terça-feira, fevereiro 07, 2006

Notícias do Choque


Ao mesmo tempo que constou que uma delegação portuguesa teria sido recebida no MIT, e sabendo-se que o governo era o impulsionador da possível parceria, logo parte interessada nestas diligências, devendo mesmo chefiá-las, ficámos perplexos por aquela não integrar um único representante governamental. Laconicamente, fomos informados que tais contactos continuam apenas a nível exploratório, que é o mesmo que dizer, que os preclaros e ocupadíssimos ministros desta parvónia têm mais que fazer.
Entretanto, o governo colou-se sofregamente à vinda de Bill Gates (um gestor implacável) a Portugal, esforçando-se por envolver e associar o patrão da Microsoft ao nosso conturbado Plano/choque Tecnológico, tão necessitado de credibilidade, nem que fosse à custa de pomposos espectáculos mediáticos, protagonizados por uma pindérica força de intervenção ministerial (o que talvez justifique a ausência do governo na delegação junto do MIT) e condecorações à mistura. Bill Gates é uma personagem controversa, que tanto venera Leonardo da Vinci (um estudioso e prolífico espírito da Renascença, multidisciplinar, inventivo e inovador), com quem se identifica, dando prioridade à frutificação das aptidões e competências, como elimina, sem compaixão e com audaciosa alma florentina, os seus adversários e concorrentes, usando e abusando da sua posição dominante. Porém, através da fundação que gere com a sua mulher, também é capaz de partilhar a sua imensa fortuna em projectos filantrópicos que pretendem erradicar doenças e epidemias, nas zonas mais fustigadas do planeta. Mas sempre que as oportunidades de negócio se oferecem, sempre que as “janelas” se abrem, não deixa os créditos por mãos alheias, indo tão longe quanto possível, não cedendo um palmo dos “territórios” conquistados, nem mesmo quando fica a braços com acções judiciais, acusando-o de práticas monopolistas, que secam tudo à sua volta. Numa área que exigia a ponderação de soluções alternativas (que já existem) ao domínio planetário da Microsoft, e uma prudente diversificação de opções, o governo, deslumbrado com a presença do homem mais rico do mundo, não pensou duas vezes. Entregou-se de olhos fechados e com um sorriso parolo nos braços do “mago” de Seattle. Resumindo: Bill Gates, como implacável homem de negócios que é, não vem dar nada a Portugal, tendo-se limitado a estabelecer protocolos e acordos para que a sua empresa ministre a tão desejada formação em tecnologias de informação, de que o país carece, passando depois a usufruir das dependências instaladas e recolhendo os respectivos lucros.

sábado, janeiro 28, 2006

Porque Será?


Porque será que tantas pessoas, desde ministros, secretários de estado, economistas, comentadores e jornalistas, quando se referem às iniciativas que vão sendo tomadas, para supostamente desenvolver o país, optam sempre por falar em APOSTAS, quando o que precisamos são de PROJECTOS?
Será isto alguma deformação provocada pelo sucesso do Euromilhões?

quinta-feira, janeiro 26, 2006

Sete Quadras


À porta da igreja matriz
Dizem que estamos de tanga
Chega o padre mais o juiz
Mandam tocar a charanga

Vem depois o regedor
Logo atrás a meretriz
Vem disfarçado o cantor
Mais o ministro e a actriz

À sombra da igreja matriz
Todos esperam um milagre
Dizem o barbeiro e o petiz
Que o vinho virou vinagre

Toca o sino rezam as gentes
Anda tudo aos encontrões
Pede-se chuva entre dentes
E mais uns quantos tostões

No fundo da igreja matriz
Há três poços de ilusões
Só que estar bem e feliz
São sonhos do euromilhões

Cantam-se ave-marias
Já lá vem o sacristão
Racha lenha o Malaquias
P’ra trocar suor por pão

No adro da igreja matriz
Dizem que estamos de parra
Pois se isto não é um país
Talvez seja a grande farra

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Os Medos


Em 1955, no rescaldo da guerra da Coreia e da sanha “macartista”, quando ainda vinha longe a guerra do Vietname, e outros tantos conflitos em que os EUA se envolveram posteriormente, o economista brasileiro Olympio Guilherme, no seu livro intitulado “URSS & USA”, escreveu algumas curiosas linhas sobre a mentalidade do povo norte-americano, as quais passamos a transcrever:

“Nos Estados Unidos tive a impressão de que o medo domina quase todos os espíritos. Paira no ar uma nuvem negra de temores e apreensões. O americano de hoje vê fantasmas em toda a parte, pressente a aproximação de um desastre que pode estoirar amanhã, hoje mesmo, talvez daqui a instantes. É o complexo de Pearl-Harbour. Ninguém confia em ninguém. Quando se fala sobre a Rússia, no meio de uma palestra em que a referência surge naturalmente, como uma consequência lógica do raciocínio, todo o mundo baixa a voz ou se cala, entreolhando-se com suspeita mal disfarçada. Há delatores em cada canto. A Rússia passou a ser um tabu, sobre o qual não se discute a não ser para repetir, com ênfase mecânica, os chavões cediços da propaganda estereotipada, que acabou por envenenar todo um povo sensível à sua influência e sem a necessária cultura para possuir qualquer dose de discernimento sobre assuntos de política internacional, muito acima da sua compreensão (…) Essa campanha conseguiu infiltrar-se, até, entre os espíritos mais esclarecidos, e, com raras excepções, entre a sua “elite” mais culta, onde estabeleceu confusões sumamente desastrosas para o equilíbrio da orientação que essas mesmas “elites” são chamadas a imprimir na opinião pública”.

Já correram 60 anos sobre estas palavras, no entanto, elas mantêm-se tão válidas e actuais como se tivessem sido redigidas ontem. Para que isso seja apreendido, basta substituir, respectivamente, as expressões Pearl-Harbour por 11 de Setembro, e a Rússia pelo Islão, provando que o povo americano, de lá para cá, aprendeu muito pouco, continuando a deixar-se manipular por quem realmente beneficia com os medos e papões que são largados à solta.

segunda-feira, janeiro 23, 2006

Formas de Vida


A vida é um processo tão bizarro, inesperado e interminável, e são tantas as suas formas, que é como se tivéssemos apenas o conhecimento de um único grão de areia, entre todos os que existem nos vastíssimos areais do universo.

A Luz e o Abismo


José Sócrates não procura o diálogo nem os consensos. Já era conhecida a sua propensão para o autoritarismo, e ele próprio, em entrevistas, já se havia classificado com “um animal feroz”, denunciando um perfil de intransigência e agressividade. Prefere a via da confrontação, afrontando tudo e todos, abrangendo uma larga faixa que vai da administração pública, até ao sistema judicial, polícias e militares, mas deixando com livre-trânsito quem continua de facto a contribuir para a depauperação do país. Por outro lado, e frente às dificuldades que parece estar longe de controlar, escolheu injectar o pânico no subconsciente das pessoas. Que melhor remédio haverá para calar as vozes da indignação e fazer recuar os espíritos rebeldes, do que ameaçar com um futuro negro, um abismo ao virar da esquina, em consequência da perspectiva de falência, a curto prazo, da segurança social?
Levando à prática o que Durão Barroso e Santana Lopes nunca se arriscaram a materializar, vamos ser brindados com a versão envergonhada de um novo modelo de bloco central, com o poder partilhado entre um governo liderado pela facção “tatcherista” do PS, e uma presidência de direita do PSD/PP, suportada pelos grandes interesses económicos e financeiros, afinal, com objectivos não tão distantes e inconciliáveis, como poderá parecer à primeira vista. Longos e tristes dias se avizinham!
Embora noutro estado e com outros cambiantes, mantêm-se os vícios e aberrações da má governação. De paixões e promessas irrealizadas, passando por pântanos e tangas, temos tido de tudo. Ao desvario circense de um Santana Lopes, sucede-se a deriva prepotente de José Sócrates, disparando em todas as direcções, sem alvos prioritários nem uma estratégia que liberte o país do amplexo que o mantém na senda do declínio.
Onde muitos vêem a determinação que tem faltado aos políticos, eu vejo uma determinação que faz recair sobre os justos a factura de governações despropositadas, avulsas e sem profundidade. Em todo o aparelho de estado e da administração pública continua a imperar (agora com outras cores) a falta de decência e transparência, a anarquia e redundância nas competências, as estruturas inoperacionais, a organização disfuncional e a epidémica ausência de responsabilização.
Quem ouve falar os ministros da cultura, da economia, da agricultura e pescas, e mais uns quantos secretários de estado, logo percebe porque se diz que continuamos a “arrastar a quilha pelo fundo”. Debitam umas quantas alarvidades, banalidades e lugares comuns, enunciam um punhado de “apostas” para tirar o barco do atascanço, garantem que vão “tomar medidas”, dizem umas mentiras pelo meio e desandam de peito inchado, convencidos que a missão ficou cumprida e que já se vê a luz ao fundo do túnel.
Na verdade, os vícios de uma governação que navega à vista, mais as derivas de um orçamento despótico e canibal, continuam a fazer recair sobre os contribuintes e os trabalhadores, a responsabilidade de equilibrar, o que outros insistem e persistem em desequilibrar. São muitos os políticos que se acotovelam para propagar a ideia, transformando-a em verdade absoluta, de que o país está mal e não descola da crise endémica em que se arrasta há anos, porque os trabalhadores têm regalias a mais, descansam demais, têm protecção a mais, e espante-se, até talvez ganhem demais. É altura de os cidadãos começarem a perceber que, para além de serem os amortecedores e únicos pagadores de tudo o que de bom e mau, se faz e não faz no país, também continuam a ser os “bodes expiatórios” por excelência, de todos os males e fantasias congeminadas por uma casta de governantes de terceira escolha, incapazes de gerir a sua economia doméstica, quanto mais um ministério ou o país.
Mantendo-se incólumes as estruturas corrompidas, decadentes e inoperativas, mantendo-se os compadrios e intocadas as incompetências instaladas, é cada vez mais evidente que o futuro, do cinzento carregado passará ao negro. A alternância entre a imagem do abismo e da claridade ao fundo do túnel tem os dias contados, porque o saco está recheado de patranhas e a paciência tem limites. Estruturar, organizar e responsabilizar são as três acções prioritárias para mudar este curso, que a manter-se, só poderá fixar, em definitivo, o caminho para o abismo.

domingo, janeiro 22, 2006

O Anticiclone


O ambicionado plano tecnológico, inicialmente referido por José Sócrates como o “choque” tecnológico, e desde a primeira hora apontado como uma referência incontornável, que iria colocar Portugal no pelotão da frente, nasceu mal e continua a andar de mão em mão. Já vai no terceiro coordenador, e agora, o primeiro, que se tinha demitido, por discordâncias com a forma como o plano era conduzido, resolveu chamar as coisas pelos nomes, questionando em público o primeiro-ministro, sobre um tal protocolo com o MIT (Massachusetts Institute of Technology), que tinha por objectivo a investigação aplicada e desenvolvimento de tecnologias, envolvendo um vasto leque de universidades e empresas, e vocacionado para aplicação dos resultados nestas últimas, e que andaria a marinar há largos meses pelas secretárias dos ministros, sendo que um deles lhe era particularmente hostil. José Sócrates, visivelmente incomodado com a interpelação, e conhecidas que são as suas reacções epidérmicas, algo violentas e ruidosas, disparou a matar: disse que o tal projecto irá para a frente e será anunciado quando o governo muito bem entender, e não por iniciativa e pressão de um qualquer funcionário público, esquecendo-se que também ele é funcionário público. Com esta saída, sinal de manifesta prosápia e má educação, não só tentou humilhar o interpelante e ex-coordenador Prof. Dr. José Tavares, mas também todos os funcionários públicos do país, tentando relegá-los para o lugar das coisas banais, dispensáveis e sem importância.
Enfiando a carapuça de ser o tal ministro adverso ao projecto MIT, Mariano Gago saltou para a ribalta dos telejornais e veio dizer, com manifesta inabilidade, que as afirmações do ex-coordenador não passavam de falsidades, mais graves ainda pelo facto de serem veiculadas por um bolseiro pago pelo estado português (cala-te ou cortamos-te a mesada), ao que o Prof. Dr. José Tavares contrapôs com a exibição de provas documentais, que se necessário for, trará a público. Habituados como estamos a que o governo apenas funcione por estímulos, vamos aguardar os próximos capítulos deste episódio. Quanto ao Prof. Dr. José Tavares, é motivo de inspiração para todos os portugueses. Desde o memorável “obviamente demito-o!” que o general Humberto Delgado soletrou, referindo-se a Salazar, que não via quem fosse tão corajoso, afrontando o poder, cara a cara e com todas as letras, provando que a força da razão será sempre mais forte que a razão da força.
No pólo oposto, temos o Instituto de Meteorologia (com a tutela do mesmo ministro Mariano Gago), cuja administração decidiu instalar, em tempo recorde, um sofisticado e complexo sistema de acessos e controle de presenças, que chega ao ponto de utilizar as tecnologias de ponta de controlo biométrico de impressões digitais, como se estivéssemos a falar das instalações do SIS, de um ministério da defesa ou dos negócios estrangeiros. Foi gasta, sem pestanejar, uma verba de aproximadamente 55.000 euros (11.000 contos), numa instituição que, por força das limitações orçamentais, tem vindo a cortar no papel higiénico, nos tinteiros e papel para as impressoras, e sobrevive com estações meteorológicas inoperacionais e outras coisas mais. Neste caso, uma versão popularucha do choque tecnológico, a roçar a paranóia securitária, não encontrou entraves, talvez porque o anticiclone dos Açores corra o risco de sequestro.
Da administração do Instituto de Meteorologia não se podia esperar mais. A sua iniciativa não foi além da constatação da necessidade premente de instalar uns quantos torniquetes e câmaras de vigilância, produzir alguns cartões, passes e autorizações para perto de 250 funcionários, e quem não sabe mais do que isto, a mais não é obrigado. Em última instância, quem de facto é responsável, foi quem nomeou tais eminências para gerir os destinos da meteorologia nacional, subscrevendo sem pestanejar, esta ridícula parcela do tal “choque tecnológico”, como um contributo para transformar Portugal numa moderna sociedade do conhecimento.

quinta-feira, janeiro 19, 2006

Cavaco


É um político medíocre. É um economista medíocre. Se chegar à presidência da república, não destoará: será o presidente de um país que, graças ao trabalho persistente de muitos outros cavacos, se vai tornando cada vez mais medíocre.

sexta-feira, janeiro 13, 2006

Deus Pagão


Este Neptuno, o congénere romano do grego Poseidon, deus dos mares, filho de Saturno, irmão de Júpiter e de Plutão, é da autoria do escultor Machado de Castro (1731-1822). Na sequência do terramoto de 1755, que destruiu grande parte do Chiado e da Freguesia dos Mártires, e aquando da reconstrução pombalina, foi edificado no topo da actual Rua Garret, o monumental Chafariz do Loreto, o qual foi ornamentado com a referida estátua. Depois disso Neptuno deambulou por outras paragens. Teria sido arrumado no Museu Arqueológico do Carmo, mas os anos 50 do século passado vieram encontrá-lo a reinar sobre as águas de um lago, no centro da Praça do Chile. Depois disso, todo o conjunto foi transplantado para o Largo de D. Estefânia, onde ainda hoje permanece.

sábado, janeiro 07, 2006

Santos e Pecadores


Já conhecíamos a veia polémica de Ribeiro e Castro, depois de aquele ter afirmado que o terrorismo era sempre induzido pelas ideologias de esquerda, mas agora a sua inspiração foi mais longe, descendo ao pormenor de afirmar que Ernesto “Che” Guevara foi, nem mais nem menos, um dos grandes assassinos do final do século XX.
A exibição de um raciocínio deste tipo exige sempre que invoquemos o seu contrário. Quando falamos do branco, logo o negro nos salta ao caminho. Quando ficamos cercados pelo frio, logo a languidez do calor vem disputar os recantos da nossa imaginação, ao passo que, ao conceito de grande molestador, bárbaro e genocida, contrapõe-se sempre a ideia de uma grande alma, casta, benfeitora e farta de pureza.
Nesta ordem de ideias e com tais rasgos de grande justiceiro, ao Castro apenas faltará mover as competentes influências, no sentido de serem iniciados os processos de beatificação, por manifestos actos de santidade e piedosa benemerência, de um punhado de figuras gradas do tal século XX, com quem a Humanidade se tem enternecido, e da qual é devedora, por ideias e actos redentores da “civilização”, entre as quais se incluem Adolfo Hitler, Francisco Franco, Suharto, Idi Amin Dada, Augusto Pinochet, Mobutu Seseseko, François Duvalier e Phol Pot, todos eles gente de primeira água, de uma lista bem mais extensa. Monstro, monstro, foi o tal carniceiro “Che”, e não os seus contrários, como os devotos Baptistas, Somozas, Videlas, Stroessneres e quejandos, todos homens de paz, progresso e prosperidade, cujo vermelho com que encharcaram os seus países, não era sangue, mas apenas umas torpes confusões de esquerdistas daltónicos.
Senhor de tais dotes de cruzado, fico a aguardar que o tal Castro se suplante a si próprio, não sem que vá deixando aqui uma advertência. Não basta considerá-lo apenas como mais um combatente doméstico do “eixo do mal”, um educador de pacotilha, uma anomalia ou um trágico cómico de serviço, porque haverá sempre quem o leve a sério. Basta recordar que o próprio Francisco Franco, à sombra de Guernica e dos pelotões de fuzilamento, se proclamava caudilho de Espanha “pela graça de Deus”, havendo muitos que acreditavam piamente nele, com os tenebrosos resultados que se conhecem.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

Represálias à Portuguesa


As empresas, ao processarem os vencimentos dos seus trabalhadores, descontam-lhes o respectivo IRS. Os trabalhadores chegam ao fim do ano e fazem as respectivas declarações, em conformidade com o que lhes foi retido na fonte. Como descontaram mais do que o devido, têm direito a ser reembolsados, porém, as Finanças não procedem a algumas dessas devoluções, porque as empresas continuaram a reter, indevidamente, as verbas de IRS descontadas aos trabalhadores (algumas chegam mesmo a apropriar-se desses valores), não efectuando a respectiva entrega ao Estado.
Moral da história: paga o justo pelo pecador.

segunda-feira, janeiro 02, 2006

Pontos nos is


Quando os políticos, por tudo e por nada, enchem a boca com a palavra democracia, isso é sinal evidente de que aquela está a ser corrompida. “Estamos a prestar um serviço à democracia”, dizem eles, quando na realidade estão a prestar serviços a si próprios e aos seus amigos. A democracia não precisa que lhe dediquem serviços. Sustenta-se e enobrece-se a si própria, pelo bom uso que dela fazemos. É isso sim, um instrumento através do qual se prestam serviços às comunidades e aos países, e não um pretexto para que certos políticos, escudando-se atrás dos veredictos eleitorais, simulem estar a representar e a defender os interesses de quem os elegeu. Prova disso são as promessas incumpridas ou concretizadas às avessas. Na verdade, estão a negociar as suas carreiras, ao mesmo tempo que estreitam relações e fazem favores a outros poderes, entre os quais o poder económico e financeiro.

Quando a palavra de ordem é “aproveitar enquanto é tempo” e “salve-se quem puder”, e já muito poucos se impressionam, indiferentes ao grande lamaçal que vai alastrando, isso é porque há um país que está a agonizar, entre risos, patranhas, embustes, falta de pudor, um galão e uma torrada, concursos na TV e férias a crédito. Primeiro perde-se a dimensão e sentido da realidade, depois a vergonha. Perde-se depois a independência económica, e por último a independência política.

Já ninguém se indigna quando o homem mais poderoso da Terra declara que iniciou uma guerra com um saldo de 30 mil mortos, por um erro de informação. Quem isto escreveu foi Eduardo Lourenço, ensaísta português.

Por cá, os médicos das urgências vão passar a receber à peça, tratando doentes como quem vende cosméticos, porta-a-porta e à comissão.

Recapitulemos

Primeira Arte - Dança
Segunda Arte - Teatro
Terceira Arte - Música
Quarta Arte - Literatura
Quinta Arte - Pintura
Sexta Arte - Escultura
Sétima Arte - Cinema

O artista, seja ele pintor, escultor, músico, poeta, escritor, fotógrafo ou realizador de cinema, sempre foi, e será, um manipulador dos meios de expressão que tem ao seu alcance. A finalidade da arte está em que as pessoas se sintam e deixem ser manipuladas, sem que isso afecte a sua liberdade, o seu discernimento e o seu livre arbítrio.

domingo, janeiro 01, 2006

Novo Caderno


Será que o melhor dos mundos está limitado a ser o mundo que é possível ter? NÃO! Também nada nos diz que não se deva dar vida às línguas mortas. A frase latina GUTTA CAVET LAPIDEM, significa em bom português que a água mole em pedra dura, tanto bate até que fura. Por isso, deixemos as palavras correrem e fazerem o seu trabalho.

quarta-feira, dezembro 28, 2005

Com Todas as Letras


Diz a sabedoria popular que não há fumo sem fogo, e quando começa a transpirar para o domínio público que existe a intenção de avançar com a privatização da água, é altura de começarmos, não a ficarmos preocupados - porque essa atitude já deveria vir de longe - mas genuinamente indignados.
O poder, porque é protagonizado pelos humanos (o tal sujeito do Fenómeno Humano do padre Pierre Theilhard de Chardin) e seus desígnios, tanto é capaz de gerar as mais justas e legítimas soluções para a civilização e o bem-estar social, como as mais vis das condições ou a mais abjecta das torpezas. Depois da privatização dos (maus) cuidados de saúde, arrisca-se agora a ideia de uma hipotética privatização da água, assim como se poderá falar amanhã da entrega da administração pública à iniciativa privada, da venda em hasta pública dos monumentos nacionais, das praias e da orla marítima, ou da instauração de um imposto sobre o consumo do ar. Não há nada como começar a falar no assunto, banalizando-o, para que a ideia ganha raízes e adeptos, dissipando assim o estigma do escandaloso.
A minha revolta e indignação exigem que termine este comentário (e talvez este ano), tomando de empréstimo a expressão que José Saramago usou num dos seus Cadernos de Lanzarote, para rematar uma situação similar:
- E se fossem privatizar a puta que os pariu…

sábado, dezembro 10, 2005

A Cadeira de Seis Pernas



Uma cadeira de seis pernas é um objecto difícil de descrever, se não for acompanhado de um esboço clarificador, como o que juntamos a este artigo. Tiradas as dúvidas, falta saber para que serve esta curiosa peça de mobiliário. É simples: é sempre utilizada pela mesma pessoa, umas vezes com responsabilidades governativas, nesse caso sentando-se do lado A, outras vezes como sócio de um escritório de advogados, e nessa função sentando-se do lado B. Exemplifiquemos: quando o protagonista estava sentado do lado A, isto é, com funções governativas, tinha que assegurar os interesses do Estado e do país, contra as pretensões de uma empresa de nome Eurominas, ao passo que quando se sentava do lado B, tinha por objectivo lutar pela garantia de satisfação das exigências dessa mesma Eurominas, mesmo que do outro lado estivesse o tal Estado, em cujo governo servira, sentado do lado A.
Explicadas as curiosas e múltiplas funções da cadeira de seis pernas, passemos aos factos.

Em 1974, ainda antes do 25 de Abril, o governo de Marcello Caetano atribuiu uma concessão de exploração de ligas de manganês, ao grupo francês Pechiney, com a cedência de terrenos e energia eléctrica a preços simbólicos, para a instalação da empresa Eurominas.
Em 1986 a EDP altera o custo das tarifas de electricidade, o que não é aceite pela Eurominas. Como não se chega a qualquer acordo, a empresa suspende o fornecimento de energia, levando a que a Eurominas decida interromper a laboração.
Em 1995, perante a cessação da actividade, o governo de Cavaco Silva assina um decreto que faz reverter para o domínio público os terrenos e instalações da Eurominas, sem direito a qualquer indemnização.
A Eurominas desencadeia acções judiciais contra o Estado, com vista a ser ressarcida de tal decisão, exigindo uma indemnização de 16 milhões de contos, ao mesmo tempo que efectua contactos com o recém-empossado governo de António Guterres.
O ministro António Vitorino recebe a incumbência de negociar com a Eurominas. Em 2001, contrariando a decisão do governo de Cavaco Silva, e sem nunca ser revogado o decreto que lhe deu origem, o executivo do PS, num acordo extra-judicial, decide conceder à Eurominas uma compensação de 2,3 milhões de contos, em troca do abandono das acções judiciais movidas contra o Estado e da reivindicação de direitos sobre os terrenos e instalações abandonados.
O ministro João Cravinho e o Tesouro, baseados em vários pareceres, recusam-se a pagar a dita indemnização, argumentando não existir enquadramento legal para tal encargo. Só em Outubro o Ministério das Finanças autoriza o pagamento, tendo que recorrer, para o efeito, a uma interpretação muito livre e flexível do primitivo decreto-lei de 1974, da lavra do governo de Marcello Caetano.
Até 2003 o pagamento é efectuado em três tranches. Sabe-se agora que nas negociações esteve envolvido um escritório de advogados, detido por António Vitorino, José Lamego e António Costa, sendo que os dois primeiros, repartiam a sua actividade entre o governação e a actividade no dito escritório, isto é, ocupando alternadamente a tal cadeira de seis pernas, umas vezes como negociadores por parte do Estado, outras vezes como defensores dos interesses da Eurominas.

Assim se explica para onde vai o dinheiro dos contribuintes. Assim se delapida o património português, desde o material até ao moral. Assim se vai percebendo porque vamos de mal a pior, e isso nada tem a ver com produtividade, competitividade e as outras balelas do costume. Há suspeitas de favorecimento, e sabe-se lá de mais o quê. O assunto vai baixar a uma comissão de inquérito da Assembleia da República, que esperemos faça a sua obrigação e chegue a conclusões dignas de nota. Até lá vai continuar a passear-se por aí muita gente séria, excepto quando não se estão a rir de nós...

sexta-feira, dezembro 09, 2005

O Reino dos Céus


O cardeal Grocholewsky, numa carta que enviou aos padres da comunidade católica, na sua qualidade de responsável pela Congregação para a Educação Católica, exprimiu-se com uma curiosa analogia. Na opinião deste prelado, assim como as pessoas que sofrem de vertigens não podem aspirar a ser astronautas, também a ordenação de padres está vedada a homossexuais. Na sua preocupação de defender o indefensável, fez confusão entre uma orientação sexual, que tem a ver com as humanas preferências, e certas perturbações do equilíbrio, localizadas nas células sensitivas do ouvido interno. Indo um pouco mais longe, é como dizer que no exercício da medicina, as mulheres devessem estar impedidas de se especializarem em ginecologia, pois isso seria um sinal evidente de apetência por pessoas do mesmo sexo.
O recurso a tais argumentos, demonstram bem que tanto este cardeal como o seu Vaticano, insistem em não terem os pés assentes na terra.

sábado, dezembro 03, 2005

Publicidade


O candidato a Presidente da República, Cavaco Silva, com aquele esgar, com pretensões a ser um sorriso permanentemente afivelado, aproveitou a entrevista que deu ontem à RTP1, para fazer publicidade encapotada. Eu explico: Pelo menos, em duas ocasiões, a perguntas da entrevistadora, não deu qualquer resposta, limitando-se a informar que o assunto vem muito bem explicado na sua recentemente publicada AUTOBIOGRAFIA. O homem que não tinha dúvidas e não lia jornais, com uma marretada “matou dois coelhos”, primeiro mostrando-se durante 30 minutos como candidato (porque dizer, continua a dizer muito pouco), e depois aproveitando o tempo de antena para publicitar gratuitamente o seu livrinho, ao melhor estilo das tele-vendas. Será que com este ardil a obra vai esgotar? Olhem que espertinho, hem!

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Má Pontaria!


O submarino é reconhecido como sendo uma arma eminentemente estratégica, uma arma de ataque por excelência. Assim, não se compreende que Portugal, no actual contexto da americaníssima NATO, queira ser possuidor de 3 (três) armas deste tipo, a não ser que queira ser objecto de alguma risota complacente. Tais armas, contrariando o que enunciava o ex-ministro da defesa Paulo Portas, não são instrumentos vocacionados para patrulhar a ZEE, zelando para não ocorram pescarias à margem da lei, lavagens camufladas de tanques dos petroleiros, e muito menos para efectuar perseguições ao narcotráfico, provando que até nas escolhas de material de guerra, continua a persistir a má pontaria.

sexta-feira, novembro 25, 2005

Patetices!


O choque tecnológico, aquilo que pretendia ser um dilúvio de ideias, uma enxurrada de projectos, perdeu impacto e transformou-se em simples plano, sem espessura, sem orientação, sem objectivos, como uma simples folha de papel em branco. Por isso mesmo, o primeiro ministro chamou a si a tutela e coordenação do plano. Inquirido sobre se esta alteração de liderança tinha alguma coisa a ver com as 7 recentes demissões de especialistas envolvidos no projecto, o ministro de economia, sempre de resposta pronta e surpreendente, afirmou com uma ênfase, quase a roçar o tom bíblico, que tudo isto já estava delineado há muito tempo, mesmo antes de Sócrates ter assumido os destinos do PS. Quer isto dizer que os alquimistas do Largo do Rato não dormem e as pessoas vão passando enquanto que o projecto fica, numa versão actualizada do provérbio que dizia que “os cães ladram e a caravana passa”.
Com esta determinação, os congressos de Vilar de Perdizes, o genoma humano e o escaravelho da batata que se cuidem.

segunda-feira, novembro 21, 2005

Reflectir e Perguntar


Estou quase tentado a concluir que se está a tornar desnecessário insistirmos em caracterizar e criticar a sociedade portuguesa actual. Em termos genéricos, já tudo foi dito. Para isso basta recapitular o que escreveu Eça de Queirós, há respectivamente 138 e 134 anos, e que a seguir se transcreve. Não acreditamos em fados, destinos e fatalidades, porém, curiosamente, quase tudo se ajusta às mentalidades, às competências e à situação actual do país. Basta ler, reflectir e perguntar: - Com tanto tempo decorrido, será que não aprendemos nada?

Em 1867 Eça de Queirós escreveu:
"Ordinariamente todos os ministros são inteligentes, escrevem bem, discursam com cortesia e pura dicção, vão a faustosas inaugurações e são excelentes convivas. Porém, são nulos a resolver crises. Não têm a austeridade, nem a con­cepção, nem o instinto político, nem a experiência que faz o ESTADISTA. É assim que há muito tempo em Portugal são regidos os destinos políticos. Política de acaso, política de compadrio, política de expediente. País governado ao acaso, governado por vaidades e por interesses, por especulação e corrupção, por privilégio e influência de camarilha, será possível conservar a sua independência?"

Mais tarde, em 1871, voltou a escrever:
”Estamos perdidos há muito tempo...
O país perdeu a inteligência e a consciência moral.
Os costumes estão dissolvidos, as consciências em debandada.
Os caracteres corrompidos.
A prática da vida tem por única direcção a conveniência.
Não há princípio que não seja desmentido.Não há instituição que não seja escarnecida.
Ninguém se respeita.Não há nenhuma solidariedade entre os cidadãos.
Ninguém crê na honestidade dos homens públicos.
Alguns agiotas felizes exploram.A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia.
O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente.
O Estado é considerado na sua acção fiscal como um ladrão e tratado como um inimigo.A certeza deste rebaixamento invadiu todas as consciências.Diz-se por toda a parte, o país está perdido!"