega de Mountolive do Foreign Office)
Pegou no moinho de orações tibetano colocado sobre a secretária e deu-lhe uma ou duas voltas, escutando o débil atrito no interior do tambor, abafado pelos bocadinhos de papel amarelado onde penas piedosas tinham escrito havia muito tempo a invocação “Om Mani Padme Aum”. Fora um presente de seu pai no momento da despedida. (Mountolive na casa de seus pais em Inglaterra)
Desde que o exército descobriu que a cobardia é essencialmente um produto da inteligência, começou a produzir os Maskelynes, educando-os em todas as virtudes da estupidez: uma espécie de apatia turca. O desprezo pela morte transformou-se em desprezo pela vida, e um tal tipo de homem só aceita a vida segundo as suas normas. (excerto de uma carta de Pursewarden a Mountolive)
“Mas se casa, torna-se amante de outro homem, um estrangeiro ainda por cima”. Falava de Darley, o amável e míope compatriota que às vezes habita nos aposentos de Pombal. Ganha a vida como professor e escreve romances. Tem um crâneo gentil e arredondado de bebé, como às vezes se encontra nos intelectuais; ligeiramente curvado, cabelos louros e aquela timidez que acompanha as grandes emoções imperfeitamente dominadas. (…) De qualquer maneira, esse Darley deve ter qualquer encanto, porque também conquistou as graças de uma artistazinha de cabaret chamada Melissa. (Mountolive descrevendo Darley, o narrador, Justine e Melissa, a propósito de um comentário de Pursewarden)
Foi uma festa sumptuosa e bárbara, e toda a Alexandria veio prestar homenagem a Mountolive, como para festejar o regresso de um filho pródigo, embora ele de facto pouca gente conhecesse além de Nessim e sua família. Mas agradou-lhe reencontrar Balthazar e Amaril, os dois inseparáveis médicos que estavam constantemente a implicar um com o outro; e Clea, que conhecera em tempos na Europa. (Mountolive chega a Alexandria vindo do Cairo)
Depois pediria a transferência (…) Havia qualquer coisa naquele Egipto de imensidões sufocantes, de vazios ardentes, com os seus monumentos de granito aos faraós mortos, necrópoles tornadas cidades, que o sufocava. (projectos pessoais de Pursewarden)
Os seus abraços eram semelhantes aos das figuras de gesso sobre um túmulo clássico. Ela acariciou-lhe os flancos, os rins, o pescoço, as faces, com as suas mãos experientes, apoiando aqui e ali os dedos na sombra, dedos de cega procurando um painel secreto numa parede, o botão que faria jorrar a luz iluminando um outro mundo, fora do tempo. (Melissa com Pursewarden)
Por acaso e de forma totalmente inesperada descobri o acerto das teorias de Maskelyne sobre Nessim e o erro das minhas. Não lhe confiarei a minha fonte, mas sei agora que Nessim introduz armas na Palestina, e isso já há algum tempo. (carta de Pursewarden a Mountolive pouco antes de se suicidar)
Por outro lado sabia, subconscientemente, que a mulher oriental não é uma sensualista no sentido europeu do termo; a pieguice não faz parte da sua constituição. Embora não o queira aparentar, está obcecada pelo poder, pela política e pelos bens materiais. (conjectura de Nessim ao contar a Justine os planos da sua conspiração)
Durante todo o verão e Outono os conspiradores organizaram uma série de festas de um esplendor raro na cidade. Agora, na casa de Nessim, não havia repouso, sempre animada de frescas e desusadas melodias de um quarteto de cordas, ou sacudida pelos sobressaltos viscerais dos saxofones, grasnando como patos no meio da noite. As cozinhas, vastas cavernas outrora desertas, fervilhavam agora com um exército de cozinheiros que mal acabavam de arrumar os destroços de uma festa sumptuosa começavam a preparar iguarias para o próximo banquete. (a casa de Nessim no auge das conspirações)
Em breve estariam lançados em caminhos que não tinham escolhido, aprisionados num campo magnético dominado pelas mesmas forças que provocam as marés ou que obrigam os salmões cintilantes a subir um rio. (as inquietações de Mountolive, Nessim e Justine)
- Dizer que os coptas retomarão o seu lugar ao sol é uma coisa; mas dizer que eles varrerão o regime corrupto dos paxás que possuem noventa por cento das terras… falar de se apoderar do poder no Egipto e de reformar a ordem…
- Ele diz semelhantes coisas? – balbuciou Nessim, e o velho confirmou gravemente com um gesto de cabeça. (Nessim confrontado com o fervor militante da Narouz)
- Se tudo correr de acordo com os planos.
- Tudo correrá de acordo com os planos.
- E depois?
- E depois? – Nessim espreguiçou-se bocejando e piscou o olho a Justine. – Havemos de tomar novas disposições. Da Capo desaparecerá; você partirá. Leila irá passar umas grandes férias no Quénia, com Narouz. E é tudo. (excerto de conversa entre Nessim e Justine)
Nessim, Justine, Leila – tinham agora um ar substancial, como projecções de um sonho agindo num mundo habitado por inexpressivos bonecos de cera. Era difícil conceber que lhes devesse sequer algum amor. (desânimo de Mountolive)
Defrontava-o uma senhora egípcia de idade incerta, de rosto lavado e balofo, profundamente lavrado pela varíola e com os olhos grotescamente pintados com antimónio. (Mountolive reencontra Leila)
Mountolive sentia como se uma barreira interior estivesse a ponto de se quebrar, como uma barragem que cede. Teve então a ideia de ir jantar ao bairro árabe, simplesmente, humildemente, como um amanuense ou um pequeno comerciante da cidade. (Mountolive desiludido)
NOTA – Ilustração de Fernando Torres
domingo, agosto 07, 2011
Seis Anos a Gastar Tinta
sexta-feira, agosto 05, 2011
Oportuno como Sempre!
«Coelho e Portas não são originais por terem esquecido tudo o que proclamaram na Oposição e prometeram em campanha. Isso é a rotina, e daí que os políticos tenham hoje junto dos portugueses um "rating" muito abaixo de lixo. A originalidade deste Governo é que, em mês e meio, já bateu todos os recordes de promessas e garantias não cumpridas.
Não tenho boa memória nem sou coleccionador de indignidades mas lembro-me de
Coelho-candidato garantindo que o subsídio de Natal era intocável e nunca seriam aumentados os impostos sobre o rendimento e de Coelho-primeiro-ministro indo buscar metade do subsídio de Natal e criando uma nova taxa sobre o IRS; da promessa de não usar a "herança" de anteriores governos como álibi e da rábula do "desvio colossal"; da garantia de que não haveria cortes salariais nem despedimentos no Estado e do anúncio de despedimentos na administração indirecta do Estado; da promessa de espartidarização do Estado ("A nossa preocupação não é levar para o Governo amigos, colegas ou parentes") e das centenas de nomeações de "boys" para todo o tipo de "jobs", de que o caso mais escandaloso será o da CGD para cuja administração foram, talvez só com uma excepção, nomeados 11-amigos-11 do PSD, CDS e... presidente da República.
O caso da CGD é tão chocante que, no domingo, num justificado "lapsus calami", o JORNAL DE NEGÓCIOS online lhe chamava "bando do Estado" em vez de "banco do Estado".»
quinta-feira, agosto 04, 2011
Revisitando o Quarteto de Alexandria (Balthazar)
Consultar este post para apreciação de JUSTINE.
Escrevi na introdução ao Quarteto que “os estudiosos da obra de Durrell dizem que o Quarteto de Alexandria foi uma obra inspirada na teoria da relatividade”. Engano meu! Acontece que não foram os estudiosos mas sim o próprio Durrell que o manifestou, na nota introdutória de Balthazar, com as seguintes palavras: as personagens e situações deste romance, o segundo de um grupo – constituindo este um “sósia” e não uma continuação de JUSTINE – são inteiramente imaginárias, tal como a personalidade do narrador. Mas a cidade é o menos irreal possível. A literatura moderna não nos oferece nenhum exemplo de Unidades, e em consequência disso voltei-me para a ciência e tentei realizar um romance em quatro dimensões cuja forma assenta no princípio da relatividade.
Três partes de espaço e uma de tempo, eis aqui a receita para engendrar um “continuum”. Os quatro romances obedecem a este plano. (…)
Maioritariamente baseado em comentários feitos sobre o rascunho de romance do Narrador, Balthazar é a segunda “camada” do Quarteto de Alexandria, ou melhor, uma visão diferente da realidade que foi apresentada em Justine. Às personagens apresentadas naquela obra, acrescentam-se novas figuras, intervenientes em Balthazar:
Narouz Hosnani, irmão de Nessim
Leila, mãe de Nessim e Narouz
Keats, o jornalista
Darley, o Narrador que passa a ter um nome
Colheita de citações ao correr da leitura:
Justine, Melissa, Clea… Éramos tão poucos que na verdade um livro devia ser suficiente para esgotar-nos (…) Na verdade eu via as minhas amantes e amigos não mais como seres humanos e vivos mas como criações coloridas da minha mente, eram agora habitantes do meu livro, não da cidade, como figuras de tapeçaria (…) O quadro que desenhei era provisório – como o painel de uma civilização perdida deduzido de uns escassos fragmentos de vasos, uma tábua com caracteres confusos, um amuleto, alguns ossos humanos e uma máscara mortuária de ouro, sorridente. (ponderações do Narrador sobre o seu projecto de romance)
Nós vivemos – escreve algures Pursewarden – vidas baseadas sobre uma selecção de ficções. A nossa perspectiva da realidade é condicionada pela nossa posição no espaço e no tempo, e não pela nossa personalidade, como geralmente se crê. Assim, cada interpretação da realidade baseia-se sobre uma posição única. Dois passos para leste ou para oeste e o quadro muda inteiramente. Ou qualquer coisa parecida…
Um diário é a última fonte a que o historiador deve recorrer para conhecer o seu autor. Ninguém se atreve a ser sincero no papel: pelo menos quando se trata de amor. (observação do Narrador)
No princípio os jovens, tal como a vinha, apoiam-se sobre os tutores dos mais velhos, que sentem prazer em suportar sobre eles os dedos doces e meigos; mais tarde são os velhos que se apoiam nos belos corpos dos jovens para descer o rio da morte. (citação de Balthazar)
O barbeiro muitas vezes não tinha tido sequer tempo de se barbear, tendo chegado a toda a pressa do hospital onde acabava de escanhoar um morto. Encontrávamo-nos aqui nas cadeiras acolchoadas, diante dos espelhos, por um breve instante, antes de nos dirigirmos às respectivas ocupações: Da Capo para se encontrar com os seus corretores, Pombal para a sensaboria do consulado francês (mal disposto, boca amarga, sensação de ter caminhado toda a noite de cabeça para baixo), eu para a escola onde ensinava, Scobie para a repartição da Polícia, e assim por diante…
(…) Aquelas mímicas lembravam-me um pouco os heróis dos romances ingleses diante de uma chaminé Tudor, fustigando as botas com o chicotinho e tomando ares de superioridade.
(…) Adormeceu de novo e desta vez filtrava-se pelos seus lábios um ligeiro assobio irritante. Retirei-lhe com cuidado o cachimbo de entre os dedos e acendi um cigarro. Esta maneira de aparecer e desaparecer, num simulacro de morte, tinha qualquer coisa de comovedor. Estas pequenas visitas a uma eternidade que em breve se tornaria seu domicílio, na companhia de … (observações do Narrador)
Um dia dissera com um leve suspiro: nada mais fácil de organizar nesta cidade do que uma morte ou um desaparecimento. (Balthazar citando Scobie)
Nessim possuía a pureza inodora do ar do deserto, do deserto estival, secreto e seco. Puro. Como ela odiava essa pureza! E depois? Sim, revoltava-a também a cruzinha de ouro aninhada nos cabelos do seu peito. Era um copta – um cristão. É assim que trabalha em segredo o espírito das mulheres. (Balthazar conjecturando sobre os preconceitos de Justine)
A pobreza obrigava-a a servir de modelo, a tantas piastras à hora, para os estudantes de arte do Atelier. Clea, que apenas a conhecia de nome, passava certo dia na extensa galeria e, impressionada pela sombria beleza alexandrina do seu rosto, contratou-a para um retrato.
(…) Da mesma forma que uma prostituta pode ignorar que o seu cliente é um poeta que a imortalizará num soneto que ela nunca chegará a ler, Justine entregando-se a esses prazeres sexuais mais subtis, ignorava que eles deixariam, por muitos anos, uma marca indelével em Clea…
(…) Certas pessoas nasceram para dispensar o bem e o mal em maior medida do que as outras – são os veículos inconscientes de doenças que não podem tratar. (considerações de Balthazar sobre os amores de Clea e Justine)
Leila não admitia nenhum espelho no harém desde que a doença a tinha privado da sua própria estima; mas, na intimidade de um espelhinho de bolso de ouro, pintava os olhos – o único tesouro que lhe restava. (…) Era como um homem que cega e aprende a ler com o único órgão que lhe resta: as mãos. (Leila isolada com os seus danos da varíola)
Imaginar não é necessariamente inventar, da mesma maneira que se podem interpretar as acções dos outros sem nos proclamarmos omniscientes. (notas de Balthazar)
Ei-las, sentadas as duas, a esfinge velada e a descoberta, comendo as violetas cristalizadas que ambas odiavam. Deliciava-me observar as mulheres assim, no seu estado mais puro. (comentário de Balthazar sobre Leila e Justine)
Uma mulher não pensa duas vezes (se a paixão sanciona o crime) antes de enganar o marido; mas ser infiel a Nessim era como roubar a caixa das esmolas. (notas de Balthazar sobre Justine)
Os factos e os gestos mais inocentes – a visita a uma biblioteca, uma lista de compras, uma mensagem num cardápio – tornavam-se em provas aos olhos de um ciúme fundado na impotência sentimental. (notas de Balthazar sobre a relação de Nessim com Justine)
Os factos são instáveis por natureza. Narouz disse-me certo dia que amava o deserto porque lá o vento apaga o traço dos nossos passos como apaga uma vela. Assim, ao que me parece, faz também a realidade. (observações de Balthazar)
Pursewarden tinha lançado frases do género: “é um dever de todo o patriota odiar a sua pátria de uma maneira criadora”… (memórias de Balthazar)
Pursewarden oferecia um amor amargo, sem compaixão, mas de uma maneira curiosa que tornava os seus beijos excitantes. Eram tão vivos como a dentada de uma criança faminta numa maçã madura. (observações de Balthazar)
Os silêncios de Nessim tinham já atingido enormes proporções no seu espírito. Estendiam-se por todos os lados como o próprio deserto – enervando-a. (Balthazar comentando o relacionamento de Nessim com Justine)
O rosto de Pursewarden, na morte, recorda-me o de Melissa; tinham ambos o ar de quem acaba de gozar secretamente uma boa piada, adormecendo antes de o sorriso ter tempo de se apagar nos cantos boca. (Balthazar comentando o suicídio de Pursewarden)
Tremia de emoção, como se estivesse prestes a profanar um lugar santo com qualquer obscenidade irresistível, cuja significação crepitava no seu espírito como um raio, com uma beleza horrível e singular. (Afrodite consente todas as conjugações do espírito e dos sentidos na prática do amor). (Narouz imaginando-se a fazer amor com Clea)
Em pensamento vejo-os sempre assim, olhos nos olhos, de mão dada, muito juntos e todavia tão longe. O telefone é o símbolo moderno das comunicações que nunca se realizam. (Messim e Justine)
Suponho (escreve Balthazar) que se você desejar, de qualquer modo, incorporar no seu manuscrito de Justine aquilo que eu acabo de lhe contar, se encontrará em presença de um livro bastante curioso; será uma história contada em camadas sucessivas. (…) Estes são os pequenos depósitos aluvionários do tempo no lugar. Da mesma forma a vida deposita sobre o rosto do indivíduo, camada após camada, as rugas sucessivas da experiência onde é impossível discriminar a herança das lágrimas e do riso. Dejeções da experiência sobre as areias da vida… (sugestão de Balthazar ao Narrador, agora Darley)
Areias, roseirais e pedras brancas
De Alexandria – faróis do navegante,
Dunas que se esmagam e deslizam,
A areia beija o mar a todo o instante,
(…)
(versos gregos recitados por Justine para Darley, o Narrador)
As verdadeiras ruínas da Europa são os seus grandes homens. (das notas estenografadas de Keats)
Memorandum
Quantos amorosos, depois de Pigmaleão, conseguiram moldar na carne o rosto da amada, como o fez Amaril? - perguntava Clea. O grande tabuleiro de narizes para ele escolher um – de Nefertiti a Cleópatra. Um trabalho de paciência numa sala sombria.
NOTA – Ilustração de Fernando Torres
quarta-feira, agosto 03, 2011
Uma Espécie de "Solução Final"
Entretanto, António José Seguro, exibindo aquela fisionomia de pessoa que sofre de prisão de ventre, indiferente à “guetização” em curso, anda a entoar-nos algumas canções de embalar, com letra da troika e música do bloco central. Diz ele que somos todos vítimas (menos uns quantos) das imposições que vieram lá de fora (pois claro!), que temos que dar as mãos, continuar a trabalhar e a descontar para os respeitáveis accionistas dos bancos, trauteando o “fui ao jardim da Celeste, giroflé-flé-flá”, cara alegre, olhar em frente, e vamos a isto que o que é preciso é ter fé, pois o mau tempo há-de passar.
segunda-feira, agosto 01, 2011
Falta de Memória, Pouca História e Nenhuma Vergonha
«Recordo apenas que, em 24 de Abril de 1974, a indemnização por despedimento já seria, pelo menos, de 15 dias por ano de trabalho. Mas este registo histórico obviamente que não diz nada ao pessoal governante que agora temos, além do mais porque, por razões de idade ou de classe, nunca sentiram o influxo socialmente libertador da Revolução de Abril.»
domingo, julho 31, 2011
Aprender com os Filmes (3)
sábado, julho 30, 2011
Revisitando o Quarteto de Alexandria (Justine)
QUEM é quem, ao longo de todo o Quarteto:
Alexandria, a cidade mágica, sempre presente
O Narrador, professor e candidato a escritor cujo nome não é revelado
Justine, a esposa de Nessim
Nessim, o rico negociante copta
Melissa, a dançarina de cabaré
Balthazar, o médico e cabalista
David Mountolive, o embaixador britânico
Cohen, o peleiro, antigo amante de Melissa
Clea, a pintora
Pombal, o diplomata
Pursewarden, o diplomata e escritor
Scobie, o decadente oficial da Ordem do Império Britânico
Mnemjian, o barbeiro anão e corcunda, natural de Babilónia
Jacob Arnauti, primeiro marido de Justine
Capodístria, o homem da pala negra
Selim, o criado de Nessim
Hamid, o criado berbere do Narrador
Recolha de citações:
As nossas acções quotidianas nada mais são que os ouropéis que velam o vestido de ouro – a essência da forma. É na sua arte que o artista encontra, pela imaginação, um feliz compromisso com tudo quanto o feriu na vida quotidiana, e não para escapar ao seu destino, como faz o homem vulgar, mas para realizá-lo da forma mais adequada e completa que lhe for possível. (reflexão do Narrador)
- Olha! Cinco imagens diferentes da mesma pessoa. Se eu fosse escritor tentaria descrever uma personagem assim, através de uma visão prismática. Porque será que não podemos ver mais do que um perfil de uma só vez? (comentário de Justine, numa visita à modista)
Lastimo-o, diz ela. Tem o coração empedernido e tudo quanto lhe resta são os cinco sentidos, como os fragmentos de um copo quebrado. (Justine classificando Capodístria)
Na sua vida passional ela era directa, como um machado que cai. Recebia os beijos como a tela recebe as pinceladas do pintor. (…) Ela toma o amor como uma planta absorve a água, naturalmente, cegamente. (Jacob Arnauti numa avaliação de Justine, sua ex-mulher)
Encontro-me no centro do corpo da cidade, no seu sistema génito-urinário; é um lugar excelente para perder quaisquer ilusões. (afirmação de Balthazar, referindo-se às suas funções no hospital de Alexandria)
Ah!, minha querida, depois de todas as obras dos filósofos sobre a alma e dos cientistas sobre o corpo, que existe que possamos afirmar conhecer, realmente, sobre o homem? Que afinal de contas ele não é mais do que uma passagem para os líquidos e para os sólidos, um cano de carne. (Balthazar conversando com Justine)
E que posso dizer da própria Cabala? Alexandria é uma cidade de seitas e evangelhos. E, para cada asceta, ela produziu sempre um religioso libertino. (congeminações do Narrador)
Falo-lhe agora como membro da Cabala e não a título pessoal. Amar apaixonadamente, ainda que à própria mulher, é cometer adultério. (advertência de Balthazar a Justine)
Compreendi, então, a verdade do amor: um absoluto que tudo aceita ou tudo despreza. Os outros sentimentos, a compaixão, a ternura, e assim por diante, só existem à periferia, são aquisições da vida social e do hábito. (considerações do Narrador)
É preciso ser-se extraordinariamente ignorante para crer em Deus. Creio que, pela minha parte, soube sempre o bastante para não cair nessa armadilha. (confissão de Pursewarden ao Narrador)
Fui chefe de escuteiros, depois de reformado. Mas tive que sair de Inglaterra, meu velho. A tensão era excessiva para mim. Esperava a cada semana ler no News of the World: «Mais um jovem vítima dos imundos desejos do seu monitor»
(…)
O monitor que me antecedeu apanhou vinte anos de cadeia. (confissão de Scobie ao Narrador. Nos anos 40 e 50 do século passado, ainda o magnata da informação Rupert Murdoch (n.1931) era um "teenager", provávelmente com outras ambições, e já o jornal "News of the World" tinha tradição de não olhar a meios para andar a esgravatar a vida privada dos cidadãos britânicos. Esta menção de Scobie é bem exemplificativa daquela característica.)
É fácil escrever sobre beijos, diz Arnauti, mas onde a paixão devia ser plena de sinais e de chaves, isso só serve para calafetar os nossos pensamentos, sem fornecer nenhum conhecimento novo. (considerações do Narrador, sobre um escrito da autoria de Arnauti)
Às vezes divago e lanço-me contra a parede quando me lembro das loucuras que podem parecer insignificantes aos outros ou aos olhos de Deus – se é que existe algum Deus. Dirijo-me à pessoa que sempre imaginei vivendo num lugar tranquilo e verdejante como o Salmo 23. (divação de Justine)
Ele nunca compreenderá que é justamente com Deus que é necessário ser-se mais prudente; é Ele que cria uma atracção por tudo quanto de mais vil existe na natureza humana – o sentimente da nossa insuficiência, o nosso receio do desconhecido e os nossos insignificantes fracassos pessoais;e, sobretudo, o nosso egoísmo monstruoso que vê n coroa do martírio o prémio de uma acrobacia difícil de executar. (Pursewarden a falar com o Narrador, sobre o livro que quer escrever e as preocupações que o assaltam)
- Como deve parecer repugnante – disse-me um dia Justine – esta confusão obscena de ideias contraditórias que existem dentro de mim; esta doentia procura de Deus e a minha absoluta incapacidade para me submeter aos mais ligeiros imperativos morais da minha natureza, como, por exemplo, ser fiel ao homem que adoro. (o Narrador descrevendo diálogos com Justine)
De entre todas as espécies de fracassos, cada pessoa escolhe aquele que menos compromete o seu orgulho, que menos o decepciona. (Reflexão do Narrador)
Ainda bem que eu não sou um génio, porque um génio não tem ninguém em quem confiar (…) apaixonamo-nos sempre pelo ser, que a pessoa a quem amamos escolheu para amante. (Nessim confessando-se a Melissa)
Tinha mudado tanto naquelas poucas horas que sentia agora o desejo de que Melissa o visse nu, e apreciasse a sua beleza, que durante tanto tempo tinha permanecido inerte, como um belo vestido esquecido num armário. (Nessim com Melissa)
Reconhecia, com uma espécie de estupor, que Justine já tinha morrido para ele; de imagem interior tinha-se tornado num objecto, um medalhão gravado que se poderia trazer, para sempre, suspenso de um cordão em torno do pescoço. (sentimento de Nessim em relação a Justine)
No porto de Alexandria as sereias mugem e gemem. As hélices dos anvios rasgam as águas esverdeadas das docas. Os iates balançam preguiçosamente, mastros apontados para o céu, respirando sem esforço como ao ritmo da sístole e diástole da Terra.
(…)
As mesmas ruas e as mesmas praças ardem na minha imaginação como Pharos arde na História. Quartos onde amei, mesas de café onde a pressão dos meus dedos sobre um pulso me encadeava enfeitiçado, e eu sentia subir das ruas ardentes os ritmos de Alexandria que só se podiam traduzir em beijos famintos e palavras de amor pronunciadas por vozes roucas e maravilhadas. (contemplações e sensações do Narrador)
Tinham-lhe amarrado o queixo e fechado a boca, o que lhe dava um ar de ter adormecido durante um tratamento de beleza. Felizmente, ela tinha os ohos fechados; não teria suportado o seu olhar. (o Narrador perante o cadáver de Melissa)
Os amantes nunca se combinam bem, não acha? Um deles lança sempre a sua sombra sobre o outro e impede-o de crescer, de modo que aquele que se sente sufocado procura desesperadamente um meio de se evadir, para poder crescer sem entraves. Não é este o drama essencial do amor? (considerações de Clea sobre o amor)
(…)
De Alexandria que te abandona,
Não te deixes iludir e não digas
Que foi sonho ou um logro dos teus sentidos.
(…)
Abre a janela e olha para a rua
E bebe a taça inteira da amargura
E a derradeira embriaguez da multidão mística
E despede-te de Alexandria que te abandona.
NOTA – Ilustração de Fernando Torres
quinta-feira, julho 28, 2011
Os Beneficiários da Crise
«A fortuna dos 25 mais ricos de Portugal aumentou 17,8 por cento, somando 17,4 mil milhões de euros [isto é, 10,1% do PIB nacional], revela a lista anual da revista EXAME, liderada por Américo Amorim. Após três anos consecutivos de queda [isto é, de crise e recessão], os bilionários conseguiram aumentar os seus activos.»
Esclarecida a dúvida se é a revista EXAME, propriamente dita, ou a lista por ela publicada que é liderada por Américo Amorim (a língua portuguesa é cada vez tratada com menos rigor), apenas falta concluir que o aumento da fortuna dos "nossos" bilionários não tem nada a ver com a máquina de fazer excêntricos dos Jogos da Santa Casa. São sim grandes accionistas, de grandes grandes empresas da energia, petróleos, comunicações, construção, banca, distribuição, etc, que ao contrário do cidadão contribuinte e pagador de crises, têm habitualmente os seus ganhos e pecúlios protegidos da fúria fiscal dos governos, dos fazedores de impostos extraordinários e da eficácia dos cobradores de impostos.
Além de as crises continuarem a ser óptimas “desculpas” para fazer bons “negócios”, volta a deixar-se a pergunta no ar: - Quantos mais pobres são precisos para fazer um rico, cada vez mais rico?
quarta-feira, julho 27, 2011
Registo para Memória Futura (48)
domingo, julho 24, 2011
Últimas Notícias
Os alemães e os franceses (e os chineses também) são esperados a qualquer momento em Portugal. Supõe-se que vêm aos saldos das privatizações…
sábado, julho 23, 2011
Registos para Memória Futura (47)
O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que, este ano, o Governo viole o limite de endividamento, obrigando a que o Orçamento do Estado (OE) de 2011 seja objecto de um rectificativo. O tecto legal é de 20,7 mil milhões, porém o Fundo fala em mais 21,1 mil milhões. A razão desta rectificação tem a ver com a ajuda dos contribuintes aos bancos portugueses.
Meu comentário: É fácil de concluir que não é própriamente o país que está a ser ajudado, mas sim a banca e os seus accionistas.
Informação colhida no DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line de 22 de Julho de 2011
Se o Governo incluísse os dividendos distribuídos pelas empresas aos seus accionistas, no perímetro do novo imposto extraordinário, obteria uma receita de 256 milhões de euros, mais do que os pensionistas e os trabalhadores independentes terão de pagar.
Meu comentário: Com esta medida é fácil de perceber que os contributos e sacrifícios pedidos, não são equitativos.
sexta-feira, julho 22, 2011
Ideias de Trampa
No entanto, e pelos motivos óbvios, embora a ideia seja louvável, desejável e acarinhável, vem ferida de algum desajuste e incoerência, relativamente à realidade. Se a iniciativa tem por objectivo principal gerar progressos no capítulo sanitário e da higienização, tudo bem, mas não se venha dizer que isso vai satisfazer as necessidades dos mais pobres e necessitados que proliferam por esse mundo fora, pois esses têm uma escala de prioridades bem diferente das nossas, bem aventurados que nunca experimentámos uma vida de contínua luta pela subsistência, e a diária convivência com as carências mais básicas. Além de não possuírem um tecto e trabalho decente, arranjar alimento é a preocupação dominante dos pobres e desfavorecidos, bem à frente das preocupações com o tratamento que pode ser dado às suas fezes, que afinal, e bem feitas as contas, são directamente proporcionais à escassez de alimentos ingeridos. Digam o que disserem, dêem as voltas que lhe derem, a sanita tecnológica nunca será um contributo determinante para a elevação do nível de vida dessas pessoas. Não é com o destino a dar aos resíduos fecais, que se conseguem resolver os apetites da boca e as privações do estômago. Porém, e para tirarmos dúvidas, basta fazer um inquérito junto dos interessados, com uma única pergunta: - O que mais deseja, um trabalho bem remunerado e refeições decentes, ou uma sanita tecnológica onde possa carregar o telemóvel?
quarta-feira, julho 20, 2011
Revisitando o Quarteto de Alexandria
Groucho Marx (1890-1977) - Actor
HABITUALMENTE, para marcar os livros que vou lendo ou relendo, uso os espécimes mais heterogéneos que tenho à mão. Dentro do primeiro volume da obra de que vos vou falar, fui encontrar um bilhete da “carris” dos anos 60, enfim, um resquício do passado. Como curiosidade, junto imagem do mesmo. Entretanto, quase 50 anos volvidos, e depois de algumas fortuitas investidas pelo meio, estou de volta a reler o fascinante Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell (1912-1990), uma tetralogia composta pelos volumes Justine (1957), Balthazar (1958), Mountolive (1959) e Clea (1960), traduzida por Daniel Gonçalves e publicada pela Editora Ulisseia em 1960.
Se quisesse usar expressões-chave para classificar a obra, diria simplesmente que é notável e fascinante, sob todos os aspectos. Desde a força telúrica que emana da cidade fundada pelo macedónio Alexandre, até aos retratos das personagens que a habitam, que por ela se apaixonam e por ela se deixam devorar, é uma espiral de descobertas, onde tanto se mergulha até águas profundas, como de repente se vem cá acima respirar em grandes haustos. É um teorema sobre a condição e as relações humanas, as íntimas e as outras, de uma riqueza e espessura que nos deixa atónitos, senão mesmo atordoados. É um friso de quatro figuras básicas, que embora sendo centrais, são mais observadores que protagonistas, servindo mais de escalpelo para, entre avanços e recuos na linha do tempo, esgravatarem tudo o que o ser humano tem de bom, mau ou péssimo, expondo-nos a sua anatomia até às vísceras, e cartografando tudo o que determina personalidades e comportamentos. É também a olhadela sobre um tempo de mudança, a época que precede e depois mergulha na Segunda Guerra Mundial, conflito que apenas tocou ao de leve a textura humana daquela cidade-invólucro ou cidade-labirinto, meio mercado, meio bordel, onde se confundem europeus, judeus, árabes, gregos e coptas, uma espécie de Babel, produto de muitas paixões, ódios, encontros e desencontros, diásporas e outras tantas deserções, operando a transição entre o mundo mediterrânico e o deserto, caldeando raças e culturas.
Dizem os estudiosos da obra de Durrell que o Quarteto foi uma obra inspirada na teoria da relatividade, isto é, os acontecimentos, embora dizendo respeito a uma mesma realidade, são interpretados segundo pontos de vista de diferentes, numa espécie de jogo de espelhos, onde se conjugam mistérios com revelações, o antes com o depois, o sagrado com o profano, o falso com o verdadeiro, em que Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, cada um à vez, cumprem o papel de observadores múltiplos da mesma história, ao mesmo tempo que são protagonistas de histórias dentro de histórias, qual conjunto de matrioskas, umas vezes como sujeitos ocasionais, apanhados de raspão, outras vezes como autênticos descodificadores da realidade. Em Justine, primeiro volume, são relatados os acontecimentos do ponto de vista do sujeito, ou seja, do narrador da história. Os mesmos acontecimentos voltam a ser descritos em Balthazar e Mountoliove, embora na segunda história, a realidade seja remontada e revista, sob outra perspectiva e entendimento, ao passo que a verdade volta a ser reposta na terceira narrativa. Finalmente, Clea encarrega-se de elaborar a síntese, fechar a abóbada da obra, acertando as contas da realidade com o tempo.
segunda-feira, julho 18, 2011
Balcão de Reclamações
domingo, julho 17, 2011
Aprender com os Filmes (2)
sábado, julho 16, 2011
A Recusa das Imagens Evidentes
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.
Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.
Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.
Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.
Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.
Natália Correia - (1923-1993)