IMAGINEMOS que Alice ia a passear pelo campo, tropeçou num buraco e foi sugada para o País dos Enganos, onde as bandeiras são hasteadas de pernas para o ar, onde há um Coelho dos Passos, um Gato das Relvas e um Chapeleiro Gaspar que fazem a cabeça em água ao povo das Formigas, mais um Rei de Copas que devora bolo-rei confeccionado pela Cigarra Soprano, e uma Rainha de Copas chamada Conceição, que por tudo e por nada grita "foi engano!", fingindo dirigir uma orquestra de sapateiros anões que tocam rabecão, e que nas horas vagas se dedicam a escolher livros, mesmo sem os lerem, para as criancinhas se cultivarem, cantando um-dó-li-tá e escolhendo à sorte sobre uma lista de títulos...
PASSADO o devaneio da ficção, regressemos à realidade, para constatar que o livro de poesia para adultos "O que dói às aves", de Alice Vieira (mais conhecida pela sua obra dedicada a crianças e adolescentes) foi recomendado pelas sumidades intelectualóides do Plano Nacional de Leitura, para crianças de sete e oito anos. Só depois de a autora ter denunciado, escandalizada, que aquela obra não se destinava a crianças e adolescentes, dado ter um conteúdo dirigido a adultos já bem crescidinhos, a dita foi retirada da lista de obras que o organismo considerava aconselháveis para a iniciação na literatura portuguesa. Isto significa que até no aconselhamento e iniciação literária dos jovens, o país entrou em colapso. Foi um engano, disse a coordenadora, que afinal não coordena coisa nenhuma. É fácil de perceber que o serviço está entregue a uma equipa de trolhas pseudo-intelectuais, que manejam as suas escolhas ao deus-dará, sem sequer se darem ao trabalho de consultar as badanas e contracapas das obras eleitas, quanto mais de as abrir ou soletrar. Isto é o resultado que dá ter ministros da Educação a quedarem-se com sorrisos patetas nos lábios, a verem a banda passar, como se isto não tivesse nada a ver com eles.
Sem comentários:
Enviar um comentário