sábado, abril 14, 2007

Haja Memória dos "feitos" de Oliveira Salazar (2)

A

Meu pai, Américo Garcia Torres, falecido em 1997, a exemplo de muitos milhares de outros portugueses, também foi “agraciado” com a “visita” da PIDE (Polícia Internacional e Defesa do Estado) que, para quem não saiba ou não se lembre, era a polícia política do regime do ditador Oliveira Salazar, quando corria o ano de 1959, e tinha eu os meus 13 anos. Conforme o atesta a sua ficha policial, que aqui reproduzo, e que vem inserida no sexto volume da obra “Presos Políticos no Regime Fascista VI 1952-1960”, da autoria da Comissão do Livro Negro sobre o Regime Fascista e editada pela Presidência do Conselho de Ministros em 1988, meu pai foi detido no seu local de trabalho, a tesouraria de uma seguradora, às 8 horas e 30 minutos do dia 20 de Maio de 1959, uma quarta-feira, por uma brigada de agentes da dita PIDE, coordenada com uma outra brigada que, para espanto de minha mãe, exactamente à mesma hora batia à porta da nossa residência, para proceder à busca e apreensão de possíveis materiais e provas incriminatórias. Estiveram lá a manhã inteira. Não se preocuparam com o facto de eu estar de cama doente, reviraram a casa toda e acabaram a levar uns quantos livros e revistas de pouca importância.
O meu pai passou 15 dias nas celas das instalações da sede da PIDE, na Rua António Maria Cardoso, onde foi “cordialmente” interrogado, com sessões de tortura de “estátua” e de “sono”, acompanhadas de esbofeteamentos, sádica e metodicamente conduzidos pelo major Silva Pais, com o objectivo de o levar a confessar as atrocidades mais incríveis e surpreendentes. Esteve sem contacto com o mundo exterior durante perto de 15 dias, e quando o visitámos pela primeira vez após a detenção, já depois de ter sido transferido para os celebérrimos “curros” do Aljube (nunca mais esquecerei esta sequência), tinha emagrecido, estava despenteado, atordoado, cambaleante, macilento e olheirento, e o que mais me impressionou foi aquele olhar esbugalhado, próprio de quem atravessou uma grande provação. Não trazia óculos, nem relógio de pulso, nem cinto, porque a PIDE detestava os suicídios quando as vítimas estavam sob a sua alçada (medo das repercussões internacionais), e durante toda a visita, de pouco mais de 5 minutos, fomos sempre acompanhados pela presença intimidante de um agente da PIDE, muito bem barbeado, bem vestido e engraxado, a tresandar a água de colónia, que passou todo o tempo, a esgravatar os dentes e a limpar as unhas com um palito, exibindo um permanente sorriso de desdém. Em 23 de Julho de 1959 foi transferido para o Depósito de Presos de Caxias, vulgarmente conhecido por Reduto Norte do Forte de Caxias, tendo sido castigado em 26 de Outubro desse mesmo ano, com proibição de actividade ao ar livre (vulgo recreio), durante 2 dias, por ter alterado o sossego no estabelecimento prisional e ter-se recusado a obedecer às ordens dos guardas. Em 6 de Maio de 1960, isto é, um ano após a detenção, foi finalmente a julgamento, no Tribunal Plenário da Boa-Hora, presidido pelo famigerado juiz Caldeira, homem que se gabava de comungar diariamente (tantos eram os seus pecados!), juntamente com mais perto de meia centena de colegas da mesma profissão de seguros, tendo averbado, por actividades subversivas e atentatórias da segurança do Estado, a perda dos direitos políticos durante 15 anos, isto é, a capacidade de eleger e ser eleito, mais uma condenação de 2 anos de prisão maior, e mais 6 meses a 3 anos de regime de “medidas de segurança”, expediente usado pelo regime, para manter um opositor preso durante tempo indefinido. Foi defendido pelo causídico Dr. Rui Cabeçadas, ele mesmo posteriormente perseguido pelo regime, e obrigado a exilar-se no estrangeiro. Nessa altura já havia o hábito de todos os sábados, eu e minha mãe o irmos visitar. Agora, fruto da condenação, minha mãe socorreu-se dos seus conhecimentos de costura para, trabalhando em casa como modista, enfrentar as necessidades e carências do dia-a-dia, enquanto que eu tive que reorientar os estudos e entrar precocemente no mundo do trabalho, graças à solidariedade de classe, como paquete de uma companhia de seguros, para assegurar o pagamento da renda da casa.
Durante a detenção foi castigado com a suspensão do direito a visitas pelo período de 15 dias, por ter colaborado num protesto, ocorrido nas instalações prisionais, motivado pela má alimentação fornecida aos presos. Em 4 de Dezembro de 1961, voltou a ficar privado de visitas durante duas semanas, assim como todos os outros detidos, como represália por ter ocorrido uma espectacular fuga do presídio, coroada de êxito e levada a cabo no próprio carro oficial do director do forte (que havia pertencido ao ditador Salazar), a que eu quase assisti, devido ao facto de ter chegado mais cedo às imediações das instalações prisionais. Ao longe ainda escutei o ruído da metralha lançada contra o carro dos fugitivos, e quando cheguei à beira do forte, pude constatar o estado em que ficou o portão exterior que foi violentamente abalroado. Se internamente se agudizava a resistência ao regime, também a nível internacional a ditadura tinha começado a sofrer contrariedades e revezes. O ano de 1961 ficou para a História como o “annus horribilis” do regime salazarista, primeiro com o sequestro do paquete “Santa Maria” em Janeiro de 1961, levado a cabo pelo opositor do regime, comandante Henrique Galvão, à frente de uma força de vinte membros da DRIL (Direcção Revolucionária Ibérica de Libertação), constituída por portugueses e espanhóis, logo a seguir, em Fevereiro de 1961, com o início da guerra colonial em Angola, e finalmente, com a consumação da invasão das possessões indianas de Goa, Damão e Diu, por parte da União Indiana, em Dezembro desse mesmo 1961.
Entretanto, já em 1962, meu pai partilhou algum do tempo de detenção com o Dr. Arlindo Vicente, outro opositor do regime e antigo candidato à presidência da república.
Terminada que foi a pena, já durante a vigência das famigeradas medidas de segurança, e sem aviso prévio, foi posto em liberdade condicional no dia 27 de Dezembro de 1962, com a obrigatoriedade de todos os meses ir assinar uma folha de presença, na sede da PIDE. Bateu-nos à porta de casa, ao fim da tarde daquele dia, a pedir para lhe darmos dinheiro para pagar ao taxista. Tinha saído de casa a uma quarta-feira, regressou a uma quinta. Estava mais velho quase 4 anos, e com a sua oposição ao regime transformada numa surda, metódica e profunda revolta. A sua ausência deixou marcas, fez estragos, e também por isso, nunca mais voltámos a ser a mesma família.
Os “crimes hediondos”, propriamente ditos, que praticou, foi ter sido um opositor visceral do regime de Salazar, guardar em casa meia dúzia de livros e uma resma de revistas, que só o excesso de zelo poderia considerar literatura subversiva, ter colaborado nas listas de Humberto Delgado e Arlindo Vicente, ter subscrito alguns abaixo-assinados e ter participado nas actividades sócio-profissionais do sindicato de seguros, tudo perigosas actividades que colocavam em risco de colapso, o “grande edifício social” e a “democracia orgânica” do Estado Novo, erigidas por esse “grande português” que foi o ditador Oliveira Salazar. Porém, igual ou muito pior do que aconteceu a meu pai, foi o destino que o regime, antes e depois, reservou a muitos milhares de outros portugueses, que tiveram a ousadia de contestar e pôr em causa as regras em vigor, mais próprias de uma imensa penitenciária, do que de um país, digno desse nome.

quinta-feira, abril 12, 2007

Choque Curricular

C
Há quem diga que esta questão da licenciatura em engenharia do senhor Pinto de Sousa (vulgarmente conhecido por José Sócrates) é uma grande trapalhada, mas não comungo dessa opinião. Situações e dúvidas desta natureza resolvem-se de uma penada, com uma ida à secretaria do estabelecimento universitário, e o competente pedido de emissão de um certificado de habilitações, logo não há trapalhada nenhuma, mas sim uma trapaça mal enjorcada, fruto de favorecimentos, chico-espertismo e da mediocridade reinante. Este caso somado a outros que medram por aí, vem provar que Portugal está pejado de doutores e engenheiros de contrafacção, e que até uma falsificação consegue chegar a primeiro-ministro.

Maus Sinais

M
O tempo continua a andar nublado para os lados da Justiça. Tudo porque chegou ao domínio público o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que vem dar razão à pretensão do Sporting Clube de Portugal de ser indemnizado pelo jornal “Público”, na sequência de uma notícia publicada por aquele diário, nos idos de Fevereiro de 2001, e que dizia que o referido clube era devedor de 460 mil contos à administração fiscal. Até aqui tudo bem. O pior é que a notícia, tendo sido provado que era verdadeira, e havendo sentenças de tribunais de primeira instância e da Relação que ilibavam a publicação das acusações de ofensas à idoneidade do clube, vem agora o Supremo dizer exactamente o contrário, isto é, que não senhor, embora a notícia fosse verdadeira, houve ofensa do crédito e bom-nome do SCP, logo há que indemnizá-lo por isso. Isto tanto pode ser um clamoroso erro judiciário gerado por mentes tortuosas, ser o resultado de um sério ataque de miopia jurídica, ou então, muito pior ainda, o iníquo exercício da justiça, com tonalidades e subtilezas kafkianas. Assim, no entendimento dos doutos e gongóricos juízes do STJ, o acto de divulgar um acto cometido por alguém, seja aquele falso ou verdadeiro, é já de si um ilícito, pois pode estar a abalar a reputação e credibilidade do sujeito que o praticou. Custa a acreditar, mas é isso mesmo: o mau da fita é quem divulga e não quem pratica a má acção.
Se a esta antológica sentença juntarmos a nova lei de imprensa, o novo estatuto dos jornalistas, as atribuições e deambulações da ERC (Entidade Reguladora da Comunicação Social), as pressões dos governantes sobre os directores de jornais, tudo medidas que pretendem alterar regras, sob falsos pretextos, ou criar limitações ao exercício da liberdade de imprensa, é caso para perguntar: será que isto são apenas casos pitorescos e isolados, fruto ocasional das circunstâncias, ou será que podemos ver nisto o acumular de sinais preocupantes de que, passo a passo, estão a ser incubadas as condições que podem levar à sufocação das liberdades de expressão e à subversão do regime democrático?

quarta-feira, abril 04, 2007

Reaprender o Futuro

R
OS FILHOS DO HOMEM, com realização de Alfonso Cuarón, e as principais interpretações entregues a Clive Owen, Juliane Moore e Michael Caine, tem todas as condições para se tornar um filme de culto, ou então, comportar-se como uma quase-profecia. Para já, reconheço-lhe o estatuto de grande filme. Tem um discurso escorreito, com uma inusitada e poderosa realização, frenética e estonteante, quase a tocar a reportagem em directo. Não é um filme sobre o futuro, porque o futuro que ali é retratado, já está à mão de semear, pois chegaremos a 2027 mais depressa do que pensamos. Também não é um filme de heróis, antes pelo contrário. É um filme com pessoas comuns, amedrontadas, envolvidas no turbilhão dos acontecimentos e a questionarem a toda a hora o porquê da situação. As nossas rotineiras paisagens urbanas sofreram transformações. Predomina a “patine” do vandalismo, da violência, do caos apocalíptico, do abandono, do declínio e da luta pela sobrevivência, num Reino Unido multiracial e multicultural. Aquilo que hoje são sinais a multiplicarem-se no nosso dia-a-dia, no filme já são factos, condensados numa duríssima realidade. A sociedade é uma coisa híbrida, oscilando entre o aparato repressivo nazi-fascista, a degladiar-se com grupos de guerrilha urbana e resistentes com objectivos imprecisos, e uma autoridade que prima pela invisibilidade. A luta pelo poder tornou-se um anacronismo, um reflexo condicionado, já que a humanidade, por um qualquer acidente do foro reprodutivo, deixou de se renovar, gerando filhos, e caminha para a extinção. Naquela (ou será nesta?) nova ordem, o grande bode expiatório, o inimigo público, a fonte de todos os males, deixou de ser o judeu ou o negro, para passarem a ser os emigrantes de todas as latitudes, que são caçados nas ruas e enjaulados para deportação, como se de cães vadios se tratassem. Ainda não se vêm câmaras de gás, mas numa tal realidade, nada é impossível. Para demonstrar isso lá está a referência aos “Animals” dos Pink Floyd, na imagem de um dirigível com a forma de um suíno, a pairar sobre as instalações fumegantes da Batterseas Power Station. Entretanto, anacronismo dos anacronismos, a esperança da humanidade acaba por se renovar com o aparecimento da primeira mulher grávida, nos últimos dezoito anos, que escapou ao anátema da infertilidade, e que por sinal é de raça africana. Acontece um parto em directo. Aleluia! No meio da erupção de ferro e fogo dos combates de rua, ouve-se o pranto do recém-nascido, e todo o mundo se queda atónito e incrédulo, perante aquilo que, tendo sido em tempos uma banalidade, é hoje um fenómeno de uma atroz singularidade. Volta a brilhar uma incipiente centelha e renasce a esperança. Há um mítico Projecto Humano que surge do nevoeiro, para recolher mãe e filho. Fica a pairar a ideia de que a Humanidade talvez volte a soletrar e a reaprender o significado da palavra Futuro.
Tem sido dito que o argumento deste filme é de uma previsibilidade perturbante, mas isso, longe de ser um defeito, quer-me parecer que é típico desta temática, avessa a devaneios, se não quer resvalar para a patetice ou para o inverosímil. Alguém disse também que este filme é especialista em banalizar e descartar personagens, mas se atentarmos bem, não será essa a característica mais marcante da nossa época, com tendência para se agravar?
Se alguém estava à espera de ver um filme para se divertir, ficou forçosamente desapontado. Só que os grandes filmes raramente divertem. São mais do que isso. Sendo mensageiros, obrigam-nos a tropeçar estrondosamente com a realidade e acabam por se transformarem em puros objectos de reflexão. OS FILHOS DO HOMEM, mais que um objecto cinematográfico, é uma revelação, viscosa, nua e crua da nossa realidade próxima-futura. E já agora, deixo aqui a pergunta: quando a realidade se começa a parecer com a ficção, que nome lhe devemos dar?
(Comentário publicado em www.cinema.ptgate.pt)

terça-feira, abril 03, 2007

A Grande Ilusão

A
As religiões são hábeis a explorar a estupidez, a ignorância, a pobreza, a infelicidade e a crendice dos seres humanos. Neste princípio de século e na sequência da queda das ideologias, com o desencanto generalizado e a instalação do vazio no horizonte das aspirações humanas, as religiões transformaram-se nas grandes bóias de salvação, o canal alternativo que as pessoas usam para pedincharem o que não conseguem alcançar por outros meios. Deus é aval e pretexto para tudo, até para a própria submissão. Por isso, as religiões tornaram-se grandes máquinas de angariação de adeptos e de fundos, usando bem oleadas campanhas de marketing para venderem a palavra divina, os deleites dos paraísos e os terrores dos infernos. Quanto às proibições e punições, as religiões mais não fazem que aproveitar o pendor sádico e masoquista que habita, em maior ou menor grau, em cada um de nós, consolidando assim o seu domínio. Pelo meio vão impingindo alguns milagrosos soporíferos para as dores físicas e psíquicas dos crentes, como se estivessem a vender flocos de cereais para o pequeno-almoço. Entretanto, o Vaticano aconselha vivamente que se volte a usar nas missas, não as línguas vernáculas, mas sim o velho latim. A razão só pode ser uma: como no céu ainda não existe serviço de tradução simultânea, Deus só atende as preces que lhe são dirigidas em latim.

segunda-feira, abril 02, 2007

Inspirações

N
Num dos muitos institutos que enxameiam a galáxia para-estatal, há um quadro dirigente que, necessitando brilhar e ganhar notoriedade junto do seu presidente, e à falta de outras ideias mais inspiradas, decidiu avançar com uma sugestão de antologia: já que o Instituto possui um excelente parque de estacionamento, porque não rentabilizá-lo, começando a cobrar o parqueamento aos próprios funcionários?

Haja Memória dos "feitos" de Oliveira Salazar

H
1931

O estudante Branco é morto pela PSP, durante uma manifestação no Porto;

1932

Armando Ramos, jovem, é morto em consequência de espancamentos; Aurélio Dias, fragateiro, é morto após 30 dias de tortura; Alfredo Ruas, é assassinado a tiro durante uma manifestação em Lisboa;

1934, 18 de Janeiro

Américo Gomes, operário, morre em Peniche após dois meses de tortura; Manuel Vieira Tomé, sindicalista ferroviário morre durante a tortura em consequência da repressão da greve; Júlio Pinto, operário vidreiro, morto à pancada; a PSP mata um operário conserveiro durante a repressão de uma greve em Setúbal

1935

Ferreira de Abreu, dirigente da organização juvenil do PCP, morre no hospital após ter sido espancado na sede da PIDE (então PVDE);

1936

Francisco Cruz, operário da Marinha Grande, morre na Fortaleza de Angra do Heroísmo, vítima de maus-tratos, é deportado do 18 de Janeiro de 1934; Manuel Pestana Garcez, trabalhador, é morto durante a tortura;

1937

Ernesto Faustino, operário; José Lopes, operário anarquista, morre durante a tortura, sendo um dos presos da onda de repressão que se seguiu ao atentado a Salazar; Manuel Salgueiro Valente, tenente-coronel, morre em condições suspeitas no forte de Caxias; Augusto Costa, operário da Marinha Grande, Rafael Tobias Pinto da Silva, de Lisboa, Francisco Domingues Quintas, de Gaia, Francisco Manuel Pereira, marinheiro de Lisboa, Pedro Matos Filipe, de Almada e Cândido Alves Barja, marinheiro, de Castro Verde, morrem no espaço de quatro dias no Tarrafal, vítimas das febres e dos maus tratos; Augusto Almeida Martins, operário, é assassinado na sede da PIDE (PVDE) durante a tortura ; Abílio Augusto Belchior, operário do Porto, morre no Tarrafal, vítima das febres e dos maus tratos;

1938

António Mano Fernandes, estudante de Coimbra, morre no Forte de Peniche, por lhe ter sido recusada assistência médica, sofria de doença cardíaca; Rui Ricardo da Silva, operário do Arsenal, morre no Aljube, devido a tuberculose contraída em consequência de espancamento perpetrado por seis agentes da Pide durante oito horas; Arnaldo Simões Januário, dirigente anarco-sindicalista, morre no campo do Tarrafal, vítima de maus tratos; Francisco Esteves, operário torneiro de Lisboa, morre na tortura na sede da PIDE; Alfredo Caldeira, pintor, dirigente do PCP, morre no Tarrafal após lenta agonia sem assistência médica;

1939

Fernando Alcobia, morre no Tarrafal, vítima de doença e de maus tratos;

1940

Jaime Fonseca de Sousa, morre no Tarrafal, vítima de maus tratos; Albino Coelho, morre também no Tarrafal; Mário Castelhano, dirigente anarco-sindicalista, morre sem assistência médica no Tarrafal;

1941

Jacinto Faria Vilaça, Casimiro Ferreira; Albino de Carvalho; António Guedes Oliveira e Silva; Ernesto José Ribeiro, operário, e José Lopes Dinis morrem no Tarrafal;

1942

Henrique Domingues Fernandes morre no Tarrafal; Carlos Ferreira Soares, médico, é assassinado no seu consultório com rajadas de metralhadora, os agentes assassinos alegam legítima defesa (?!); Bento António Gonçalves, secretário-geral do P. C. P. Morre no Tarrafal; Damásio Martins Pereira, fragateiro, morre no Tarrafal; Fernando Óscar Gaspar, morre tuberculoso no regresso da deportação; António de Jesus Branco morre no Tarrafal;

1943

Rosa Morgado, camponesa do Ameal (Águeda), e os seus filhos, António, Júlio e Constantina, são mortos a tiro pela GNR; Paulo José Dias morre tuberculoso no Tarrafal; Joaquim Montes morre no Tarrafal com febre biliosa; José Manuel Alves dos Reis morre no Tarrafal; Américo Lourenço Nunes, operário, morre em consequência de espancamento perpetrado durante a repressão da greve de Agosto na região de Lisboa; Francisco do Nascimento Gomes, do Porto, morre no Tarrafal; Francisco dos Reis Gomes, operário da Carris do Porto, é morto durante a tortura;

1944

General José Garcia Godinho morre no Forte da Trafaria, por lhe ser recusado internamento hospitalar; Francisco Ferreira Marques, de Lisboa, militante do PCP, em consequência de espancamento e após mês e meio de incomunicabilidade; Edmundo Gonçalves morre tuberculoso no Tarrafal; assassinados a tiro de metralhadora uma mulher e uma criança, durante a repressão da GNR sobre os camponeses rendeiros da herdade da Goucha (Benavente), mais 40 camponeses são feridos a tiro.

1945

Manuel Augusto da Costa morre no Tarrafal; Germano Vidigal, operário, assassinado com esmagamento dos testículos, depois de três dias de tortura no posto da GNR de Montemor-o-Novo; Alfredo Dinis (Alex), operário e dirigente do PCP, é assassinado a tiro na estrada de Bucelas; José António Companheiro, operário, de Borba, morre de tuberculose em consequência dos maus-tratos na prisão;

1946

Manuel Simões Júnior, operário corticeiro, morre de tuberculose após doze anos de prisão e de deportação; Joaquim Correia, operário litógrafo do Porto, é morto por espancamento após quinze meses de prisão;

1947

José Patuleia, assalariado rural de Vila Viçosa, morre durante a tortura na sede da PIDE;

1948

António Lopes de Almeida, operário da Marinha Grande, é morto durante a tortura; Artur de Oliveira morre no Tarrafal; Joaquim Marreiros, marinheiro da Armada, morre no Tarrafal após doze anos de deportação; António Guerra, operário da Marinha Grande, preso desde 18 de Janeiro de 1934, morre quase cego e após doença prolongada;

1950

Militão Bessa Ribeiro, operário e dirigente do PCP, morre na Penitenciária de Lisboa, durante uma greve de fome e após nove meses de incomunicabilidade; José Moreira, operário, assassinado na tortura na sede da PIDE, dois dias após a prisão, o corpo é lançado por uma janela do quarto andar para simular suicídio; Venceslau Ferreira morre em Lisboa após tortura; Alfredo Dias Lima, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Alpiarça;

1951

Gervásio da Costa, operário de Fafe, morre vítima de maus tratos na prisão;

1954

Catarina Eufémia, assalariada rural, assassinada a tiro em Baleizão, durante uma greve, grávida e com uma filha nos braços;

1957

Joaquim Lemos Oliveira, barbeiro de Fafe, morre na sede da PIDE no Porto após quinze dias de tortura; Manuel da Silva Júnior, de Viana do Castelo, é morto durante a tortura na sede da PIDE no Porto, sendo o corpo, irreconhecível, enterrado às escondidas num cemitério do Porto; José Centeio, assalariado rural de Alpiarça, é assassinado pela PIDE;

1958

José Adelino dos Santos, assalariado rural, é assassinado a tiro pela GNR, durante uma manifestação em Montemor-o-Novo, vários outros trabalhadores são feridos a tiro; Raul Alves, operário da Póvoa de Santa Iria, após quinze dias de tortura, é lançado por uma janela do quarto andar da sede da PIDE, à sua morte assiste a esposa do embaixador do Brasil;

1961

Cândido Martins Capilé, operário corticeiro, é assassinado a tiro pela GNR durante uma manifestação em Almada; José Dias Coelho, escultor e militante do PCP, é assassinado à queima-roupa numa rua de Lisboa;

1962

António Graciano Adângio e Francisco Madeira, mineiros em Aljustrel, são assassinados a tiro pela GNR; Estêvão Giro, operário de Alcochete, é assassinado a tiro pela PSP durante a manifestação do 1º de Maio em Lisboa;

1963

Agostinho Fineza, operário tipógrafo do Funchal, é assassinado pela PSP, sob a indicação da PIDE, durante uma manifestação em Lisboa;

1964

Francisco Brito, desertor da guerra colonial, é assassinado em Loulé pela GNR; David Almeida Reis, trabalhador, é assassinado por agentes da PIDE durante uma manifestação em Lisboa;

1965

General Humberto Delgado e a sua secretária Arajaryr Campos são assassinados a tiro em Vila Nueva del Fresno (Espanha), os assassinos são o inspector da PIDE Rosa Casaco e o sub-inspector Agostinho Tienza e o agente Casimiro Monteiro;

1967

Manuel Agostinho Góis, trabalhador agrícola de Cuba, more vítima de tortura na PIDE;

1968

Luís António Firmino, trabalhador de Montemor, morre em Caxias, vítima de maus tratos; Herculano Augusto, trabalhador rural, é morto à pancada no posto da PSP de Lamego por condenar publicamente a guerra colonial; Daniel Teixeira, estudante, morre no Forte de Caxias, em situação de incomunicabilidade, depois de agonizar durante uma noite sem assistência;

1969

Eduardo Mondlane, dirigente da Frelimo, é assassinado através de um atentado organizado pela PIDE;

1972

José António Leitão Ribeiro Santos, estudante de Direito em Lisboa e militante do MRPP, é assassinado a tiro durante uma reunião de apoio à luta do povo vietnamita e contra a repressão, o seu assassino, o agente da PIDE Coelha da Rocha, viria a escapar-se na "fuga-libertação" de Alcoentre, em Junho de 1975;

1973

Amilcar Cabral, dirigente da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, é assassinado por um bando mercenário a soldo da PIDE, chefiado por Alpoim Galvão;

1974, 25 de Abril

Fernando Carvalho Gesteira, de Montalegre, José James Barneto, de Vendas Novas, Fernando Barreiros dos Reis, soldado de Lisboa, e José Guilherme Rego Arruda, estudante dos Açores, são assassinados a tiro pelos pides acoitados na sua sede na Rua António Maria Cardoso, são ainda feridas duas dezenas de pessoas.

A PIDE acaba como começou, assassinando. Aqui não ficam contabilizadas as inúmeras vítimas anónimas da PIDE, GNR e PSP em outros locais de repressão.

Mais ainda

Podemos referir, duas centenas de homens, mulheres e crianças massacradas a tiro de canhão durante o bombardeamento da cidade do Porto, ordenada pelo coronel Passos e Sousa, na repressão da revolta de 3 de Fevereiro de 1927. Dezenas de mortos na repressão da revolta de 7 de Fevereiro de 1927 em Lisboa, vários deles assassinados por um pelotão de fuzilamento, às ordens do capitão Jorge Botelho Moniz, no Jardim Zoológico.

Dezenas de mortos na repressão da revolta da Madeira, em Abril de 1931, ou outras tantas dezenas na repressão da revolta de 26 de Agosto de 1931. Um número indeterminado de mortos na deportação na Guiné, Timor, Angra e no Cunene. Um número indeterminado de mortos devido à intervenção da força fascista dos "Viriatos" na guerra civil de Espanha e a entrega de fugitivos aos pelotões de fuzilamento franquistas. Dezenas de mortos em São Tomé, na repressão ordenada pelo governador Carlos Gorgulho sobre os trabalhadores que recusaram o trabalho forçado, em Fevereiro de 1953. Muitos milhares de mortos durante as guerras coloniais, vítimas do Exército, da PIDE, da OPVDC, dos "Flechas", etc.

(Recebido por correio electrónico.)

domingo, março 25, 2007

A Vingança

A
Cavaco Silva não convidou Mário Soares para participar nas comemorações evocativas dos 50 anos do Tratado de Roma, levadas a cabo pela Presidência da República, passando por cima e ignorando deliberadamente o facto de Mário Soares ter sido o grande obreiro da adesão de Portugal à CEE. Para isso deverá ter contribuído o facto de Cavaco Silva não ter esquecido os vexames e crueldades por que Mário Soares o fez passar, quando aquele era inquilino de Belém, apostado em dificultar e bloquear a governação, e ele um sorumbático primeiro-ministro, que só queria que o deixassem trabalhar. Para que a vingança se servisse fria e com todos os requintes florentinos, nada mais apropriado que este momento.

Mais Respiganços

R
“Pode-se enganar todas as pessoas durante algum tempo e algumas pessoas durante todo o tempo. Mas não se pode enganar todo o mundo durante todo o tempo.”
Abraham Lincoln (1809-1865), 16º. Presidente dos E.U.A.

“Liberdade sem socialismo é privilégio e injustiça, mas socialismo sem liberdade é escravatura e violência.”
Mikhail Bakunin (1814-1876), filósofo anarquista russo.

“o «Mistério da Santíssima Trindade», […] explica com uma clarividência espantosa como é que uma religião que tem três deuses principais, uma deusa de segunda categoria e algumas dezenas de milhar de semideuses é, ainda assim, uma religião monoteísta.”
Luís Grave Rodrigues, in O Prepúcio dos Deuses, blog Random Precision, em 2007-Mar-14

“Os Trabalhadores jogam futebol, os Directores jogam ténis, os Administradores jogam golfe, ou seja, quanto mais se sobe na hierarquia, mais pequenas são as bolas...”
Graçola de autor anónimo, que anda a girar nas trocas de e-mails.

Porque será que as pessoas, quando estão a apreciar um automóvel, dão sempre pontapés nos pneus?
Fernando Torres, in comentário a um post.

Cada vez que ouço o José Sócrates dizer que este é o melhor governo de “centro-esquerda” que o país alguma vez teve, vem-me logo à ideia que ele nunca deveria ter abandonado o partido onde começou a militar, isto é, o PPD/PSD.
Fernando Torres, in comentário a um post.

Se há alguma verdade na investigação que o jornal PUBLICO está a levar a cabo, sobre a validade do diploma de engenheiro de José Sócrates, obtido naquela universidade onde imperam os golpes de mãos, emboscadas e as cenas de gangsterismo, podemos facilmente concluir que, em Portugal, até uma falsificação pode chegar a primeiro-ministro.
Fernando Torres, in comentário a um post.

No espaço de 15 dias, e já depois do encerramento do bloco de partos da Figueira da Foz, já são duas as crianças que nascem dentro das ambulâncias, em plena auto-estrada A14, a caminho de Coimbra. Está à vista o resultado da avançada política de saúde pública, implementada pelo governo do Zézinho Sócrates.
Fernando Torres, in comentário a um post.

“Devido à existência de extensos terrenos alagadiços, o futuro aeroporto da Ota é uma óptima escolha para a amaragem de hidroaviões.”
Comentário de um participante no programa Opinião Pública da SIC NOTÍCIAS

quinta-feira, março 22, 2007

Prioridades

P
O acontecimento teve lugar num lar de idosos em Santana da Serra, concelho de Ourique. Um pensionista sentiu-se mal e o pessoal do lar tentou contactar o 112, mas só à terceira tentativa conseguiu ser atendido. Do CODU, escutados os sintomas, dizem que talvez fosse um caso de desidratação, logo não era prioritário, não se justificando a deslocação de uma viatura de emergência até Santana da Serra. Portanto, que chamassem a ambulância dos bombeiros para levar o idoso ao centro de saúde de Ourique. O pessoal do lar assim fez, e os bombeiros chegam 15 minutos depois. No momento em que o idoso dá entrada no centro de saúde de Ourique, sobrevém-lhe um ataque cardíaco, que logo ali o vitimou.
Recorde-se que o ministro da saúde (?), em Janeiro deste ano, depois da ocorrência de várias mortes no Alentejo, por ausência ou demora de socorro atempado, e depois de ter dito que se ia debruçar sobre o assunto e tomar medidas, acabou por decidir que a instalação, em Mértola ou Ourique, de uma unidade rápida de suporte intermédio de vida “não era prioritária”. Não se debruçou nem tomou medidas, e o resultado está à vista. Este ministro e as ideias que ele tem sobre bons e irrepreensíveis serviços, continuam a dar resultados, mostrando como se “trata da saúde” aos portugueses.

quarta-feira, março 21, 2007

No Dia da Poesia

A
Auto-Retrato

Poeta é certo mas de cetineta
fulgurante de mais para alguns olhos
bom artesão na arte da proveta
narciso de lombardas e repolhos.

Cozido à portuguesa mais as carnes
suculentas da auto-importância
com toicinho e talento ambas partes
do meu caldo entornado na infância.

Nos olhos uma folha de hortelã
que é verde como a esperança que amanhã
amanheça de vez a desventura.

Poeta de combate disparate
palavrão de machão no escaparate
porém morrendo aos poucos de ternura.

José Carlos Ary dos Santos

terça-feira, março 20, 2007

A Táctica

A
Alguns ministros do governo Sócrates têm uma característica distinta: mentem despudoradamente com todos os dentes que têm na boca, e continuam, alegres e desavergonhados, a aborralharem as suas cadeiras nos ministérios, como se nada fosse com eles ou nada tivesse acontecido. Em qualquer país, com um governo decente, resignavam e passavam a pasta a outro. Em Portugal, não! Ficam de pedra e cal, e se for preciso, voltam a reincidir.
Penso que isto é intencional. Estou convicto que Sócrates usa estes ministros como engodo, para se manter incólume, longe das polémicas e a recato do fogo da crítica. Enquanto atirarem sobre eles, não atiram sobre ele. Enquanto os Pinhos, os Campos, os Linos, os Costas e as Lurdes forem os animadores da festa, ele pode continuar a dormir descansado.

segunda-feira, março 19, 2007

O Genocídio

O
O genocídio dos funcionários públicos
C
Artigo publicado no Diário de Notícias de 2007-03-13
C
Por Santana Castilho, Professor do ensino superior
C
“O que o Governo acaba de propor para o funcionalismo público é a continuação de um genocídio em que os professores foram os primeiros imolados. Muitos dos que aplaudiram a cruzada, sendo funcionários públicos, perceberão, quando lhes tocarem à porta, que os dividendos do egoísmo são efémeros. O que se fez aos professores vai agora ser aplicado aos restantes funcionários públicos. Concluído este segundo assalto, o sector privado ficará à mercê da lógica dos patrões: se a precariedade já é máxima no público, por que havemos de manter o que sobra de estabilidade no privado? Pela mão de Sócrates, o Único, a esquerda moderna terá então feito, numa legislatura, mais do que a direita desejou, mas não fez, durante toda a Terceira República.
Os comportamentos mudam-se com incentivos, com formação, com comunicação organizacional, com chefias competentes, com gestão adequada. O grande problema dos serviços públicos não radica nos que obedecem. Está nos que mandam. Os que mandam querem convencer os indígenas de que a chave do sucesso é a avaliação do desempenho. Mas não sabem do que falam. O que produzem é tecnicamente grosseiro e com objectivos únicos: diminuir as remunerações, aumentar as horas de trabalho, despedir, vergar. Não será por aí que aumentarão a qualidade e a produtividade.
A avaliação do desempenho só serve se for um instrumento de gestão do desempenho. Os reformadores ignorantes confundem avaliação do desempenho com classificação do desempenho. Avaliar é comparar um percurso percorrido com um percurso planeado, para identificar obstáculos e formas de os superar. Supõe objectivos claramente definidos e estratégias adequadas. À boa gestão importa, sobretudo, o carácter formativo da avaliação: para identificar as dificuldades das pessoas e ajudá-las a superá-las, com formação e assistência; para apurar a ineficácia e a ineficiência dos processos e substituí-los por outros mais adequados. Um processo credível de avaliação tem uma lógica de 360 graus. Envolve todos. Não deixa de fora os chefes, obviamente.
Classificar é seriar. Tão-só! Tendo aplicações e importância, não põe conhecimento onde ele não existe. Pode haver avaliação sem classificação. Mas não se deve classificar sem se avaliar. A obsessão dos nossos reformadores reside na classificação. Construíram uma fantasia com a qual julgam chegar ao fim sem abordar o inicial e o intermédio. O que têm produzido são grelhas de classificação mal feitas, a aplicar por processos e critérios que a gestão moderna há muito abandonou. Isto não provocará mudança organizacional. Isto vai gerar, por parte dos funcionários visados, o que a literatura da especialidade denomina por retaliação organizacional. Ou seja, oposição dissimulada e desmotivação generalizada, a última coisa de que necessitamos para melhorar os serviços. Quando tal acontece, é evidente que a culpa não reside nos funcionários, mas nos chefes e nos processos e sistemas que impõem. Sobre o essencial para reformar a função pública, continuará a pairar o silêncio do Olimpo. Quanto a avaliação do desempenho, pura e simplesmente não existe. Apenas bolsa da pesporrência retórica e oca dos novos justiceiros.
O que se conhece da grelha proposta para classificar os professores que concorrerão ao topo da carreira é paradigma do que acabo de afirmar. Está lá tudo: o atropelo grosseiro à lei; a evidência de que legislam por impulso, sem coerência nem norte (começaram por achar que 120 pontos eram o mínimo e já baixaram para 95); o primado do administrativo sobre o pedagógico (menosprezo escandaloso da docência e do conhecimento, que chega ao ridículo de valorar ou não um doutoramento em função do dia em que foi feito). É a burocracia posta num altar, que nenhum Simplex disfarça.”

domingo, março 18, 2007

O Negócio da Saúde

O
Começa agora a perceber-se qual era o objectivo que norteava o encerramento de urgências e outras unidades de saúde, promovido pelo governo Sócrates: entregar à iniciativa privada a exploração deste inesgotável filão, nas zonas que passaram a ficar desprovidas de estruturas de saúde, em resultado dos vários golpes-de-mão levados a cabo pelo traficante de serviço, ministro Correia de Campos.
Referem as notícias que são três os grupos privados, a que se juntam as Misericórdias, que estão a ultimar projectos, destinados a implantar unidades de saúde nas áreas deixadas vagas pelo recente encerramento de urgências, serviços de atendimento permanente e maternidades. Acrescente-se que as Misericórdias têm sido das entidades que mais têm militado por virem a complementar ou substituir a rede de serviços de saúde pública, em permanente declínio. Como é óbvio, os preços praticados pelas unidades de saúde privadas, não terão comparação com as muito contestadas taxas moderadoras de 15 euros, instauradas pelo actual governo, sobretudo nas urgências, onde não há lugar a qualquer comparticipação. Consuma-se, assim, o que alguém em tempos insinuou: quem quiser saúde, compra-a! Porém, este caso é mais grave: depois de sermos tributados em impostos, que era suposto suportarem, entre outros, os serviços de saúde pública, e por ausência destes, se temos que recorrer aos serviços privados, é fácil de concluir que, no caso particular da saúde, estamos a pagar a dobrar.
De forma directa ou indirecta, também os bancos estão envolvidos neste assalto ao filão da saúde, e para dissimular e branquear o óbvio conluio que se estabeleceu entre o governo e os grupos privados, insistem estes em dizer que já vinha de longe a sua intenção de investirem na área da saúde, mesmo antes de o governo ter anunciado os encerramentos agora verificados. É evidente que não cabe na cabeça de ninguém que os privados se preparavam para entrar em concorrência directa com os serviços públicos, às cegas e sem garantias seguras de sucesso, como se de uma lotaria se tratasse. Na verdade, a intenção do governo de se demitir de garante da saúde pública já vem de longe, e apenas se aguardava que aquele batesse em retirada para que os grupos privados viessem ocupar o terreno agora deixado vago.
Ao demitir-se da sua obrigação constitucional de garantir aos portugueses um Serviço Nacional de Saúde, pago pelos nossos impostos e tendencialmente gratuito, isso é razão suficiente para se poder afirmar, sem receio de errar, que este governo não foi feito para governar o país, mas sim para favorecer e ajudar os “outros amigos” a sugarem esse mesmo país.

A Taluda

A
As notícias foram frias e contundentes, dizendo simplesmente que o governo decidiu entregar à “dinâmica” da iniciativa privada a gestão de 600 milhões de euros (120 milhões de contos), provenientes de reservas públicas da Segurança Social, as quais foram geridas, até agora, com resultados muito positivos, pelo Instituto de Fundos de Capitalização, logo, não se percebendo, no imediato, as razões desta súbita mudança (não sei se estão a perceber…). É certo que esta medida vinha inscrita no programa de governo, mas dados os bons resultados apresentados pela gestão pública, era natural que a solução fosse suspensa. Mas não! Os favores em dívida falam mais alto e os “outros amigos” estavam na expectativa. Conclusão: saiu a taluda à iniciativa privada. Quanto aos portugueses, que continuam embriagados com as promessas e os espectáculos de ilusionismo do governo, vão continuar a acumular jogo branco.
Resumindo: José Sócrates e o seu governo do “socialismo moderno” entregaram a gestores privados de fundos de pensões, os descontos dos portugueses, seus concidadãos, não porque queira fazer mais um favor aos seus amigos da alta finança (nem pensar, era o que faltava!), mas porque entende que os portugueses devem ser estimulados, e já que perderam o desejo de correr riscos, e isso não é “competitivo”, devem sentir que alguém arrisca por eles, numa das mais prometedoras acções pedagógicas de que há memória. Nem que para isso, se tudo correr mal, tiverem que ir viver para debaixo do viaduto e alimentarem-se das ceias fornecidas pelos voluntários da caridade. Portanto, e salvo melhor opinião, o jogo da roleta tomou conta das economias que depositámos nas mãos do Estado, e que este governo achou por bem entregar aos tubarões-correctores dos fundos de pensões. Vou deixar aqui uma advertência: no futuro, e se algo correr mal, a roleta russa e o “jumping sem elástico” poderão vir a ser os desportos favoritos dos portugueses.

sexta-feira, março 16, 2007

Euros

E
Em 2003, num momento de entusiasmo, decidi conceber e esboçar um novo reverso para as moedas de 1 Euro. A figura dominante era um astrolábio náutico do século XV, símbolo das navegações e descobrimentos portugueses. Este foi o resultado dessa fantasia.
E

quinta-feira, março 15, 2007

Crítica Tardia

C
Eu quero aqui tirar o meu chapéu (ou barrete, tanto faz!) aos engenheiros que conceberam o absurdo e caótico traçado rodoviário do Parque das Nações, em Lisboa. Na verdade, porém, eles não são verdadeiramente os culpados. Admitindo que os erros e disparates são sempre susceptíveis de correcção, a culpa acaba por recair, integralmente, sobre quem aprovou e mandou executar aquela aberração.

Há 111 Anos...

H
"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta. […] Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provem que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro […] Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do País. […]A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas; Dois partidos […] sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, […] vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se malgando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar…"
Estas são palavras de Guerra Junqueiro, extraídas do seu opúsculo "Pátria", datado de 1896, já lá vão 111 anos e parece que nada mudou.

quarta-feira, março 14, 2007

Prodígios e Boas Intenções

P
O Prof. Vital Moreira, no seu blog “Causa Nossa”, apelidou de “prodígios de imaginação” a relação que Vasco Pulido Valente (VPV), na sua crónica do Público, estabeleceu entre a anunciada coordenação das forças policiais, o futuro cartão do cidadão e o documento único do automóvel, classificando-os como aperitivos ou condimentos de um proto-estado policial.
Não possuo dons de previsão ou visão estroboscópica para dizer que VPV tem carradas de razão ou entrou em delírio, mas a vida ensinou-me que nem sempre o problema está no excesso de imaginação dos comentadores, mas sim na demasiada displicência, entusiasmo e credulidade, com que abordamos algumas medidas que era suposto visarem a “modernização” ou “reforma” das sociedades, e que acabam por dissimular outros objectivos, bem menos respeitáveis.
Diz o ditado que de boas intenções está este mundo cheio, e também continua a ser verdade que a prudência, que muitas vezes é confundida com pessimismo, outra coisa não quer dizer senão que o gato escaldado de água fria tem medo. Nunca me dei mal com o princípio que nos aconselha a reflectir atentamente, quando há demasiadas coincidências e poucas evidências. Por isso, há certas opiniões que a prudência me aconselha, não digo que a subscrever, mas a não subestimar.

terça-feira, março 13, 2007

O Intendente Pina Manique

O
O governo apresentou um novo modelo integrado de gestão das informações recolhidas e das investigações efectuadas pela PSP, GNR, PJ e SEF, que passará a ser detida por um secretário-geral para a segurança interna (SGSI), figura essa que passará a reportar directamente ao primeiro-ministro. No entanto, para além destas competências, que visam fundamentalmente as áreas que dizem respeito à segurança interna, um outro tipo de rastreio começa a ganhar forma, e que tem a ver com uma multiplicidade de cruzamentos de dados, com origem nas mais diversas instituições, e que terá por finalidade última, traçar um perfil dos cidadãos, até ao mais ínfimo pormenor. Está convencionado que os funcionários públicos irão ser as cobaias deste novo sistema, mas é mais do que evidente que o objectivo será, a curto ou médio prazo, estender este tratamento a toda a população portuguesa. O jornal Público avaliou, sistematizou e pormenorizou os aspectos desta complexa e preocupante operação de devassa da vida dos cidadãos, a qual se transcreve a seguir:
D
Dados a cruzar:
- Identificação e cadastro contributivo das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, DGITA e IIES;
- Nacionalidade, residência e estado civil das bases de dados do Ministério da Justiça;
- Benefícios sociais das bases de dados da CGA, ADSE, ADM, SSMJ, SAD da GNR e da PSP, ISS e IIES;
- Vínculo laboral com a administração pública da base de dados da DGAP, do ISS e do IESS;
- Rendimentos da base de dados da DGITA;
- Património mobiliário e imobiliário sujeito a registo das bases de dados do Ministério da Justiça;
- Situação escolar dos alunos, relativamente à frequência e aproveitamento;
- Obrigações acessórias, designadamente, início, reinício, alteração, suspensão e cessação da actividade, das bases de dados da DGITA, ISS, IESS e Ministério da Educação.
B
Bases de dados a serem cruzadas:
- Subscritores, pensionistas e outros beneficiários da Caixa Geral de Aposentações (CGA);
- Beneficiários da ADSE;- Beneficiários da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM);
- Beneficiários dos Serviços Sociais do Ministério da Justiça (SSMJ);
- Beneficiários da Assistência na Doença (SAD) ao pessoal da GNR e da PSP;
- Funcionários públicos e agentes administrativos da Direcção-Geral da Administração Pública (DGAP);
- Identificação dos contribuintes fiscais da Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros (DGITA);
- Identificação civil, residência de estrangeiros e registo predial e automóvel, do Ministério da Justiça;
- Contribuintes e beneficiários do Instituto da Segurança Social (ISS) e do Instituto de Informática e Estatística da Solidariedade (IIES).
Q
Quem começa por ter acesso:
- Todas as "gestoras" das bases de dados referidas anteriormente;
- Direcção-Geral das Contribuições e Impostos;
- Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo;
- Inspecção-Geral de Finanças;
- Instituto da Segurança Social, nomeadamente através do Centro Nacional de Pensões;
- Centro Nacional de Protecção contra os Riscos Profissionais;- Solicitadores de Execução.
C
Como alguém disse, e muito bem, “de cada vez que alguém, fala do levantamento do sigilo bancário para combater a fuga ao fisco, com muito mais garantias legais e de defesa dos direitos dos cidadãos do que esta proposta, cai o Carmo e a Trindade. Perante esta inacreditável proposta instalou-se o silêncio.” Silêncio esse, cortado aqui e ali, por opiniões nem sempre convergentes. Se formos a analisar bem o que atrás se transcreveu, quem tiver acesso a este tipo de informações, será sempre alguém que, para o bem ou para o mal, passa a deter um poder imenso. No entanto, dizem algumas pessoas, naturalmente optimistas, que a utilização incorrecta ou abusiva daquelas informações, cairá sempre sobre a alçada fiscalizadora da Assembleia da República, acção fiscalizadora essa que, como é sabido, nem sempre é levada a cabo com rigor e isenção, por força da distribuição das forças políticas, e respectivas lealdades a elas associadas, como foi o caso dos famigerados voos secretos da CIA. As conclusões das comissões parlamentares não são vinculativas, e nada impede que quem lá vai depor minta descaradamente ou diga que não sabe de nada. Além disso, para a exequidade e eficácia das instituições políticas, apenas são desejáveis os modelos que acautelem, em toda e qualquer situação, a ocultação da verdade, a proliferação dos excessos ou das más práticas, e não aqueles que se limitem a remediar efeitos ou a censurar comportamentos.
Diogo Inácio de Pina Manique, foi o intendente geral da polícia, durante o reinado de D.José I e da governação do ministro Marquês de Pombal. Referem os livros de História que aquele homem, detentor de uma autoridade quase tão absoluta, quanto a do rei e do seu ministro, foi grande perseguidor dos liberais, dos adversários do Marquês e da sua política baseada no despotismo esclarecido, os quais eliminava friamente, sem contemplações e sem olhar a meios. Só nos faltava que a “modernidade” e “boas práticas” que José Sócrates insiste em imprimir à sociedade portuguesa, não nos esteja a fazer recuar no tempo, a módica bagatela de 250 anos.

segunda-feira, março 12, 2007

Crimes de Algibeira

C
O novo Código Penal, prevê que os pequenos crimes, nomeadamente pequenos furtos, danos e burlas simples, como a subtracção de produtos de estabelecimentos ou o vulgar assalto de rua, de valor até 96 Euros, deixem de ser considerados crimes públicos e passem a ser classificados como crimes particulares. Chama-se a isto “descriminalização encapotada”. Assim, o lesado, tenha ou não recorrido à intervenção policial, caso decida incriminar o infractor, terá que pagar custas judiciais que andam à volta de 200 Euros, isto é, sensivelmente o dobro do valor patrimonial do fruto de crime, isto sem contar com os honorários que terá que desembolsar para ter a assistência de um advogado. Tal como já sucede com a emissão de cheques sem provisão, até 150 Euros, os quais deixaram de ser objecto de qualquer acção judicial, agora, ao implementar esta medida, o Estado pretende alargar o âmbito dos chamados “pequenos crimes”, desmotivando os burlados a apresentarem queixa, aliviando desta forma a pressão sobre os tribunais. O roubo de uma mala, uma carteira, um relógio, um telemóvel, um anel ou fio de ouro, vão passar a ser actos fúteis, comparáveis ao puro extravio desses bens, e para os quais passa a ser irracional e antieconómico apresentar queixa. Como é natural, os principais lesados serão sempre as pessoas mais humildes e de menos posses.
Num país em que ser corruptor activo ou passivo, roubar à descarada ou locupletar-se com o que não lhe pertence, se tornou uma banalidade, manchando as próprias instâncias da justiça, é compreensível que o governo queira adaptar o Código Penal aos novos tempos, realidades e mentalidades (se assim não fosse não estaria à altura do dito “socialismo moderno”), adoptando, para o efeito, a sabedoria do Manual Prático do Major e da Santa de Felgueiras, onde se diz que devemos partir o bolo em fatias grossas e fatias fininhas, para que ninguém fique de fora. As grossas são para nós, a nata, os líderes e os dirigentes, e as finíssimas, mais as migalhas, revertem para a “maralha” que, mais ou menos saciada, para a próxima lá estará a gritar a plenos pulmões e a votar outra vez em nós. O Estado, como bom aprendiz, assim faz: tanto na grande como na pequena criminalidade, o que é preciso é dividir o bolo da justiça, democraticamente, em partes muito desiguais. As fatias grandes são para os processos dos graúdos, lentos, pesadíssimos, arrastadões e que acabam em prescrição ou absolvição, por falta de tempo ou de provas. As fatias fininhas, são para os crimes de algibeira, alguns deles que, por serem tão corriqueiros, tão banais, são uma chatice e uma maçada, logo não devem chegar aos tribunais, caso contrário corriam o risco de os entupir. Para isso, basta que deixem de ser considerados crimes, e a ladroagem, vendo o furo, multiplicar-se-á como chinchilas e irá tomar conta de nós, até ao suspiro final. Se eu levar a cabo, por dia, um pequeno furto até 96 euros, em teoria estão criadas as condições para arrecadar uma receita mensal de 2.880 Euros (579 contos), uma bela maquia para quem não for muito ambicioso ou exigente. Com a vantagem de não ser preso, nem condenado e estar isento de IRS. Como se pode ver, em Portugal as “boas práticas”, não discriminam ninguém; a partir de agora, o crime passa a compensar, seja ela a grande como a pequena criminalidade.

domingo, março 11, 2007

Registo de Ideias

I
“A única diferença entre um filme e a vida real é que um filme tem que fazer sentido.”
Joseph L. Mankiewickz (1909-1993), realizador de cinema americano.

“A estudocracia é uma forma superior de sistema político, na ditadura o ditador decidia porque os cidadãos eram ignorantes, na democracia os cidadãos falam do que sabem e do que não sabem, com a estudocracia os cidadãos não só estão dispensados de pensar como ainda são formados e informados por estudos encomendados para esclarecer todas as suas dúvidas. A estudocracia é uma forma superior de democracia, é uma democracia que consegue ter a virtude de dispensar os cidadãos do exercício da própria democracia.”
In blog O JUMENTO, em 2 Março de 2007

“Em Portugal, os poderosos exercem o poder com grande ciúme e ambição. Quem não tem poder, não tem poder mesmo nenhum.”
António Barreto, sociólogo e ensaísta

“Neste meio século [a RTP] reflectiu sempre servilmente o pior do país. Não deu o mais ligeiro contributo para a liberdade e a educação em Portugal. Pelo contrário, sufocou, censurou e suprimiu o Portugal inconformista e moderno. Não se devia comemorar. Devia chorar.”
Vasco Pulido Valente, in 50 ANOS DE RTP, jornal Público de 2007, Março 9

"Nunca quis dizer que os conservadores são na generalidade estúpidos. Quis sim dizer que as pessoas estúpidas são na generalidade conservadoras."John Stuart Mill (1806-1873), filósofo, economista e político inglês.

“Cada geração julga-se mais inteligente que a anterior e mais sábia do que a que vem a seguir.”
George Orwell (1903-1950), escritor britânico.

"Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas."
Christian:Heinrich Heine (1797-1856), poeta judeu alemão.

“Quando estamos em vias de morrer, toda gente nos venera. É revoltante!”
In filme “Duas Semanas Noutra Cidade”, de Vincente Minnelli, 1960

“Aparentemente, ninguém acha estranho (ou sequer levemente suspeito) que o Presidente [Cavaco Silva] nos queira obrigar, através de “procedimentos administrativos claros”, a trocar o almoço pelo ginásio e o conforto do sofá pelo esforço de uma corrida diária.”
Constança Cunha e Sá, in “A Religião do Estado”, jornal Público de 2007 Fevereiro 9

“A História serve para descobrir entre muitas coisas falsas algumas que parecem verdadeiras.”
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, escritor e político francês.

“Vive como se morresses amanhã. Aprende como se vivesses para sempre.”
Mahatma Ghandi (1869-1948), activista político e pacifista indiano.

«Não há nada mais precioso do que a liberdade e a independência.»
Frase de Ho Chi Minh (1890-1969), ex-Presidente do Vietname, inscrita no seu mausoléu, em Hanói.

"Every government has a clown" o que em português quer dizer “todos os governos têm o seu palhaço.”
John Caldwell Calhoun (1782-1850), filósofo e político norte-americano.

sexta-feira, março 09, 2007

Zé do Telhado, bonzinho ou mauzinho?

Z
Um grupo de reputados historiadores, na sua maioria professores catedráticos, subscreveu um documento em que se insurge contra o programa televisivo OS GRANDES PORTUGUESES, da lavra da RTP (canal público, pago com o dinheiro dos contribuintes), a qual resolveu levar a concurso e a votos, entre os portugueses, um punhado (são 10) de outros tantos portugueses, “aqueles, que por obras valerosas se vão da lei da morte libertando”. Parece que a RTP não conseguiu encontrar melhor forma de festejar o seu 50º. Aniversário. Assim, arranjou um lote de “celebridades”, neste caso advogados, e tantos quantos os “finalistas” a concurso, para que cada um deles se encarregasse de fazer o panegírico e a defesa do seu “cliente”, como se de um tribunal da História se tratasse. Os nossos “egrégios avós”, foram assim apresentados ao público, com as seguintes imagens de marca:

D. Afonso Henriques, bom rei ou mau filho?
Álvaro Cunhal, solidário ou totalitário?
Aristides Sousa Mendes, consciente ou desobediente?
Luís de Camões, poeta ou aventureiro?
D.João II, visionário ou torcionário?
Fernando Pessoa, inspirado ou alienado?
Infante D.Henrique, empenhado ou interesseiro?
Marquês de Pombal, iluminado ou sanguinário?
Oliveira Salazar, ditador ou salvador?
Vasco da Gama, descobridor ou corsário?

Como se pode ver, as figuras históricas finalistas são definidas através de dois juízos morais simplistas e contraditórios, que assim, sem mais, nem menos, acabam por induzir o português menos atento, a classificá-las daí para a frente, segundo aqueles parâmetros. Tal como diz o historiador Fernando Rosas, “a redução da História a estas dicotomias é a anulação da própria História”, e tal como outros académicos historiadores e investigadores têm vindo a dizer, D.Afonso Henriques não é comparável com Aristides Sousa Mendes, nem Fernando Pessoa com D.João II, exactamente pelas mesmas razões que o banqueiro Champalimaut não é comparável com o Padre Américo. As figuras da História de Portugal não são escrutináveis, no sentido em que se possam colocar em competição directa, como qualquer sabonete ou detergente. Entretanto, e para piorar, os curtos documentários que foram produzidos, sofrem, quase todos, todos do mesmo mal. Também as grandes figuras da história portuguesa, como qualquer mortal que se preze, foram pessoas com virtudes e defeitos. É compreensível que quem se propôs defender o seu cliente, e porque está em competição, se sinta tentado a superlativar as virtudes e a rarefazer os defeitos, falsificando assim a mais elementar verdade histórica.
No meio disto tudo vêm alguns pândegos que trabalham para a RTP debitarem as suas razões e teorias. Dizem uns que este concurso, a exemplo do que aconteceu no estrangeiro, tem o seu êxito garantido, não tendo outras pretensões senão a de ser comunicação pura e entretenimento, enquanto outros avançam que a grande preocupação foi a de “projectar juízos morais sobre as personagens”, de forma a transformar essas figuras em “objectos de disputa”. Vocês estão perceber a coisa, não estão? Já havia objectos de culto, agora passou a haver também objectos de disputa. É obvio que por detrás disto tudo está a tirania das audiências, a competição desenfreada entre canais, onde vale tudo. A competição entre figuras históricas não passa de um pretexto, um móbil. Por elas, as tais audiências, tudo se faz, mesmo cometer a maior das barbaridades, como seja confundir História com concorrência entre figuras históricas, cuja única afinidade que mantêm entre si é o facto de serem portugueses. Tal como reza o documento subscrito pelos historiadores, “A História de Portugal, nas suas complexidades e contradições, nas suas grandezas e misérias, seguramente merecia outra coisa.”.

quinta-feira, março 08, 2007

Resultados Mínimos

R
Os senhorios e inquilinos ignoraram a nova lei do arrendamento urbano (NRAU, vulgarmente conhecida por lei das rendas), que o governo fez aprovar há um ano, a qual introduzia novos direitos e deveres, tanto para senhorios como inquilinos. A referida lei, que tinha a pretensão de abranger um universo de 390.000 contratos de arrendamento, até à data, apenas resultou em 3 (três) acordos, sendo tão insignificante adesão, prova bastante do desinteresse generalizado, tanto dos inquilinos como dos proprietários, logo, não se tendo cumprido nenhum dos objectivos estabelecidos pelo governo. Uma lei que pretendia tornar justo, apetecível e dinâmico o mercado de arrendamento em Portugal, promovendo também a renovação e melhoria do parque habitacional, acaba assim, com estes resultados mínimos, por provar a sua perfeita desadequação e ineficácia.

quarta-feira, março 07, 2007

Lavar e Durar

L
Tornou-se uma espécie de diversão, as idas do governo à Assembleia da República, para dar conta do que pretende fazer. O José Sócrates conta com isso, como se aquele exercício fosse a “piéce de resistance” de todos os espectáculos televisivos com que costumamos ser brindados, invariavelmente em todos os telejornais. O governo põe, Sócrates dispõe e o PS, na sua mansa cabotinice, ou aplaude ou faz interpelações parvas. Naquelas tardes Sócrates só discursa. Recusa-se a abordar ou debater assuntos sensíveis, em que a sua imagem possa sair prejudicada. Vai discorrendo sobre as matérias previamente agendadas, não responde a ninguém, deixando bem claro que venham as críticas que vierem, irá fazer o que muito bem lhe apetecer. Na verdade, o que ele está a fazer é a exibir-se para a comunicação social e, por consequência, a trabalhar afincadamente para as sondagens. Ele sabe que mesmo que nada faça, ou que tudo lhe corra mal, a sua popularidade manter-se-á intocável, porque é disso que este povo gosta: algum pão e muito circo!
O governo como não pode fazer todas as maldades que lhe apetece, e simultaneamente passar despercebido, vê-se na contingência de ter que fazer muito alarido, mais alarido do que aqueles que se lhe opõem. Por isso, se virmos bem, sobretudo nas televisões, os comentadores foram substituídos, na quase totalidade, pelos próprios políticos em actividade, o que quer dizer que deixámos de ter acesso a opiniões e comentários de pessoas descomprometidas com a área do poder. E como esses políticos não são suicidas nem masoquistas, o que habitualmente vemos e escutamos, são pedacinhos de propaganda muito bem cozinhados e servidos, sem desconfiarmos que nos estão a impingir gato por lebre. Depois da anestesia que foi a campanha do aborto, absorvendo toda a atenção dos meios de comunicação e dos portugueses, e deixando para trás todos os outros graves problemas do país, seguir-se-á a anestesia da presidência da União Europeia, e depois a narcose das eleições autárquicas, eleições europeias, etc., enquanto que os problemas estruturais do país, se não se agravarem, permanecerão exactamente na mesma. Com esta táctica, e mesmo que o país se afunde, Sócrates está para lavar e durar.

segunda-feira, março 05, 2007

Declaração de Bruxelas

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Nós, o povo da Europa, aqui afirmamos os nossos valores comuns. Não se baseiam numa só cultura ou tradição, mas assentam em todas as culturas que conformam a Europa moderna.
Afirmamos o valor, a dignidade e autonomia de cada indivíduo e o direito de todos à maior liberdade possível compatível com os direitos dos outros. Defendemos a democracia e os direitos humanos e procuramos para o maior desenvolvimento possível de cada ser humano.
Reconhecemos o nosso dever de cuidar de toda a Humanidade incluindo as gerações vindouras e a nossa responsabilidade e dependência da Natureza.
Afirmamos a igualdade de homens e mulheres. Todas as pessoas devem ser tratadas de igual forma perante a lei, independentemente de raça, origem, crença religiosa, idioma, género, orientação sexual ou capacidades.
Afirmamos o direito de todos a adoptarem e seguirem uma crença ou religião da sua escolha. Mas as crenças de qualquer grupo não podem ser utilizadas para limitar os direitos dos outros.
Defendemos que o Estado deve permanecer neutro em questões de religião e crença, sem favorecer nem prejudicar ninguém.
Defendemos que a liberdade pessoal deve ser combinada com a responsabilidade social.
Procuramos criar uma sociedade justa baseada na razão e na compaixão, na qual cada cidadão possa desempenhar plenamente o seu papel.
Defendemos tanto a tolerância quanto a liberdade de expressão.
Afirmamos o direito de todos a uma educação aberta e completa.
Rejeitamos a intimidação, a violência e a incitação à violência na resolução de disputas e defendemos que os conflitos devem ser resolvidos através da negociação e por meios legais.
Defendemos a liberdade de investigação em todas as esferas da vida humana e a aplicação da ciência ao serviço do bem-estar humano. Procuramos usar a ciência de forma criativa, não destrutiva.
Defendemos a liberdade de criação artística, valorizamos a criatividade e a imaginação e reconhecemos o poder transformador da arte. Afirmamos a importância da literatura, da música e das artes visuais e do espectáculo para o desenvolvimento e realização do ser humano.
25 de Março de 2007, no 50º aniversário do Tratado de Roma e da fundação da União Europeia.

Opemos, irmãos!

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A OPA da Sonae sobre a PT, bem como a do BCP sobre o BPI, têm sido grandes vedetas ao longo dos últimos meses. Só faltou mandar rezar missas e dizer, alto e bom som: - Opemos, irmãos! As queridas OPAS são primeira página da imprensa escrita e dos alinhamentos das televisões, fazem-se programas especiais, entrevistas, mesas redondas, quadradas e triangulares, traçam-se as biografias dos protagonistas, contam-se e recontam-se, exaustivamente, os mais insignificantes pormenores daquelas duas operações, como se a nossa vida estivesse por um fio, com a lâmina de um diabólico cutelo suspenso sobre as nossas cabeças, dependendo o cair ou não cair, sabe-se lá de quê. Na verdade, sempre ouvi dizer que fracassassem ou tivessem êxito, o seu resultado não iria contribuir, rigorosamente nada, para a felicidade dos portugueses (excepto para os que tivessem muitas acções da Sonae, da PT, do BCP ou do BPI), para o recuo do desemprego (antes pelo contrário), para o recuo do défice orçamental (nem pensar), para a recuperação económica e a convergência com a União Europeia (é nulo), nem concorrerá para que sejam abandonados os maus caminhos por onde os governos do país têm andado metidos.

domingo, março 04, 2007

A Carreira 28

A
Pela primeira vez na vida, aconteceu-me uma coisa inacreditável. Eu conto como as coisas se passaram. No dia 2 de Março, necessitei de deslocar-me da Portela de Sacavém para a Avenida Infante Santo, a mais uma consulta no Hospital da Cuf, e como sou adepto das “boas práticas” e avesso a usar transporte particular dentro de Lisboa, em dia de semana e em horários de trabalho, decidi recorrer, tal como o tenho feito das outras vezes, ao transporte público, e utilizar a carreira 28 da Carris, que faz o percurso entre a Portela e o Restelo. Eram 12h e 45m quando o enorme veículo articulado chegou, o motorista abriu a porta, comprei o meu título de transporte, e quando me preparava para ir escolher um lugar sentado, naquele veículo gigantesco, que apenas transportava meia dúzia de idosos, ouvi a voz do condutor, um rapaz com pouco mais de 20 anos, que ainda não tinha arrancado da paragem, fazer a seguinte pergunta:
- O senhor desculpe, mas agora nesta rotunda, sigo para a direita ou vou em frente?
Parei, olhei para trás, incrédulo, e foi a minha vez de perguntar, muito embora não houvesse mais ninguém por perto:
- Está-me a perguntar isso a mim?
- É sim, queira desculpar a maçada, mas a questão é que me enfiaram nesta carreira e eu desconheço totalmente o percurso, pelo menos até ao Cais do Sodré, respondeu o motorista, a exibir um ar muito encavacado.
Perfeitamente abismado com a situação, voltei a insistir:
- Então e quando o escalaram para esta carreira não informou que desconhecia o percurso?
- Claro que informei, só que me disseram que tinha que ser, e se tivesse dificuldades com o caminho, que fosse perguntando às pessoas…
Claro está que não me sentei para fazer aquela viagem. Ou ficava a dar uma ajuda ao jovem funcionário da Carris, ou desembarcava na próxima paragem e arranjava um táxi. Acabei por decidir armar-me em “bom samaritano”, instalei-me em pé ao lado dele e disse:
- Pois bem, pelo menos até à Infante Santo vai ter navegador. Agora aí na rotunda vai seguir em frente.
E assim foi. Fui dando indicação da localização das paragens, das faixas rodoviárias que devia seguir, orientei-o nos meandros de Moscavide, do Parque das Nações, na avenida Infante D.Henrique, no percurso pelas ruelas apertadas da zona de Chelas, onde é preciso ser muito experiente para fazer curvas com um veículo articulado, senão é o cabo dos trabalhos, e assim sucessivamente. Pelo meio daquela inusitada viagem, e como é compreensível, a velocidade do autocarro era muito abaixo da média habitual, e isso começou-se a reflectir-se na chegada às paragens, empanturradas de gente, a despejarem sobre o motorista todas as ameaças e reclamações, tanto possíveis como imaginárias. Por isso, além de navegador, também tive que fazer a minha entrada de animal feroz:
- Alguém que está a reclamar, quer vir aqui para o meu lugar? É que o motorista foi metido neste autocarro e não sabe o percurso desta carreira. Alguém quer vir até aqui dar uma mãozinha? Então, ninguém se oferece?
Fez-se silêncio. Apenas um operário já entrado em idade, veio até à frente e disse que estava ali para o que desse e viesse, menos conduzir o “machibombo”.
- Fique descansado que ninguém se mete consigo. Eu só saio na última paragem…
Finalmente chegámos ao entroncamento da avenida 24 de Junho com a Infante Santo, onde desci do autocarro.
- Boa tarde e muito obrigado pela ajuda, agradeceu o jovem condutor.
- Não agradeça, mas olhe que na viagem de regresso, sobretudo dentro de Chelas, o percurso não é exactamente o mesmo que agora fizemos. Por isso, arranje uma nova ajuda.
- Mais uma vez obrigado, voltou ele a repetir, antes de arrancar em direcção ao Restelo. Não sei como acabou a saga daquele jovem condutor da Carris. A minha acabou mal. A consulta que estava marcada para as 14 horas, porque cheguei atrasado uma hora, foi transferida para as 17 horas. E no regresso a casa, pelo sim, pelo não, acabei por vir de táxi.
Assim anda esta Carris, já entrada no terceiro milénio, e com comportamentos muito piores, do que se andasse em auto-gestão. Assim anda (ou desanda) a Carris, que gasta muitos milhares de euros a fazer a respectiva auto-promoção da excelência dos seus serviços, e publicidade aos benefícios de deixar o carro em casa e usar o transporte público, e depois oferece serviços, que podem tornar-se uma aventura pelo desconhecido, e com fim imprevisível.

sábado, março 03, 2007

Estreias e Reprises

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Rapsódia de Agosto
(Hachi-gatsu no kyôshikyoku)
1991 – Realização de Akira Kurosawa
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Baseado numa novela de Kiyoko Murata, Rapsódia de Agosto é um filme que explora as cicatrizes deixadas pelos ataques atómicos sobre o Japão, neste caso particular, sobre a cidade de Nagasaki, durante a Segunda Guerra Mundial. Uma Avó (Sachiko Murase num desempenho de antologia) já em fim de vida, sobrevivente da grande hecatombe, reconstrói as suas memórias (avivadas pela notícia da existência de um irmão ainda vivo em terras da América) para os netos ainda jovens, que com ela passam aquele Agosto, eles que não têm qualquer memória sobre aqueles trágicos acontecimentos. Quando a Avó diz que a culpa foi da guerra, ela já excluiu tanto os vencedores como os vencidos, do seu papel de protagonistas, deixando a guerra esvaziada, como uma carcaça abjecta que deve ser odiada e repelida. Deixa também uma mensagem fundamental: a vida só tem algum sentido quando as pessoas são capazes de abrigar e manter vivas as suas memórias, mesmo que esbatidas e reduzidas a simples significados. A sabedoria está em expurgá-las dos ódios e emoções que teimam em envenenar a vida e as relações humanas. Porém, os fantasmas daqueles dias de fogo, morte e horror continuam, muitos anos depois, a vir habitar o dia a dia da Avó. Só a sua bondade e o exorcismo dos rituais budistas, consegue cauterizar aquelas memórias dolorosas, mais aquele gigantesco e pérfido olho que continua a povoar os seus sonhos. Naquela quietude do ambiente rural, para cá das montanhas, que se perfilam no horizonte, tudo se apazigua. Para lá delas continua a existir uma Nagasasaki, agora reconstruída, porém, no espírito de quem viveu aqueles tempos de morte, será sempre uma Nagasaki mártir.
Apesar da sua bucólica simplicidade, este é um dos mais belos libelos pacifistas que conheço, e demonstra bem o grande humanismo de que as pessoas são capazes para perdoarem algo, sem contudo o esquecerem. É um hino à vida e ao respeito pela diversidade, quando se vê o carreiro das formigas a serpentear até à roseira, revelando a comunhão entre a natureza e a humanidade, postada ali mesmo ao lado, cumprindo um ritual budista. O filme consuma-se e consome-se com uma corrida debaixo dum inclemente temporal, encerrando uma controversa simbologia. Os jovens, gente deste tempo, apesar de correrem desenfreadamente, não conseguem alcançar a velha Avó, uma mulher sábia mas quase tonta e trôpega, sobrevivente de outro tempo, tão grande é o abismo anímico que os separa. O magistral Akira Kurosawa foi o realizador desta pequena, mas fundamental, obra-prima.
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Uma Verdade Inconveniente
(An Inconvenient Truth)
2006 – Realização de Davis Guggenheim
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É um documentário com a duração de 1 hora e 40 minutos, onde Al Gore, ex-vice-presidente dos E.U.A., defende a tese de que estamos à beira de grandes transformações ambientais, por força de termos edificado a nossa actual civilização, desrespeitando algumas regras básicas de convívio e respeito pela natureza. As ideias enunciadas são claras, escorreitas, bem fundamentadas e documentadas, apresentadas de forma convincente, por um orador muito bem preparado. Sem aprofundar os temas, aborda o que é essencial saber-se sobre o aquecimento global e as alterações climáticas daí decorrentes. Sem cair na ficção científica, o documentário é apropriado e provoca impacto, sobretudo junto da classe estudantil e das pessoas menos esclarecidas. No fim, apercebemo-nos de como é notória a distância colossal que ainda separa as boas intenções das boas práticas, sobre um tema que todos consideram angustiante, mas que alguns insistem em ignorar (caso dos E.U.A.), enquanto outros persistem em continuar a adiar a solução para o dia seguinte. Como aspecto negativo deste documentário, refira-se a inserção ao longo dos capítulos, de vários apontamentos que pretendem aflorar pormenores biográficos de Al Gore e a sua militância ecológica. É uma pequenina manobra, nada ingénua, que tem tanto de desnecessária como de decepcionante. Se Al Gore ambicionava um Nobel e um Óscar (este último já o conseguiu), o estratagema, sem desacreditar o mérito do trabalho, vem deixar uma ligeira mancha naquilo que poderia ter nota máxima.
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O Leopardo
(Il Gattopardo)
1963 - Luchino Viscinti
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Há filmes que não me canso de rever. O Leopardo, de Luchino Visconti, foi coisa que me fez salivar durante muitos anos, limitando-me a revê-lo nos fogos-fátuos que persistiam na minha memória, e de que só agora me consegui desedentar, com a recente edição em DVD. Baseado na obra homónima de Giuseppe Tomasi Di Lampedusa, descreve os momentos mais conturbados da vida de uma família da aristocracia rural siciliana, dando especial atenção ao seu patriarca, o Príncipe Don Fabrizio De Salina (Burt Lancaster). O tempo é o do Risorgimento italiano, ocorrido à volta de 1860, aquando do levantamento do guerrilheiro José Garibaldi, que conduziu à unificação italiana. Toda a Itália estava em ebulição, em mudança. Uma aristocracia proprietária, mas quase falida, perdia terreno para uma burguesia inculta, meia labrega, mas patriota, endinheirada e cheia de iniciativa. À desintegração das grandes famílias sucedia-se a ascensão das classes médias. O filme é marcado, desde o início, por uma frase que fica a latejar até ao fim: “algo terá que mudar para que tudo fique na mesma". Quer isto dizer que no turbilhão das revoluções, mudar a forma para que o conteúdo permaneça o mesmo, é sempre o desejo oculto de quem está na eminência de perder poder, regalias e privilégios. O príncipe De Salina, embora aristocrata, era um homem com ideias liberais, logo já não era propriamente um puro exemplar dos tempos antigos, mas também não estava preparado para aceitar as mudanças que aí vinham. As ancestrais fidelidades e a sua dignidade falavam mais alto. Estava na fronteira entre os dois mundos, um que sucumbia e outro que despontava. Vivia de corpo inteiro as rupturas políticas e a sua decadência como classe dominante. O oportunismo, a versatilidade e o disfarce eram atributos que não tinham lugar no seu modo de vida. Mas esses novos tempos, continuavam a necessitar do envolvimento da fidalguia, para assumirem uma imagem de credibilidade. Portanto, acenam-lhe com um compensador lugar de senador, que ele acaba por rejeitar. Não aceita fazer batota, logo não entra no jogo. Entre o desertar e ficar, escolhe ficar. Como ele próprio diz, aquele que foi leopardo não pode tornar-se chacal. A sua decência não tem preço, não é negociável. Toda a sua energia vai então convergir para retardar o seu próprio eclipse, estabelecendo laços familiares com a nova sociedade emergente, para o que promove o casamento do seu sobrinho Tancredi (Alain Delon) com Angélica (Cláudia Cardinale), a filha de um rico comerciante com ambições políticas. O baile de apresentação de Angélica à sociedade, é o corolário final do seu desencanto, a passagem de testemunho de um poder que já não lhe pertence. E aquela valsa em que ele rodopia nos braços da bela Angélica, não é mais do que a confrontação da frescura e juventude que desponta, com a sua velhice que se torna inevitável. Baile que na sua parte final, é a mais expressiva e clarividente imagem do declínio da alta sociedade, que dança, come, bebe, trocando cortesias e futilidades, numa patética exibição da sua perfeita inutilidade.
Pelo meio há muitos outros momentos únicos de cinema. Como a chegada e a recepção à família De Salina a Donnafugata, para a sua habitual estadia anual, os cumprimentos das forças vivas e a austeridade da missa, que é um autêntico fresco cinematográfico. Os sinais da cruz e as rezas do terço da beata princesa De Salina, entre duas carícias do príncipe. Os lamentos do príncipe, quando diz que tem sete filhos e nunca conseguiu ver o umbigo da mulher. O príncipe a aconselhar o padre a tomar um banho de vez em quando. A perseguição e o jogo de escondidas, recheado de volúpia e sedução, entre Tancredi e Angélica, pelas salas abandonadas do palácio. Os diálogos entre o príncipe e o padre, com este último a querer manter o seu ascendente no seio da família. Mais a rusticidade das pessoas, a atmosfera, o vento, o pó, as paisagens violentas, as sombras, as cores fortes, as transparências e a luz siciliana, tão envolvente e arrebatadora. Mais a banda sonora irrepreensível de Nino Rota. Mais os pincéis e a paleta de um Luchino Visconti, único na história do cinema. Como disse no início deste apontamento, há filmes que não me canso de rever.
Publicado em http://cinema.ptgate.pt/main.php

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Nós, os Milionários!

N
Elaborando falsos argumentos que depois são magistralmente explorados, o governo de Sócrates tem-se tornado um especialista em colocar portugueses contra portugueses, ao mesmo tempo que avança com promessas de corrigir o que, em seu entender, está mal. O exemplo mais recente desta táctica, tem a ver com a manobra de envolvimento que tem por finalidade considerar os Certificados de Aforro (CA), um tipo de poupança próprio de pessoas com grande poder económico, e que à custa do Estado possuem gordas carteiras desses certificados.
Acontece que num recente estudo realizado pela Associação Portuguesa de Consumidores e Utilizadores de Produtos e Serviços Financeiros (Sefin), os CA são considerados mais baratos que as obrigações e bilhetes do Tesouro e correspondem ao perfil do pequeno ou médio investidor, que pretende um produto seguro, de simples compreensão, que conjugue uma grande liquidez com o incentivo à poupança por períodos longos. Assim, acaba por ser um produto financeiro a que recorrem muitos idosos e reformados, para acautelarem as suas poupanças.
Ora o governo de Sócrates, na sua infinita sabedoria, não está nada de acordo com estas conclusões. Diz ele, baseado em não se sabe bem o quê, que os CA são o instrumento de dívida pública mais caro disponível em Portugal, já que metade do seu volume está concentrada em carteiras superiores a 100 mil euros, logo, os CA serão, por excelência, um investimento de ricos. E como este governo diz que não está disponível para andar a alimentar a gritante injustiça de andar a financiar a gula dos portugueses abastados, está a pensar seriamente em reduzir os seus encargos, cerceando as margens de remuneração do produto.
Tomem nota: a D.Quitéria, septuagenária e viúva, que lá vai conseguindo amealhar uns parcos tostões em CA, para que não precise de recorrer aos filhos ou aos netos, quando for altura de ir para o lar de idosos, é, na óptica deste governo, uma pessoa rica. O Sr. Albano, reformado da CUF, que há longos anos reverte sempre o subsídio de férias e mais algumas magras economias em CA, também é um abastado investidor. E todas aquelas pessoas de porte modesto, que vemos nas estações dos correios, seja a subscreverem ou a resgatarem umas poucas de unidades, para equilibrarem os seus acanhados rendimentos ou terem o seu pequeno devaneio, não passam de sôfregos agiotas a viverem à grande e à francesa, à custa do Estado, isto é, de todos nós. Em resumo, este governo de refinados malandrins, tenta convencer-nos que os CA são uma poupança injusta, porque dá altas rentabilidades a investidores com um perfil acima da média, logo, para além de só trazer prejuízos ao Estado, ainda andará a beneficiar os “ricos” em prejuízo dos “humildes”, estes sim, com quem o governo naturalmente se solidariza e deseja proteger. As razões para isto, são por demais evidentes: com esta manobra de envolvimento, desacreditação e emagrecimento dos CA, e do efeito psicológico que isso terá sobre os aforradores, o governo, astutamente, está a abrir caminho para que ocorra uma migração das poupanças, que hoje se encontram convertidas em CA, para outros produtos, sobretudo os disponibilizados pelos “velhos amigos” da banca privada. A indisfarçada promiscuidade a que se assiste, nos últimos tempos, entre o governo e a finança, pode muito bem ser a razão desta subtil e maquiavélica manobra.

O Ministro Filósofo

O
A notícia do DIÁRIO DE NOTÍCIAS, da autoria de Pedro Correia, não deixa dúvidas quanto ao rigor com que o ministro Correia de Campos, encara estas coisas da saúde dos portugueses. Passo à transcrição da notícia.
O
"Até o número de mortes por acidente de viação baixou, nos primeiros onze meses de 2005. Para isso terá contribuído o aumento do preço do combustível." Esta declaração de Correia de Campos, ao enunciar ontem as virtualidades do Serviço Nacional de Saúde, pretendia ser irónica. Mas não arrancou mais do que alguns sorrisos amarelos das pessoas que o escutavam na cerimónia de assinatura dos protocolos entre o Ministério da Saúde e seis municípios. "Este ministro é mesmo assim: tem um estilo que por vezes é descontraído de mais", comenta ao DN um deputado socialista, entre algumas farpas a Correia de Campos.
O
Isto que Correia de Campos disse não é uma piada de mau gosto (como a do ministro Borrego, há uns anos atrás, a propósito do alumínio e da hemodiálise), nem tão pouco um orgasmo intelectual; Correia de Campos é um filósofo nato, e aquilo que ele disse é puro exercício de lógica. A sua aquisição para ministro dos doentes, é uma mais-valia e o engenheiro Sócrates foi certeiro na sua escolha. Na minha modesta opinião, o que aquele senhor quis dizer, foi mais ou menos isto: Se passaram a haver menos mortes na estrada, pelo facto de os combustíveis terem ficado mais caros, natural será que as urgências hospitalares passem a ter menos trabalho, se forem deslocadas para mais longe dos doentes. Branco é, galinha o põe!

Olá Liberdade, Adeus Liberdade…

O
No Reino Unido, as autoridades voltaram a fazer grande alarido à volta de uma intervenção que fez abortar, dizem eles, mesmo à beira da sua consumação, mais uma intentona (ou terá sido inventona?) terrorista que desaguaria num atentado de grandes proporções (1). As razões do alarme adiantadas pela Scotland Yard, são tão vagas quanto imprecisas. As buscas e duas detenções que foram efectuadas em Londres e Halifax, no quadro da lei contra o terrorismo, baseiam-se na «suspeita de [os detidos] terem cometido, preparado ou instigado actos de terrorismo». Isto é mais do que suficiente para manter a pessoas a olhar, permanentemente, por cima do ombro e com o credo ao canto da boca. Antes disso, já em 9 de Janeiro, e também no Reino Unido, que neste momento parece ser o campeão das medidas e acções anti-terroristas, ultrapassando, em muitos casos, as medidas tomadas nos Estados Unidos, foi divulgado que o MI5, com a intenção de travar (ou terá sido de incentivar?) o pânico no seio das populações, vai passar a fornecer, via e-mail, informações especializadas sobre o terrorismo. Quem quiser receber informações sobre as alterações ao estado de alerta nacional, é condição essencial registar-se no site oficial daquela agência de informações. Ora vejamos: se a intenção da iniciativa fosse comportar-se como um verdadeiro serviço público (tal como o boletim meteorológico, as farmácias de serviço ou as cotações da bolsa), bastava disponibilizar a informação num site a isso dedicado. Ao exigir o registo e identificação do utilizador da informação, é óbvio que a intenção é espiar e controlar quem está interessado nela. Isto é tão evidente e elementar que até o sisudo e imperturbável Sherlock Holmes se teria sentido melindrado, por estarem a tentar profanar a sua inteligência, para já não falar da privacidade.
Propagar uma ideia persistente de terror, é meio caminho andado para instaurar o estado-de-sítio, e daí abrir caminho ao golpe de estado marcial vai apenas um pequeno passo. Mas atenção, os velhos métodos já não são apropriados, não porque tenham caído em desuso, mas sim porque isso apagaria umas sobras de liberdade e direitos que é preciso resguardar, para manter, junto do homem comum, as aparências de que a democracia continua de pedra e cal. Assim, tudo isto pode ser feito, passo a passo, quase sem disso nos apercebermos. Se perdermos todos os dias mais um bocadinho de direitos, liberdades e garantias, chegaremos onde eles querem, quase sem disso nos apercebermos. O objectivo é o mesmo, só que o caminho para lá chegar é mais longo, mais subtil e menos traumático.
O propósito é transformar a sociedade numa estrutura de vigilantes, informadores e denunciadores, convencendo-os que estão a desempenhar uma função eminentemente patriótica, social ou ético-moral, com o objectivo final de transformar o cidadão num ser humano obediente, condicionado, avesso à reclamação, com medo e horror à indignação e contestação, confundindo o inconformismo com transgressão da ordem estabelecida, subversão, e em última análise, com terrorismo. Hoje, tal como em épocas mais sombrias da história da humanidade, as denúncias anónimas são bem-vindas. Para chegarmos a este estado de coisas, basta que nos convençam a trocar tantas fatias de liberdade, por outras tantas da tal segurança, que eles nos querem fazer crer que está ameaçada.
Iremos passar a ter, a muito curto prazo, qualquer coisa como um BIDU (Bilhete de Identidade Único), sem o qual não poderemos dar o mínimo passo, caso contrário começamos a pisar os terrenos da suspeição e da ilegalidade (2). Através de terminais apropriados, ele funcionará como um vulgar Multibanco, mas o que é verdadeiramente importante é que nos manterá permanentemente ligados a uma base de dados, que registará, logo controlará, todos os nossos passos, para confirmar a nossa identidade em compras, sejam elas a crédito ou não, no acto de votar, em operações STOP, acções judiciais, acções notariais, ir aos correios para levantar uma carta registada, ir ao médico, à farmácia ou ao hospital, abrir conta bancária ou na internet, entregar candidaturas de toda a espécie, ou até mesmo a requisição de um simples passe de transporte, isto é, tudo onde seja preciso ter que se provar a identidade. Por outras palavras, este proficiente e multifuncional BIDU, que noutras circunstâncias poderia ser um desburocratizante sistema de simplificação da cidadania, à luz das condições e circunstâncias em que o querem implementar, irá tornar-se um instrumento de controle e vigilância totalitária dos cidadãos.
Já hoje já se consegue reproduzir o percurso de qualquer pessoa, seguindo o rasto deixado pelo telemóvel que transporta consigo, os terminais Multibanco que vai utilizando aqui e ali, e agora ainda com mais eficácia e rigor, desde que o vulgar cidadão passou a dispor de equipamentos de GPS no seu automóvel e nas mais recentes gerações de telemóveis. Isto para não falar na densa constelação de câmaras de vigilância que nos espreitam lá de cima, como sentinelas de uma grande penitenciária, ou o uso da Internet e do correio electrónico que ajudam a traçar o nosso perfil, gostos e preferências. Julgamos que temos connosco apenas objectos e instrumentos de grande utilidade, o tal grande passo em frente da civilização e do progresso, quando afinal também trazemos pequenos delatores que vão denunciando todos os nossos passos. Eis o “admirável mundo novo” que nos vai cercando um pouco por todo o lado, o “big brother” que nos espreita a todo o momento, policiando todas as nossas acções.
Depois do Congresso dos EUA ter engavetado, sem cerimónia, a “Bill of Rights”, banindo a figura de “habeas corpus”, permitindo assim que se enclausure num lugar esconso todos os supostos suspeitos de terrorismo e outros “indesejáveis”, ao mesmo tempo que era posto em vigor o “Patriot Act”, depois do Reino Unido ter aprovado em Março de 2005, o “Prevention Terrorism Act” e a União Europeia ter posto a funcionar o polémico “Mandato de Prisão Europeu”, tudo é de esperar, e depois de tiradas as respectivas medidas, não será certamente nada de bom.
Tudo isto nos leva a concluir que os políticos e ideólogos que leram o “1984” de George Orwell, o “Admirável Mundo Novo”de Aldous Huxley e o “Fahrenheit 451”de Ray Bradbury, acharam que aquelas ficções, embora estivessem no bom caminho, ainda deixavam muito a desejar, e então, sub-repticiamente, passo a passo, têm vindo a pô-las em prática, com ligeiras variantes. A coberto do lento aperfeiçoamento de um estado totalitário de fachada democrática, e desculpando-se com uma “globalização” que parece ter surgido de parte nenhuma, mas que na realidade corresponde a um projecto bem planeado de dominação planetária, estamos a ver as tais ficções, que há décadas atrás ainda pertenciam ao reino do utópico, serem paulatinamente integradas na realidade que nos cerca, perfilando-se como sérias e efectivas ameaças à liberdade. São apresentadas como factores de progresso tecnológico, cujo primeiro objectivo é proporcionar-nos benefícios, felicidade e bem-estar, mas o que de facto está a acontecer é que, a par disso, estamos a ser narcotizados com muitas “realidades virtuais”, andamos a ser controlados, nos mínimos gestos, passos, gostos, opiniões e opções. E quem tem um controlo deste género, tem o poder. Um poder imenso e absoluto.
Notas -
(1) – O surto da gripe das aves H5N1, ocorrido em Ipswich, Suffolk, acabou por relegar para segundo plano, mais esta regular operação de aterrorizamento das populações do Reino Unido. No entanto, também há quem diga (teorias da conspiração?) que a sobreposição dos dois acontecimentos, foi milimétricamente concertada e coordenada, para que os dois pavores coexistissem, cada um deles com os seus destinatários próprios.
(2) – Ao contrário de muitos outros países, que sempre prezaram a privacidade e rejeitaram o controle apertado dos cidadãos, próprios dos regimes totalitários, rejeitando serem identificados através de um número de cidadão, em Portugal, o bilhete de identidade foi criado em 1907 e generalizado o seu uso a partir de 1913. Persistiu até à actualidade, sobrevivendo à própria restauração da democracia, em 25 de Abril de 1974. Com um século de existência, tornou-se um elemento tão banal quanto enraizado na sociedade, daí o ser vulgar dizer-se que a existência do português é impensável e inseparável do seu bilhete de identidade, e a sua não renovação, constitui uma falta que conduz ao bloqueio de todo o processo burocrático e ao exercício pleno da cidadania.