A Fiesta Espanhola
Juan Carlos de Borbón, Rei de Espanha, não quer saber de desgraças. Embora o seu país também esteja à beira de entrar no clube dos resgatados, com cinco milhões e meio de desempregados, uma complexa crise económica e financeira, e o governo Rajoy a usar as mesmas receitas que Passos Coelho aqui pelo protectorado da Lusitânia, Sua Magestade Sereníssima, sendo Chefe de Estado, decidiu dar o seu contributo para enfrentar a crise, embora à sua maneira. Assim, fez questão de manter os seus reais hábitos e ausentou-se para o Botswana, longe das dificuldades e dos protestos, com o objectivo de participar num safari, para desenferrujar a carabina e adicionar mais uns exemplares à sua colecção de troféus, pois um rei que não faça as suas caçadas, quer chova ou faça sol, não é rei, não é nada, sendo necessário manter a tradição, isto é, as casas reais, são isso mesmo, um viveiro de foliões.
Desta vez teve azar! Sofreu um acidente no acampamento, caiu mal, fez fracturas e teve que ser recambiado para lhe fazerem umas intervenções cirúrgicas. Apesar do contratempo, e ainda sem se saber quem é que pagou esta fiesta - coisa que andará entre 40.000 e 50.000 euros -, parece que daqui a 45 dias Sua Alteza já estará apto para mandar aparelhar o iate real e participar nas regatas oceânicas, às quais raramente falta, continuando assim a envolver-se de corpo e alma, lado a lado com o seu povo, no combate à crise, muito embora as cabeças coroadas tenham prioridades que não são compreendidas nem se enquadram na escala de valores dos outros mortais. Reflectindo sobre isto, só o facto de serem de alta estirpe consegue explicar a sua altivez e indiferença perante as agruras e sofrimento dos povos, mas não evita que se esboçe uma conclusão: para os membros da realeza, todas as crises não passam de "faits divers", e a vida, ou melhor, a boa vida, continua a ser uma festa permanente.
A Fiesta Lusitana
E já que falamos de reais folias, e como introdução, convém lembrar o nosso rei D.Carlos. À volta de 1900, num dos seus regressos a Portugal, depois de participar em largas festanças e coboiadas em Paris, a gastar os adiantamentos do erário público, apesar do país ter noventa por cento de analfabetos, e serem poucos os que usavam calçado, Sua Magestade, dizia eu, entre agastado e desdenhoso, queixava-se para a sua comitiva, nestes termos: “lá voltamos para junto dos nossos piolhosos…”.
Caiu a monarquia, mas as festas não ficaram por ali. Maria de Lurdes Rodrigues, ex-ministra da Educação de José Sócrates, embora não tenha (que se saiba) sangue azul, nem ande a calcorrear as savanas, em perseguição de caça grossa, ficou-se agora a saber que é uma personagem que gosta de organizar festas, e isto porque a sua passagem pelo Ministério da Educação, foi marcada pela criação da empresa pública Parque Escolar, especialmente destinada a coordenar a requalificação das escolas necessitadas de obras, iniciativa que ela própria classificou como uma grande festa.
Antes disso, os alunos, na grande maioria dos casos, ou eram acondicionados em pavilhões pré-fabricados que eram autênticos contentores, idênticos aos que servem para alojar os trabalhadores da construção civil, ou então andavam a aprender em instalações degradadas, com janelas sem vidraças, salas onde chovia, onde não havia ginásios nem refeitórios, e as retretes estavam sempre entupidas. Agora, muitas centenas de milhões de euros depois, e fruto da tal requalificação das instalações degradadas da rede escolar pública, surgiram autênticos monumentos, alguns deles onde imperam os mármores, candeeiros bem bonitos, modernos e originais, a par de algum luxo de pasmar. Não houve meio termo; do oito passou-se para o oitenta, muito embora eu seja de opinião que gastar dinheiro com a educação é o melhor investimento que os países podem fazer. Mas cuidado, a educação não são só bons edifícios! É também serem utilizados por professores motivados, alunos entusiastas e a aprender, e muitas outras coisas mais. Como é compreensível, todas estas obras custaram muitos milhões de euros, obras essas que ultrapassaram largamente o inicialmente contratado e autorizado, fora as outras que nunca foram autorizadas, enfim, coisas que se tornou habitual definir como “derrapagens”, expressão "técnica" que serve para esconder do cidadão comum, tudo aquilo que acaba em festas de arromba, onde também se incluem aeroportos que só funcionam duas vezes por semana, autoestradas quase sem movimento, a par de hospitais recentes, totalmente equipados, mas que têm dois terços das instalações fechadas. Em última análise, o mundo em que vive a Milú, não é o mundo dos comuns mortais, sei lá, talvez o País das Maravilhas, e já que estivemos a falar de realeza, talvez ela incarne uma espécie de Rainha de Paus, a mandar cortar a cabeças a torto e a direito.
A verdade é que eu não estou a inventar nada, foi a própria Maria de Lurdes Rodrigues que o disse, perante a Comissão Parlamentar de Inquérito, com aquela articulação de voz que nos deixa na dúvida, se de facto sabe o que diz, ou se está a gozar com o parceiro. Meus senhores - disse ela - a Parque Escolar foi uma grande festa para o país... foi um programa de êxito e de festa para as escolas, para os alunos, para os arquitectos e para a economia portuguesa. E já agora podia ter continuado por aí fora, citando mais alguns participantes nessa e noutras festas, como as Parcerias Público Privadas, os “brindes” aos bancos, a colecção Joe Berardo, as licenças de software da Microsoft, as consultoras económicas e os escritórios de advogados, o “magalhães” da J.P.Sá Couto, ou aqueles que receberam lautos honorários sem terem mexido uma palha. A ser assim como ela diz, e como festa sem dança, não é festa, não é nada, já agora, gostava de os ver dançar a todos.