sábado, março 19, 2011

A Cimeira do Governo Sombra

ONTEM de manhã, estava a tomar o pequeno-almoço quando o anão Serapião apareceu de repente, sem avisar, em cima da mesa, a aspirar o aroma das torradas acabadas de fazer.
- Como que é que entraste? Perguntei eu.
- Entrei ontem, dentro do saco das compras da tua mulher, respondeu ele.
- E dormiste onde?
- Atrás da máquina de lavar a louça. Esteve um belo borralho toda a noite…
- Pois é, entra-se por aqui dentro e já nem se diz, nem água vai, nem água vem…
- Precisava de descansar, e já não sou nenhum garoto…
- Pois é, já não és nenhum garoto mas estás sujo, cheiras mal, por onde andaste Serapião?
- Nem imaginas! Mas olha tenho aqui uma coisa que te interessa…
- O que é, não me digas que voltaste a espiar o “animal feroz”?
- Nada disso. É muito melhor!
- Não me venhas com conversa fiada…
- Nem pensar! Assisti ao conselho de ministros do governo sombra.
- Qual governo sombra, o do PSD?
- Nada disso. Aninhei-me num cantinho da pasta do Ricardo do BES e assisti à cimeira dos banqueiros, que toma decisões mais importantes que as do próprio governo.
- Homessa! E onde é que eles se reúnem?
- É na casa do Ricardo.
- E quem é que faz a ligação com o governo, propriamente dito?
- É sempre o Salgado…
- Quem é que lá apareceu?
- Ora, os do costume, o Fernando, o Ricardo, o Ferreira e os outros dois.
- Sabes qual foi o motivo da cimeira?
- Sei, continuam a dizer que eles é que estão à rasca e que os accionistas não querem saber de crises...
- Têm alguns planos?
- Têm! Vão avançar com o plano B. Vão tirar o tapete ao engenhóquio e vão-se voltar para o Pedro “rabbit”.
- Olha lá, oh Serapião, queres uma torradinha com manteiga ou com marmelada?
- Nada, de manhã nunca como nada, mas dava-me jeito um cafezinho pingado… sem açúcar…
Bocejou, sentou-se de pernas cruzadas ao lado do açucareiro e foi bebendo o café às colheres, ao mesmo tempo que eu aguardava, na expectativa, mais alguma informação. Limpou os bigodes com a manga do casaco e continuou:
- Os gajos ficaram muito zangados com a implementação daquela coisa das taxas especiais a aplicar sobre o passivo de todas as instituições financeiras. Se a coisa tivesse ficado só no papel, sem a porcaria da portaria regulamentadora, isto é, em águas de bacalhau, ainda se continham, mas agora assim… Além disso, eles já não sabem onde é que o gajo vai arranjar mais dinheiro para os bancos se recapitalizarem…
- E achas que isso é o motivo para tirar o apoio ao Sócrates? Perguntei eu.
- Claro que sim, oh meu, são muitos milhões! Então não vês que eles apenas o ampararam enquanto ele lhes foi fazendo os fretes e deixando empochar. Agora, que pisou o risco, vão descartá-lo e está na altura de fazer a agulha. Eles são os primeiros a dizer que não têm amigos, apenas interesses… e o “menino de ouro” está acabado, não vai adiantar muito mais…
- Isso é que eles fazem com todos, retorqui eu.
- Pois, mas há outra coisa! Eles também não confiam em chantagistas… percebeste?
- Claro que percebo.
- Entretanto, também falaram no outro...
- Qual outro?
- O dos robalos, que passa a vida a tirar cera dos ouvidos e macacos do nariz. Dizem eles que não podem voltar a apostar em cavalos coxos…
- E ficaram por aí?
- Não! Quase no fim da reunião fizeram um telefonema. O Faria é que falou em nome de todos, falou muito baixinho, não percebi se era raspanete ou outra coisa qualquer, mas parece-me que do outro lado estava o Teixeira dos Bancos...
- Estiveste aquelas horas todas sem comer?
- Qual quê, depois deles saírem trinquei um croquete que eles deixaram ficar...
- E como é que saíste da reunião?
- Não saí, deixei-me ficar.
- Não percebo…
- Meti-me dentro do cesto dos papéis da sala de reuniões, esperei que viesse a empregada da limpeza despejá-lo, e hoje de manhã fiz a viagem calmamente, no camião do lixo, até aos arredores. Como vês as últimas 48 horas foram passadas no meio dos lixos. E se queres saber, não notei diferença nenhuma…

1 comentário:

tempus fugit à pressa disse...

não era mais da sombra de um governo

que pairará como uma sombra

sobre as sombras das gentes?

ou das gentes-sombra?