terça-feira, julho 13, 2010

As Origens do Estado-de-Sítio Financeiro

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Na Primavera de 1996, no fim de um primeiro mandato muito medíocre, o presidente Bill Clinton estava a preparar a campanha para ser reeleito. Precisava de dinheiro. Para o arranjar, teve a ideia de propor aos mais generosos doadores do seu partido uma noite na Casa Branca, por exemplo no «quarto de Lincoln». Uma vez que ver‐se associado ao sono do «grande emancipador» não estava ao alcance das bolsas mais pequenas, nem era necessariamente a fantasia das maiores, foram leiloadas outras guloseimas. Uma delas foi «tomar um café» na Casa Branca com o presidente dos Estados Unidos. Os potenciais investidores do Partido Democrata encontraram‐se, portanto, às fornadas com membros do executivo encarregados de regular a sua actividade. Lanny Davis, porta‐voz do presidente Clinton, explicou ingenuamente que se tratava de «permitir que os membros das agências de regulação conhecessem melhor as questões da respectiva indústria». Um destes «cafés de trabalho» pode ter custado alguns biliões de dólares à economia mundial, favorecido o disparo da dívida dos Estados e provocado a perda de dezenas de milhões de empregos.
A 13 de Maio de 1996, portanto, alguns dos principais banqueiros dos Estados Unidos foram recebidos durante noventa minutos na Casa Branca pelos principais membros da administração. Ao lado do presidente Clinton, o ministro das Finanças, Robert Rubin, o seu adjunto encarregado das questões monetárias, John Hawke, e o responsável pela regulação dos bancos, Eugene Ludwig. Por um acaso certamente providencial, o tesoureiro do Partido Democrata, Marvin Rosen, também participou na reunião. Segundo o porta‐voz de Ludwig, «os banqueiros falaram sobre a futura legislação, incluindo ideias que permitirão acabar com a barreira que separa os bancos de outras instituições financeiras».
O New Deal, ensinado pela bancarrota financeira de 1929, tinha proibido os bancos de depósitos de arriscarem de forma imprevidente o dinheiro dos seus clientes, o que a seguir obrigava o Estado a salvar estas instituições por temer que a sua eventual falência provocasse a ruína dos seus numerosos depositantes. Esta disposição (Lei Glass‐Steagall), assinada pelo presidente Franklin Roosevelt em 1933, e ainda em vigor em 1996, desagradava imenso aos banqueiros, desejosos de lucrar também com os milagres da «nova economia». O «café de trabalho» visava recordar esse desagrado ao chefe do executivo americano, no momento em que ele estava a tentar que os bancos lhe financiassem a reeleição.
Algumas semanas depois do encontro, vários despachos anunciaram que o Ministério das Finanças ia enviar ao Congresso uma panóplia legislativa «pondo em causa as regras bancárias estabelecidas seis décadas antes, o que permitiria que os bancos se lançassem em força nos seguros e na banca de negócios e de mercado». Toda a gente sabe o que aconteceu a seguir. A abolição da Lei Glass‐Steagall foi assinada em 1999 por um presidente Clinton reeleito três anos antes, em parte graças ao tesouro acumulado na guerra eleitoral. A medida atiçou a orgia especulativa da década de 2000 (sofisticação cada vez maior dos produtos financeiros, do tipo dos créditos imobiliários subprime, etc.) e precipitou o colapso económico de Setembro de 2008.
Na verdade, o «café de trabalho» de 1996 (ocorreram 103 do mesmo género no mesmo período e no mesmo local) apenas veio confirmar o peso que já vinham tendo os interesses do sector financeiro.
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Excerto do artigo de Serge Halimi, intitulado “O governo dos bancos”, publicado na versão portuguesa do LE MONDE DIPLOMATIQUE de Junho 2010. O título do post é de minha autoria.

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