José Sócrates não procura o diálogo nem os consensos. Já era conhecida a sua propensão para o autoritarismo, e ele próprio, em entrevistas, já se havia classificado com “um animal feroz”, denunciando um perfil de intransigência e agressividade. Prefere a via da confrontação, afrontando tudo e todos, abrangendo uma larga faixa que vai da administração pública, até ao sistema judicial, polícias e militares, mas deixando com livre-trânsito quem continua de facto a contribuir para a depauperação do país. Por outro lado, e frente às dificuldades que parece estar longe de controlar, escolheu injectar o pânico no subconsciente das pessoas. Que melhor remédio haverá para calar as vozes da indignação e fazer recuar os espíritos rebeldes, do que ameaçar com um futuro negro, um abismo ao virar da esquina, em consequência da perspectiva de falência, a curto prazo, da segurança social?
Levando à prática o que Durão Barroso e Santana Lopes nunca se arriscaram a materializar, vamos ser brindados com a versão envergonhada de um novo modelo de bloco central, com o poder partilhado entre um governo liderado pela facção “tatcherista” do PS, e uma presidência de direita do PSD/PP, suportada pelos grandes interesses económicos e financeiros, afinal, com objectivos não tão distantes e inconciliáveis, como poderá parecer à primeira vista. Longos e tristes dias se avizinham!
Embora noutro estado e com outros cambiantes, mantêm-se os vícios e aberrações da má governação. De paixões e promessas irrealizadas, passando por pântanos e tangas, temos tido de tudo. Ao desvario circense de um Santana Lopes, sucede-se a deriva prepotente de José Sócrates, disparando em todas as direcções, sem alvos prioritários nem uma estratégia que liberte o país do amplexo que o mantém na senda do declínio.
Onde muitos vêem a determinação que tem faltado aos políticos, eu vejo uma determinação que faz recair sobre os justos a factura de governações despropositadas, avulsas e sem profundidade. Em todo o aparelho de estado e da administração pública continua a imperar (agora com outras cores) a falta de decência e transparência, a anarquia e redundância nas competências, as estruturas inoperacionais, a organização disfuncional e a epidémica ausência de responsabilização.
Quem ouve falar os ministros da cultura, da economia, da agricultura e pescas, e mais uns quantos secretários de estado, logo percebe porque se diz que continuamos a “arrastar a quilha pelo fundo”. Debitam umas quantas alarvidades, banalidades e lugares comuns, enunciam um punhado de “apostas” para tirar o barco do atascanço, garantem que vão “tomar medidas”, dizem umas mentiras pelo meio e desandam de peito inchado, convencidos que a missão ficou cumprida e que já se vê a luz ao fundo do túnel.
Na verdade, os vícios de uma governação que navega à vista, mais as derivas de um orçamento despótico e canibal, continuam a fazer recair sobre os contribuintes e os trabalhadores, a responsabilidade de equilibrar, o que outros insistem e persistem em desequilibrar. São muitos os políticos que se acotovelam para propagar a ideia, transformando-a em verdade absoluta, de que o país está mal e não descola da crise endémica em que se arrasta há anos, porque os trabalhadores têm regalias a mais, descansam demais, têm protecção a mais, e espante-se, até talvez ganhem demais. É altura de os cidadãos começarem a perceber que, para além de serem os amortecedores e únicos pagadores de tudo o que de bom e mau, se faz e não faz no país, também continuam a ser os “bodes expiatórios” por excelência, de todos os males e fantasias congeminadas por uma casta de governantes de terceira escolha, incapazes de gerir a sua economia doméstica, quanto mais um ministério ou o país.
Mantendo-se incólumes as estruturas corrompidas, decadentes e inoperativas, mantendo-se os compadrios e intocadas as incompetências instaladas, é cada vez mais evidente que o futuro, do cinzento carregado passará ao negro. A alternância entre a imagem do abismo e da claridade ao fundo do túnel tem os dias contados, porque o saco está recheado de patranhas e a paciência tem limites. Estruturar, organizar e responsabilizar são as três acções prioritárias para mudar este curso, que a manter-se, só poderá fixar, em definitivo, o caminho para o abismo.