segunda-feira, agosto 29, 2005

Edificante

Dizem os jornais que a Câmara do Funchal, mais conhecida por RAB (Região Autónoma das Bananas), vai entregar a uma empresa recém-criada, onde pontuam vários políticos da região, conoctados com a maioria governante, a edificação e exploração de um grande projecto turístico, implicando a construção de apartamentos, restaurantes, um hotel e uma marina, a erigir em pleno domínio público marítimo. O projecto está ferido de muitas e variadas ilegalidades, além de que denuncia o claro envolvimento e favorecimento de gradas figuras regionais, razão porque foi apresentada, contra o projecto, uma queixa em tribunal. Instado a comentar a situação, o sempre alerta e inquestionável régulo Alberto João afirmou que “só uma sova resolve o problema... e se as leis não estiverem em condições de se fazer o projecto, nós faremos novas leis para que o projecto seja feito”. Ora aqui está um homem que não vira a cara a nada, nem às oportunidades, nem à violência física ao estilo dos “tonton-macoutes” do “Papa Doc”, nem à corrupção, nem mesmo à própria justiça. Edificante, não é?

domingo, agosto 28, 2005

Não há Milagres!

Depois de ter feito perto de 300.000 vítimas, ainda falta avaliar as consequências, a médio e longo prazo, do terramoto e consequente tsumani do Golfo de Bengala. Para já, dizem os cientistas que foi afectada a rotação da Terra, o polo magnético talvez tenha sofrido mais um deslocamento, e o planeta perdeu a sua forma ligeiramente achatada para ficar mais esférica. Entretanto, as cheias catastróficas irrompem por todo o lado, as temperaturas árticas invadem os locais mais improváveis, coabitando com uma desertificação que galopa desenfreadamente, preparando-se para galgar fronteiras que se julgavam inexpugnáveis. A natureza reage assim, lenta mas inexorávelmente, aos abalos e convulsões naturais do planeta, bem como às monstruosas barbaridades impostas pelo género humano, que teima em ignorar os sinais que se multiplicam. Que significado, importância e implicações terá isto no equilíbrio ecológico, nas condições climatéricas e no futuro da vida sobre a Terra?

sábado, agosto 20, 2005

Apanhados a Copiar


Em 1987 rabisquei esta ilustração que, entre outras, incluí num desdobrável que enviei a alguns amigos de meio mundo, denunciando as minhas preocupações com o equilíbrio ecológico e a protecção da natureza. Já nessa altura, os incêndios florestais faziam a sua aparição no nosso país, com uma tal regularidade, que exigia que as entidades governativas se tivessem debruçado sobre o fenómeno. Porém, ano após ano, ao passo que a mancha de carvão ia alastrando, transformando-se num hábito, numa visita do costume, um quase lugar-comum, mantinha-se na boca dos responsáveis governativos sempre o mesmo discurso, com poucas variantes mas recheado de promessas, tais como: “o governo está atento”, “vamos tomar medidas”, “nomeámos uma comissão para a avaliar a extensão...”, “vamos reforçar os meios no terreno”, “vamos sensibilizar os interessados”, “vamos mobilizar...”, “vamos investir...”, blá-blá, blá-blá, etc...
Montou-se um sistema de protecção civil que umas vezes não funciona, outras vezes funciona melhor, outras vezes pior. Compraram-se equipamentos para equipar os C-130 da Força Aérea no combate a incêndios, que acabaram arrumados em armazens (vá-se lá saber porquê) e nunca foram utilizados. Em 2003, perante a vaga de incêndios algarvios, curiosamente, acabámos a pedir ajuda aos marroquinos, que nos enviaram C-130 equipados com os mesmos dispositivos que nós nos recusámos a instalar e usar. Em contrapartida, alugaram-se meios aéreos pagos a peso de ouro, que em vez de atacarem os fogos no seu início, evitando a fatal progressão, só são chamados quando o sinistros já estão incontroláveis, com as consequências que estão à vista de todos. Os bombeiros fazem das tripas coração e também acabam por morrer de exaustão. Reacende-se o que já estava extinto, porque os rescaldos são incompletos, já que há ordens para ir atender o fogo que irrompeu na freguesia vizinha. Ignoram-se as faúlhas incandescentes que viajam distâncias incríveis, indo provocar novas ignições ali e acolá, e pergunta-se se alguém responsável se deu ao trabalho de proibir as festividades que não prescindem dos tradicionais foguetórios, semeando ao desbarato, as canas e restos de pólvora incandescente, ou se as desculpas vão continuar a ser as tais mãos criminosas, de uma espécie de mafarricos invisíveis (a acreditar no povo em transe e com o coração nas mãos, seríamos um país de pirómanos), que numa dança diabólica, semeiam fogachos nas barbas de toda a gente. Entretanto, o primeiro ministro, sem estar em causa o direito a gozar as suas férias, escolhe a pior altura para o fazer.
Dezoito anos depois, o discurso continua a não variar, tal como o sobejamente conhecido “vamos tomar medidas”, mas os fogos sim: hoje já não ardem apenas as florestas e o mato rasteiro, mas também instalações agro-pecuárias, aglomerados habitacionais, com populações a serem evacuadas, e já vão acontecendo mortes pelo meio. Assim, apenas consigo chegar a uma conclusão: por negligência, incompetência e opções ruinosas, está perdida a guerra contra os incêndios!
Dizem os entendidos na matéria que para inverter este estado de coisas, bastava copiar as soluções adoptadas por outros países, que tinham um problema semelhante ao nosso e conseguiram superá-lo. Entretanto, Portugal vai-se transformando, ano após ano, num deserto deprimente, riscado por autoestradas, semeado de aldeias-fantasma e muitas misérias humanas.
Será que ninguém explica aos senhores que nos governam, que neste caso, à falta de preocupação, imaginação e iniciativa, ser-se apanhado a copiar a solução do vizinho do lado, não significa reprovação garantida?
(Publicado no semanário EXPRESSO de 17 de Setembro de 2005)

quinta-feira, agosto 18, 2005

Sabedoria Oriental

Hoje, via e-mail, enviado por um amigo, recebi o seguinte:
Há um ditado chinês que diz que se dois homens, cada um carregando seu pão, se encontrarem numa estrada, e trocarem os seus pães, cada homem irá embora só com um pão. Porém, se esses dois homens que se encontram, cada um carregando a sua idéia, trocarem as suas idéias, cada homem irá embora com duas. Por isso, sempre que possível, troque idéias. Elas ajudam a esclarecer, acrescentando discernimento e saber.

terça-feira, agosto 16, 2005

Uma História Trágico-Marítima

Esta é uma história resumida das andanças de Miguel Antão de Figueiroa, filho de Diogo Antão de Figueiroa, neto de Luís Antão de Figueiroa, bisneto de Álvaro Antão de Figueiroa e trisneto de Pero Antão de Figueiroa.

O apetite pela aventura, pirataria e actividades marginais, corria abundantemente nas veias dos Figueiroa. A saga daquela família tinha começado a desenhar-se há quase 200 anos atrás, por volta de 1535, com o trisavô Pero Antão, quando este andara por Ceilão e pelas costas malabares, arrecadando fortuna. Rezam as crónicas que teria mesmo confraternizado com o aventureiro Fernão Mendes Pinto, nas suas peregrinações, e só não foi cativo numa das muitas pelejas com piratas malaios, porque se lançou às águas e andou à deriva, durante três dias, rodeado de tubarões e amparado a uma pipa vazia, até ser recolhido por pescadores chineses.

Quanto ao bisavô Álvaro Antão, avesso a aventuras, a outras latitudes, aos ares marítimos e aos balanços das ondas, ficara-se pelo amanho das suas propriedades, por alturas de Monforte, ocupado em caçadas ao javali, pelas florestas do feudo, e a fazer filhos ao mulherio das redondezas. Entre a mais de meia centena de rebentos que deixou espalhados pelas redondezas, apenas reconheceu um deles como legítimo, nada mais, nada menos, do que aquele cuja mãe era a abadessa do convento das freiras reclusas, e a quem deu o nome de Luís, por respeito a um rei dos franceses que andou nas cruzadas. O velho garanhão, apagou-se numa tarde de verão, já perto dos setenta anos, quando vinha de regresso a casa, por caminhos tortuosos, a debicar amoras silvestres, depois de ter ido meter o dente na filha de um camponês que amanhava uma das suas propriedades.

Aquele avô Luis Antão, fruto dos amores ilícitos traficados na cela da abadessa, veio depois a distinguir-se no cerco de Diu, fizera vida de marajá, mas acabara mal, contrariando as ordens do vice-rei de não traficar com os mercadores árabes do mar Vermelho, que demandavam depois as rotas das caravanas, perturbando com isso o monopólio do comércio português.
Depois de muitas surtidas e escapadelas entre o estreito de Ormuz e o mar de Omã, e de lhe terem passado pelas mãos muitas toneladas de canela, nós moscada, cravinho, pimenta, gengibre, e incontáveis sacos de ouro e pedrarias, acabou recambiado para a mãe-pátria, com uma mão à frente e outra atrás, deserdado pela ganância, não sem que o tenham chicoteado na parada do fortim de Cochim, à frente de toda guarnição. Já cá em Lisboa, andou como aguadeiro e à serventia de pedreiros, nas obras do palácio real. Mais tarde amanhou-se com uma peixeira da ribeira, que lhe gerou um Figueiroa, e que foi baptizado de Diogo.

Diogo Antão, futuro pai de Miguel Antão, filho de peixeira e pedreiro, também ele se deixou inebriar pelos odores e sabores das índias, mas isso aconteceu quando o poderio e o frenesim português já tinham entrado em declínio e as fortunas já não se conseguiam fazer da noite para o dia. Havia que mourejar com afinco, se era intenção trazer algumas moedas para amparar a velhice, ou então ficar definitivamente por lá, entre brâmanes, santões, faquires e encantadores de serpentes. Embarcou, ficou por lá, mas entregou-se a actividades marginais, traficando com a escória dos mercadores mouros e associado com os piratas filipinos que cruzavam os mares da China, espalhando o terror e saqueando juncos e aldeias. Foi já depois dos quarenta anos que finalmente se decidiu a constituir família, casando com uma viúva goesa, que temente dos editais da inquisição, se viera acolher aos pés da Santa Madre Igreja, recebendo no baptismo o nome de Mariana, a que depois acrescentou o apelido dos Figueiroa.

Do enlace nasceu o nosso Miguel Antão de Figueiroa, que desde cedo se manifestou uma nulidade na aprendizagem da doutrina, das letras e dos números, apesar dos castigos e chibatadas que os missionários lhe aplicavam. Já rapazola, preferia andar pelos tugúrios portuários, misturando-se com a marinhagem e os mercadores, até que numa primeira oportunidade, deixou a casa paterna e fez-se à vida, embarcando numa carraca que ia para Cantão.
Por lá andou, saltitando de junco em junco, até que foi parar à equipagem do mestre Bartolo, um veneziano maneta e meio cego, já bastante entrado nos anos, carregado de maleitas e sem família, com quem fez uma amizade interesseira, na mira de lhe herdar teres e haveres. E assim aconteceu. Três anos depois finou-se o veneziano, depois de ter redigido testamento a favor de Miguel Antão, deixando-lhe a barcaça, a tripulação, as arcas, baús e todas as traficâncias e trafulhices em que andavam envolvidos. Entretanto, Miguel Antão já tinha aprendido que um homem, desde que se entregue a actividades marginais e pecaminosas, está-lhe vedado ter hábitos sedentários, deve mudar de pouso com regularidade, sob pena de ser denunciado, montarem-lhe emboscadas e deitarem-lhe a unha, com as previsíveis consequências. Foi assim que vinte anos depois de ter cruzado, em todas as direcções, os mares setentrionais, da terra dos somalis até ao Bornéu, resolveu mudar-se para as bandas do atlântico, e passar a frequentar o litoral dos brasis.
Miguel Antão saía ao pai e ao avô, quanto ao apetite pelos bens materiais. Sempre que podia, não virava a cara a uma boa oportunidade que tornasse mais pesadas e bem recheadas as arcas que trazia aferrolhadas no porão do seu pequeno galeão “Santa Ana”, que havia arrematado há dois anos atrás, numa praça do Maranhão. Mas também ostentava uma costela do bisavô de Monforte, pois ficava embevecido e a salivar com qualquer baloiçar de quadris, e deixava-se seduzir facilmente pelo primeiro par de olhos, fossem eles pretos, castanhos, verdes ou azuis, que se pousassem nele. Já tinha tido várias mulheres, ao todo umas quatro, que sempre o tinham acompanhado nas suas deambulações pelas quatro partidas do mundo. Uma morrera de malária, outra de saudades de terra, outra deitara-a pela borda fora e a última trocara-a por meia dúzia de barris de pólvora. Hoje com quase setenta anos, arrastava atrás de si uma jovem mulher de 24 anos, que dava pelo nome de Carolina Pires, e que as línguas viperinas diziam ser filha de um comerciante andaluz e de uma nobre portuguesa caída em desgraça, cuja família fora apoiante da corte filipina.
Mas a mudança de ares e de mulher só lhe trouxera ralações. Fosse pelo ciúme que desponta e engrossa com a idade, fosse a virilidade que começara a murchar, os amores já não lhe corriam de feição. Apesar das suas ordens de ninguém lhe dirigir a palavra, se acercar ou pisar o risco, entre ele e a sua Carolina Pires tinha-se intrometido o novo piloto do “Santa Ana”, um tal Álvaro Trovoada, homem de trinta e poucos anos, curtido por muitos sóis e borrascas, que já andara pela Costa da Mina a acorrentar escravos pretos, depois de ter cumprido serviço nas guarnições de Malaca, e que Miguel Antão tivera necessidade de contratar em Porto Alegre, porque o velho Jacobo, meio judeu, meio mouro e meio maluco, havia perecido numa zaragata de taberna, com uma mão cheia de facadas.
Carolina e Álvaro foi amor à primeira vista. Viram-se de perto, pela primeira vez, quando Dona Carolina teve que ir a terra, fazer uma compras de tecidos, recem-chegados de Lisboa, e apalavrar os serviços de uma costureira mulata. Depois disso, o sol até parecia outro, embaciado pelo esplendor da bela dama. O Trovoada andava sempre à espreita, de olhos arregalados, fixos na porta que dava acesso ao castelo da popa, onde a sua Carolina estava recolhida. Não despegavam os olhos um do outro, durante os escassos momentos em que dona Carolina vinha até à coberta, despejar o balde de fezes e urinas, ou então, em curtíssimas passeatas, inalar o ar dos trópicos, carregado de outros aromas, antecâmara para conspícuos e desvairados sonhos. Fitavam-se com insistência e demoradamente, por entre os panos das velas, as chapadas de vento, o cordame tenso e o olhar faiscante e ciumento do velho Miguel Antão, que andava sempre por perto, uma vezes a sibilar como uma serpente, outras a rosnar como um cão de guarda. Fora esses momentos, Dona Carolina passava o tempo entre uns intermináveis bordados, leituras piedosas de missais, e um ou outro panfleto com a descrição da vida de santos.
Mas a Miguel Antão, se era verdade que os amores não lhe corriam de feição, já as suas escuras negociatas iam de mal a pior. Em tempos, fizera muitas surtidas pela calada, fornecendo material, mantimentos e ferramentas ao garimpo, sendo pago com ouro e diamantes que escapavam aos fiscais de impostos, os quais tinham por missão garantir a cobrança do “quinto” devido à coroa portuguesa. Mas os tempos agora eram outros, os fiscais da fazenda real redobraram a vigilância, o seu número duplicara e as leis tinham endurecido, ao ponto do tráfico ser punido com a morte.
Miguel Antão desconfiou então que o mundo estava a mudar, os bons velhos tempos tinham acabado, e que era altura de mudar de pouso e de ofício. Iria arriscar um último servicinho já ajustado com os garimpeiros, e depois, se o corpo tivesse energia e alento para seguir em frente, iria entregar-se ao emergente comércio de escravos, que vinha alimentando de força motriz os engenhos do açúcar.
Mas o tal último serviço correu mal. Ele desconhecia que já andavam no seu encalço, e foi apanhado com a boca na botija pela tropa jagunça, quando ia fazer a troca de ouro por ferramentas, e a mão pesadíssima do capitão da capitania fez-se sentir, sem necessidade de fazer passar o Miguel Antão pela bicheza da enxovia ou os trâmites do tribunal. Foi ali mesmo, ao nascer do dia, naquele ano de 1719, que a sentença foi oralmente traçada. Foi ali mesmo, sem tempo para pestanejar ou mastigar um Pai Nosso, entre as enxárcias e o voo da passarada irrequieta, que o velho Miguel Antão foi deixado a espernear no mastaréu durante meio minuto, até que ficou ali dependurado, cabeça à banda, língua azulada de fora, a oscilar ligeiramente, ao sabor do sopro quente e húmido da brisa, à espera que alguém o arriasse para umas rápidas exéquias. Interrompeu-se ali aquela linha directa dos Figueiroa, mas não a tentação do ilícito e a vesga interpretação das escrituras, segundo as conveniências da época. Haveriam de nascer muitas mais fortunas, feitas à custa de pirataria e escravatura, e muitas mais seriam engolidas pelas ondas do mar e da cupidez humana, muito depois de um tal padre Vieira se ter engalfinhado com os corruptos e poderosos do império, e quase ninguém ter percebido porque razão pregava aos peixes e se pôs contra os negreiros, a favor dos escravos. Mas isso é outra história, que não vem agora para o caso.
Encomendada a alma e descido à terra o corpo ensopado do último Figueiroa, foi a vez de Álvaro Trovoada falar então, pela primeira vez, com uma ruborizada Carolina Pires, tendo ficado combinado que ele tomaria conta de todos os haveres e da situação, passando a comandar o galeão. Ficar por ali não era do agrado de ninguém. Assim, iriam contratar outro piloto e renovar a tripulação que o medo dispersara, mandar raspar o casco, encher as juntas de estopa, remendar as velas, carregar água e mantimentos, e atravessar o atlântico até à Costa da Mina, para avaliar se o tal comércio de escravos era compensador e tinha pernas para andar.

Tempos depois, já no mar alto, e até alturas de Cabo Verde, onde aportou à ilha de Santiago para fazer aguada, Álvaro Trovoada começou a alternar as suas novas obrigações no convés e coberta, com assíduas e demoradas visitas à cabina de Dona Carolina Pires, onde partilhando o apertado beliche, ia degustando a doce, tenra e inconsolável viúva.

quinta-feira, agosto 11, 2005

Será Mesmo?

No fim dos anos 70 do século passado, com a revolução de Abril ainda fresca e a operar mudanças, rabisquei este desenho para ilustrar a capa de um boletim partidário. O texto era uma ideia bonita e mobilizadora, que de tanto ser repetida se tornou banal, e de tanto ser perseguida acabou esquecida. Será mesmo?

Palestina

Não se pode querer mudar o mapa do Médio Oriente ao bel-prazer dos interesses ocidentais, como se as sociedade e os povos pudessem ser agitados, como se de amendoins se tratassem, e depois arrumá-los dentro de países com fronteiras traçadas a régua e esquadro.
Quem disse isto foi Edward Said (1935-2003), eminente intelectual e professor de literatura da Universidade de Columbia, de ascendência palestiniana, a propósito da interminável crise israelo-palestiniana, que remonta a 1948, aquando da criação do estado de Israel, a qual provocou a opressão, marginalização e expulsão dos povos da região.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Sinais de Fumo

Os incêndios de verão, que continuam a grassar de norte a sul do país, são a prova de que Portugal não passa de um grande armazém de pasta de papel, mal arrumado e entregue às ambições humanas e inclemências metereológicas. Entretanto, pior do que isso é, ano após ano, ninguém aprender com a experiência dos anos anteriores. Fica-nos a esperança que, quando já não houver mais floresta, também já não haverá mais incêndios.
Além de termos que pagar os ordenados e a futura aposentação do Armando Vara, nós contribuintes, ainda temos que fazer mais uns quantos sacrifícios para ajudar a pagar os estágios e tirocínios que o grupo Portugal Telecom, qual incubadora e alfobre de futuros quadros, disponibiliza aos “catraios” da nata dirigente portuguesa.
Ainda alguém tem dúvidas de que o capital telecomanda a política? A prova está em que até o Sr. Van Zeller já se permite dizer que o Prof. Diogo Freitas do Amaral é a única nódoa negra do governo do Eng. Sócrates.

terça-feira, agosto 09, 2005

Portugal Pequenino...


Em Portugal os socialistas são grandes especialistas em acabamentos. A direita vai para o governo e começa por abrir os caboucos, levantar paredes e estender a cobertura do edifício neo-liberal, em mais uma etapa do desmantelamento do que ainda vai restando do estado social. Desalojados do poder pelas eleições, a alternância leva depois ao poder os socialistas, os quais, depois de congelarem os seus programas e promessas eleitorais, esmeram-se desenfreadamente nos acabamentos das políticas iniciadas pela direita, sendo nestas alturas que não se consegue distinguir os primeiros dos segundos. Compete ao PR fazer uma análise e avaliação do desempenho deste governo (pese embora a sua maioria absoluta), em função das promessas feitas (e não cumpridas) e dos resultados da sua actuação, a bem da credibilidade do regime democrático, tão citado e simultâneamente subvertido e maltratado.

Em Portugal o choque tecnológico afinal não passa do choque do betão e do alcatrão, em prejuízo do investimento nas áreas produtivas, as únicas que podem ser criadoras de riqueza, desenvolvimento e emprego. Se a isso acrescentarmos a tendência que os políticos têm para o espavento, com o anúncio de obras grandiosas e sumptuárias, candidatas a futuros elefantes brancos, como o TGV e o aeroporto da OTA, o edifício fica completo. No caso particular da OTA, os seus patronos, gente pouco qualificada para estudos prospectivos, logo com larga experiência em comprometer o futuro do país, mas declarados adeptos das apostas - como se tornou comum classificar as opções governativas - mantêm-se firmes, continuando a ignorar os avisos que apontam para a progressiva penúria das reservas petrolíferas planetárias, o que significa o crescente encarecimento dos transportes aéreos, e a sua inevitável decadência a médio prazo.
Levando a que o futuro aeroporto da OTA, indiferente aos milhões que lá terão sido enterrados, acabe os seus dias como pista de karts movidos a álcool de beterraba.

Em Portugal há dois problemas distintos: uma coisa é a imoralidade que tem grassado entre os gestores públicos, no que toca às vantagens recolhidas por desempenharem cargos nas instituições, que é suportada pelos contribuintes, e outra coisa é ir buscar os dinheiros que faltam às receitas, junto de quem, escandalosamente, se tem eximido a declarar o que de facto anda a facturar.

Nesta ordem de ideias, que credibilidade se pode esperar de um governo que não dispunha de mais ninguém para nomear para administrador da Caixa Geral de Depósitos, senão o Armando Vara, o tal senhor que andou envolvido nos manobrismos e malabarismos do Instituto para a Prevenção e Segurança, no tempo dos governos de António Guterres? Assim, se o governo está cada vez mais parecido com uma Colónia Balnear, onde ministros e secretários de estado se juntam para dar uns mergulhos, testando as suas habilidades e disfarçando as suas incompetências, por outro lado, a Caixa Geral de Depósitos, assemelha-se cada vez mais a um Centro de Dia, distribuidor de lautos vencimentos e reformas douradas, para premiar favores, alojar temporáriamente todos aqueles que não arranjaram lugar no aparelho da (des)governação, ou então dar guarida a quem precise de um bem remunerado estágio de branqueamento, para ocultar inabilidades ou actividades menos recomendáveis.

Tal como a seca, os incêndios e os mortos na estrada, o desemprego grassa em todo o país. Fechar uma empresa, mandar uma mão cheia de trabalhadores para o “olho da da rua”, com ordenados em atrazo, sem garantias e com as contribuições sequestradas, para ir abrir nova fabriqueta, no distrito vizinho, para uma nova surtida, tornou-se uma banalidade fora de controle. Por outro lado, alguns patrões mais “civilizados” (e já vamos tendo alguns), já não receiam as reivindicações por melhores condições salariais, e recorrem a outros métodos. Basta ameaçarem com a deslocalização das empresas para que trabalhadores e sindicatos recuem nas suas pretensões. Ao contra-ataque do capital os trabalhadores e as suas organizações, respondem com o silêncio, a divisão e a dispersão, estando precisados de recapitularem as lições do passado.

Em Portugal, porque somos muito educados e respeitadores das personagens detentoras de poder, ninguém levanta a voz e chama à ordem o javardo madeirense, quando aquele apelida de bastardos e filhos da puta, alguns profissionais da comunicação social, ou entre dois copos de três, grunhe invectivas xenófobas contra chineses e indianos.

Neste Portugal pequenino, que não pára de minguar, porque também somos pequeninos, irracionalmente optimistas e persiste a tendência para esquecer rápidamente, convém lembrar a quem de direito, que três dos quatro países protagonistas da Cimeira de Guerra dos Açores (EUA, Reino Unido, Espanha e o anfitrião Portugal), que subscreveram o início da guerra contra o Iraque, já sofreram ataques terroristas, dois deles de retaliação. Apenas resta incólume o quarto, isto é, Portugal.

Nove Reflexões

Só há duas coisas que são infinitas: o universo e a estupidez humana, e não tenho a certeza quanto à primeira, afirmou Albert Einstein, físico alemão.

O valor dum homem está no que pode dar e não naquilo que é capaz de receber, voltou a dizer Albert Einstein, físico alemão.

A nossa ignorância não é tão vasta quanto o mau uso que fazemos dos nossos conhecimentos, concluiu M. King Hubbert, geólogo americano.

A pesquiza é a forma mais elevada de devoção, era a opinião de Pierre Teilhard de Chardin, paleontólogo, teólogo e filósofo jesuíta.

A coerência é o último refúgio de quem não tem imaginação, era a polémica opinião de Oscar Wilde, escritor inglês.

A palavra escrita ensinou-me a escutar a voz humana, foi o que a vida ensinou a Margarite Yourcenar, escritora francesa.

Morre jovem aquele que os deuses amam, é um preceito da sabedoria antiga, relembrou Fernando Pessoa, poeta português.

Para que o mal triunfe, basta que que os homens bons fiquem de braços cruzados, afirmou Edmund Burke, estadista e escritor inglês.

A guerra contra o terrorismo, travada no Afeganistão e no Iraque, não é mais do que o bombardeamento de um substantivo abstrato, sugeriu um autor anónimo.

domingo, agosto 07, 2005

Os “Gajos”


Depois de ter apontado uma mão cheia de razões para não se candidatar, será Mário Soares suficientemente convincente para explicar o porquê de algumas semanas depois ter mudado de opinião, sob pena de desbaratar todo o capital de credibilidade que tinha angariado?
Dizem uns que tudo isto é um desejo senil de divertimento e de querer provar que ainda é o melhor, entre os melhores, aliás, um defeito característico de quem faz da antiguidade uma posição previligiada, uma vantagem, um posto. A mim parece-me mais que lhe é insuportável, como se de uma persistente urticária se tratasse, a ele que é um lutador nato, ver o outro “gajo” preparar-se para ir disfrutar o lugar que ele ocupou durante dois mandatos, sem que antes tivesse lugar uma luta renhida e umas quantas equimoses. Será que Mário Soares, decidiu, em definitivo, ir buscar à gaveta o socialismo, que ele mesmo despejou, na década de 80 do século passado, para o arquivo de inutilidades? Fica o enigma para ser desconstruído.
Dizem uns que Soares é um animal político. Eu prefiro defini-lo como um jogador nato, profundo conhecedor dos seus adversários, das suas tácticas e estratégias, que de forma abrangente consegue interpretar o ambiente político que nos envolve. Gosta de ser adulado e adorado, e não se queixa de ser arrancado à sua distanciada intervenção, feita de seminários e muitos escritos. Se tivesse sido jogador de xadrez, seria um adversário de respeito, talvez um campeão. Já engolimos sapos, que mais iremos engolir?
Se o governo aposta em tudo e mais alguma coisa, e os portugueses, à falta de outras oportunidades, apostam desenfreadamente no euro-milhões, porque não há-de ele apostar numa serôdia candidatura a presidente da república?

A Senha 98


Andava pelas nove e meia da manhã é já fazia um calor dos diabos. O Xavier e a Mafalda entraram na repartição e já o espaço regurgitava de gente que aguardava para ser atendida, obedientemente sentada numa imensa plateia, organizada em quatro filas de assentos, virados para os gabinetes de atendimento separados por biombos e encimados pelo painel electrónico de chamada, onde era suposto desfilarem os números. Foram até ao dispensador de senhas e calhou-lhes o número 98, antecipando a ideia de que a espera iria ser longa, já que o atendimento ainda se ficava pelo número 11, e dos doze gabinetes de atendimento que se alinhavam ao longo do imenso espaço, apenas quatro estavam operacionais.
O ar condicionado zumbia, as pessoas iam segredando comentários, alguns passavam a vista pelas revistas e jornais, enquanto que outros que haviam madrugado, aproveitavam a espera para agarrarem novamente o sono interrompido.
Os funcionários, entretanto, iam consumindo o tempo a fazer e receber telefonemas, a bebericarem café, a visitarem-se uns aos outros nos gabinetes de atendimento, trocando trivialidades, e até alguém lá do fundo comentou em voz de trovão que tinha acabado o papel para as impressoras, e assim era impossível trabalhar. E ali estava a assistência, impávida e tolerante, a assistir ao espectáculo matinal, com o mesmo número 11 a assomar lá no painel, como uma sentinela, na sua imobilidade confrangedora.
- Já são quase dez horas e isto não ata nem desata, exclamou a Mafalda. Tu ficas aqui a ver o andar da carruagem, enquanto eu aproveito para ir até às finanças tratar do outro assunto. Ficas com a senha e se entretanto chamarem, já sabes...
- Tá bem, respondeu o Xavier.
Viu a Mafalda dirigir-se para a saída, cruzando-se com um indivíduo que vinha a entrar, que não tirou senha e disparou um sonoro cumprimento.
- Ora então bom dia, pessoal!
- Olha, olha, quem aqui está, sibilou uma criaturinha que acabava de pôr o telefone no descanso, e se levantou para cumprimentar o recém-chegado.
- Já viram, o Leandro veio matar saudades... e correu ligeira a interromper a escassa produtividade dos outros gabinetes, enquanto o tal Leandro andava por ali a girar, a gesticular, a distribuir beijinhos e abraços, ao passo que o número 11 continuava lá no cimo a contemplar a assistência que começou a agitar-se incomodada.
- Então mas isto é para hoje ou será que viemos para acampar? Ouviu-se alguém dizer.
- Mas afinal quem é que manda aqui nesta chafarica? Atirou para o ar um homem corpulento e com voz de barítono que se tinha levantado e começou a assomar à entrada dos gabinetes.
- Tenha lá calminha, vá-se lá sentar outra vez que isto já vai andar, respondeu uma funcionária com óculos de meia cana, equilibrados na ponta do nariz.
- Calminha uma ova! Vim aqui para ser atendido e isto mais parece um teatro de robertos que uma repartição... há quase uma hora que não chamam ninguém, ripostou o indignado cidadão.
Finalmente tocou a gaita e o painel saltou para o número 12. Daí para a frente os números começaram a suceder-se a uma cadência razoável, porém, eram muitos os utilizadores que, por força da lentidão do atendimento, ou já haviam desistido, ou tal como a Mafalda, tinham aproveitado a modorra para ir tratar de outros assuntos.
Por alturas do número 50 houve nova pausa. Havia muitas chamadas telefónicas a inundar o ambiente e começava a faltar o papel nas impressoras. Alguém se ausentou para ir buscar umas resmas. Mais um café, mais um bolinho, mais uma chalaça, e o teatrinho lá ia andando mais comedido, não fosse o tal cidadão com ares de estivador investir, outra vez, contra a pacatez da repartição. Dez minutos depois chegou o papel, alimentaram-se as impressoras, e pelas onze e meia os números voltaram a correr no painel, agora a uma cadência alucinante, porque muita gente não estava presente, isto é, tinha abandonado o barco. Dava para perceber que tudo aquilo tinha a ver com um processo de eliminação bem congeminado, em que era posta à prova a paciência, tenacidade, perseverança e capacidade de resistência de quem aguardava a vez de ser atendido.
Entretanto a Mafalda regressou.
- Então, em que número vai? Perguntou ela.
- Agora já não falta muito. Então, conseguiste? Perguntou o Xavier.
- Nada. A repartição estava fechada e tinha um letreiro na porta a dizer que mudaram para o Parque das Nações em Abril.
- Homessa, mas na página da internet indicavam aquela morada, ripostou o Xavier.
- Pois é! Se calhar o choque tecnológico ainda lá não chegou àquelas bandas... adiantou a Mafalda com o suplemento do jornal a fazer de leque.
Entretanto aproximava-se o meio-dia, acelerava-se o ritmo dos números nos painel e viam-se algumas pessoas, meio atarantadas, a inquirirem o número dos gabinetes.
- Prepara-te, está quase no 98, advertiu o Xavier.
A Mafalda levantou-se, com a papelada debaixo do braço e ficou de olhos pregados no painel, à espera do toque da gaita.
Tocou e apareceu o 98.
- Olha é no gabinete 12, mesmo lá para o fundo, disse o Xavier, ao mesmo tempo que a Mafalda arrancava à desfilada.
Toca a gaita novamente e cai o 99 para o mesmo gabinete 12. O Xavier arqueou a sobrancelha.
- Olá, tá visto que o pessoal tomou o freio nos dentes, rosnou o Xavier a arquear a sobrancelha, a levantar-se, ajeitar o cinto das calças e a ir no encalço da Mafalda.
O homem da senha 99 tinha chegado primeiro, mas fez um compasso de espera ao ver a Mafalda a aproximar-se, exibindo a senha 98, e mais atrás o Xavier a expelir vapor.
- Faça favor, como tem havido tantas desistências pensei que estava com sorte...
- Não, não, grasnou a funcionária lá de dentro do gabinete, com voz de cana rachada. O 98 já perdeu a sua vez, tem que ir tirar outra senha.
O Xavier assomou ao gabinete e começou a arregaçar as mangas.
- Vai-me bater? Quis saber a empregada.
- Não, que ideia, estou só a começar a ferver, esclareceu o Xavier para adiantar logo de seguida:
- Mas se ela não for atendida, quem é atendida é você, mas na urgência do hospital.
- Bem, se o senhor do 99 deixar passar o 98 à frente, não há crise, não há problema... adiantou a sonsa a empertigar-se atrás da secretária.
- O senhor do 99 já disse que sim. Em que ficamos? Perguntou o Xavier.
- Pronto, pronto, ninguém vem para aqui para se divertir, arriscou a mulher.
- Deste lado não, mas desse lado parece que sim. Já agora quero o livro de reclamações e dar uma palavrinha ao responsável desta “coisa”, atalhou o Xavier.
- Acho que não é possível satisfazer o seu pedido...
- Então porquê? Quis saber o Xavier.
- O livro extraviou-se e o chefe foi lá fora comprar uns pastéis de nata e ver se arranjava mais papel para as impressoras...

O “arrastão” TMDP


O que é a TMDP que passou a aparecer, a partir do início de 2005, nas nossas facturas do telefone? É nada mais, nada menos, que uma coisa chamada Taxa Municipal de Direito de Passagem, o mais recente esbulho a que os cidadãos portugueses estão a ser sujeitos, de forma capciosa e semi-clandestina, sob a forma de legislação concebida pelas “eminências” e “catedráticos” do costume, no recolhimento dos WCs ministeriais e autárquicos.
A Taxa Municipal de Direito de Passagem (TMDP) corresponde ao valor que as autarquias podem cobrar às empresas que operam redes e serviços telefónicos fixos nos domínios público e privado municipais, e destinam-se a garantir que as valas e os buracos, em resultado da intervenção dessas operadoras, serão devidamente tapados, garantindo assim a requalificação dos pavimentos por onde passam os equipamentos. Mas o mais interessante deste episódio é que a PT acabou a reembolsar a tal taxa junto dos seus clientes, fazendo recair directamente sobre estes o ónus das suas obrigações e responsabilidades para com terceiros. Resumindo: é o conhecido Zé Povão quem vai pagar essa taxa que, espanto dos espantos, não corresponde a serviço algum fornecido ao utilizador final, sendo antes a mais descarada legalização de um novo tipo de “arrastão”, que está a varrer, indiscriminadamente, todo o país, sendo bem diferente daquele fenómeno ou não-acontecimento, como agora se diz, que desaguou há dias na praia de Carcavelos.
Já pagamos todos os anos o Imposto de Circulação Automóvel, que tem por objectivo assegurar a manutenção das estradas municipais, e bem sabemos o estado ruinoso em que elas se encontram. Vamos agora pagar (em vez da Portugal Telecom) esta novíssima Taxa Municipal de Direito de Passagem, sendo certo que a paisagem continuará ornamentada com os passeios esventrados, com novelos de cabos a bambolearem-se nas fachadas, os postes decrépitos a ameaçarem a via pública e a PT a rir-se nas nossas barbas e a apelidar-nos de tolos.
Que mais virá a seguir? Talvez um imposto sobre o ar que respiramos, com três escalões, a saber: asmático, fumador e não fumador, cobrável em simultâneo com a factura da água. Ou então um imposto sobre a utilização da via pública, baseado no peso corporal dos munícipes, já que o excesso de peso desgasta e danifica os pavimentos. Balanças nos passeios assegurariam a aplicação das taxas aos cidadãos levíssimos, leves, médios, pesados, pesadíssimos, etc, tendo aqueles que circular com o recibo pregado na lapela. E porque não um imposto destinado à manutenção das ETARes, aplicável sobre as nossas necessidades fisiológicas básicas? As sanitas seriam equipadas com uma balança digital, concebida pelas empresas envolvidas no choque tecnológico, e o imposto a pagar viria incluído na factura dos serviços municipalizados. E assim por diante, tantas taxas e impostos quanto a nossa imaginação e os favores traficados com o poder político possam gerar.
Já sabemos o que podem encobrir as facturas “simplificadas” da PT, e que ninguém consegue obrigar a que se cumpra a lei, descriminando com detalhe os serviços fornecidos. Fica a faltar quem leve a tribunal europeu, este estado ratoneiro.

Álvaro Cunhal


Bastaram poucos dias para que a morte viesse cobrar a sua factura, levando consigo Álvaro Cunhal o polítíco, Vasco Gonçalves o general, Eugénio de Andrade o poeta, e Emídio o Guerreiro.
Concorde-se ou não, Portugal continua a empobrecer, extinguindo-se mais um punhado das suas referências.

Muito se tem escrito nos últimos dias sobre Álvaro Cunhal. Os meios de comunicação, antecipando-se ao inevitável desfecho, já há muito que vinham preparando os seus cadernos biográficos, que agora vieram alternar com os muitos depoimentos de amigos, companheiros de jornada e adversários políticos, todos eles, na hora da consumação da última lei da vida, nuns casos amaciando as arestas vivas, noutros ensaiando largos elogios, de uma existência que foi uma missão, e que se confunde com o trajecto do PCP no seio da sociedade portuguesa, nos últimos cinquenta anos.
Afinal quem foi Álvaro Cunhal?
Disseram que apesar do seu alto grau de coerência, quase uma obsessão, era um político tácticamente flexível, que procurava consensos, disso sendo testemunhas quem com ele partilhou os conselhos de ministros dos governos provisórios que integrou, logo após o 25 de Abril.
Disseram que ao ocultar-se e dissolver-se no colectivo estava a esculpir, intencional e laboriosamente, uma imagem enigmática, quase um mito.
Disseram que as supostas paredes de vidro do seu partido comunista, que dirigiu com incontestada autoridade, afinal, à imagem e semelhança do próprio Cunhal, continuaram tão opacas como chumbo.
Disseram que era indiferente às pressões da realidade, estando mais interessado em ser o agente de transformação dessa mesma realidade.
Disseram que não era um visionário, mas transpirava confiança no género humano, acreditando piamente na ideia de que há certas convicções que podem mover montanhas, senão mesmo alterar o curso da própria História.
Disseram que era intransigente entre os seus correligionários, implacável mesmo com os dissidentes, mas tácticamente contemporizador na arena do combate político, sendo senhor de uma grande capacidade de sedução.
Disseram que, apesar de ter tido uma vida temperada pela dureza das masmorras e do isolamento das solitárias, da clandestinidade e do exílio forçado, pelo meio pairou sempre o homem sensível, o artista plástico, o escritor, o ensaísta e tradutor, um grande intelectual, detentor de uma vasta e multifacetada cultura.
Disseram que em Novembro de 1975, no auge do processo revolucionário, mandou que os comunistas retrocedessem, evitando assim que o país mergulhasse numa guerra civil.
Disseram que parou no tempo, porque não quis ou foi incapaz de assimilar as mudanças da última década do século XX.
Disseram que o silêncio que impôs a si próprio aconteceu quando também emudeceram os amanhãs que cantam.
Disseram que o seu próprio testamento é uma preciosidade, pois punha as condições que seriam o pretexto para um grande e derradeiro movimento de massas, que culminaria na pira funerária onde se lhe perderia o rasto, o monumento por excelência dos grandes heróis. De facto, foi um herói “quase perfeito”, não houvesse sido perdedor de muitas batalhas, e vencedor de outras tantas, recusando-se obstinadamente a considerar a guerra perdida.
Dos muitos opúsculos que li sobre Cunhal, nestes últimos dias, destaco o que escreveram dois cronistas do nosso meio. A Clara Ferreira Alves, ao afirmar que “temos sempre que perdoar os pecados a quem traduziu o Rei Lear (de William Shakespeare) para português enquanto tentava salvar o mundo, mesmo querendo aprisioná-lo”. Já o Daniel Oliveira reconheceu em Cunhal um génio político, eminentemente táctico, que sabia quando podia e devia avançar, e que não vacilava ao recuar, quando a isso o obrigavam as condições objectivas do combate político. A derrota final que foi a implosão do “socialismo real”, que era o seu oxigénio e a sua bússula, e que o levou a afastar-se da ribalta, foi apenas o epílogo de muitas e grandes vitórias, de que é beneficiário e devedor o povo português. Quanto à mediocridade que o rodeou e lhe sobreviveu, é uma herança que ele não soube ou quis acautelar, e que contradiz a sua genialidade e superioridade moral.
Pacheco Pereira anda há anos a historiar o movimento comunista e a traçar a sua biografia (não autorizada), constatando que no século XX português, não houve ninguém como ele, até onde a vista possa alcançar.
Entretanto, a Sibéria passou à história, ao passo que Guantánamo se tornou uma realidade. As oligarquias põem e dispõem, o império auto-decretou-se, exportando a guerra, instalando a sua lei e o seu imenso poder descricionário e tentacular. Assiste-se à cínica erosão dos direitos humanos, com a deslocalização dos interrogatórios sob tortura, para países “amigos” e pouco recomendáveis, fornecedores desse tipo de serviços, uma espécie de“outsourcing” para recolher informações, sem que os mandantes manchem as mãos. Em tempos foi a pressão do comunismo e a atracção que exercia sobre grandes parcelas da humanidade, que obrigou o capital a fazer cedências à social-democracia. Hoje, sem concorrência de monta, o capitalismo tomou o freio nos dentes, a globalização encheu o planeta e banalizou a miséria e a exploração, proletarizando toda a Humanidade, aviltando a democracia e levando ao extremo o estádio supremo do capitalismo.

Porém, Álvaro Cunhal acreditava que isto não vai ficar assim.
Entre as muitas e sérias apreensões que nos cercam, faço votos para que não se tenha enganado.
Pertenceu a uma linhagem que, nem sempre tendo razão, fazia da política uma actividade despojada, digna e superior, ao serviço da sociedade, exercida com serenidade, abnegação, frontalidade, determinação e seriedade intelectual.
Apesar dos sinais negativos e das sombras que se multiplicam, não quero acreditar que a sua estirpe esteja em vias de extinção.

Emigrante

Depois de ter caído na ratoeira do Terravista e da minha SEMENTEIRA ter sido engolida pela voragem do mercado e reduzida ao silêncio, pensei que a Geocities seria uma espécie de morada definitiva onde iria arquivando, na minha BIBLIOTECA VIRTUAL, parágrafo após parágrafo, todos os delírios que esta febre de rabiscador ainda vai produzindo. Puro engano! Deixei de poder fazer manutenção do “site”, o que quer dizer, em linguagem corrente, que me cortaram a palavra, sem uma palavra, sem uma justificação. A saída foi voltar a pedinchar alguns “bytes” aos “servidores” que (ainda) disponibilizam alojamento gratuito, para dar voz à minha prosa emigrante. Fico à espera que este Blogger, pelos tempos mais próximos, não me corte as voltas.