A Meu caro CESNA de Pancevo, Sérvia (ex-Jugoslavia):
Viver numa viela sem saída é uma desgraça, mas como todas as desditas, vamo-nos habituando a ela, até passamos a gostar dela. Os becos costumam ser lugares, além de claustrofóbicos, por natureza, um microcosmo do género e da condição humana, um sítio com poucas perspectivas e nenhuma saída. Portugal, pese embora o sol radioso que ainda nos vai visitando, a boa mesa, os bons vinhos e os bons costumes, que entretanto se vão perdendo, está a tornar-se, de dia para dia, num beco a descambar para o fétido, para o abandalhado, para o mal frequentado, e pior que tudo, sem saída, exactamente por ser um beco.
Senão vejamos:
Caso 1 - Que me lembre, houve pelo menos um director da Polícia Judiciária que foi afastado das investigações sobre o caso Madeleine McCann, por ter prestado declarações que não agradaram à hierarquia, pois colocariam em causa as averiguações. Entretanto, vem agora o douto Director Nacional da mesma polícia, sr. Alípio Ribeiro, dar pareceres, em entrevista à Rádio Renascença, RTP e ao jornal PÚBLICO, dizendo que houve precipitação na constituição dos arguidos, nomeadamente os pais da criança desaparecida. De uma penada desrespeitou o sacrossanto segredo de justiça de um processo em curso, e deitou por terra, desacreditando-a, uma das várias linhas de investigação sobre o desaparecimento da criança, de tal forma que os advogados do casal McCann já teriam avançado com um pedido de retirada do estatuto de arguidos, e a sua passagem a assistentes do processo. Ora bem, outra coisa não seria de esperar. Assim sendo, e sem tento na língua, é o próprio director nacional da polícia portuguesa que de uma penada, desacredita a instituição que dirige, tanto dentro como fora das fronteiras. Não se percebe porque é que este senhor, 72 horas depois de ter proferido tais declarações ainda está, impávido e sereno, como se nada tivesse acontecido, à frente dos destinos da “sua” Polícia Judiciária. Coisas do Carnaval deste beco…
Caso 2 – Telmo Correia, militante do CDS/PP, enquanto ministro do Turismo do governo do impagável Santana Lopes, e apesar de estar na condição de gestão corrente, assinou, numa inacreditável prova de esforço, na madrugada em que José Sócrates Pinto de Sousa tomou posse (Fevereiro de 2005), cerca de 300 despachos. No imediato pode pensar-se que o ministro, assoberbado com outros compromissos e actividades, tenha descurado as suas obrigações governativas, e num acto indómito e voluntarista, tenha tentado acertar contas com a História. Mas não! No meio da saraivada de papeis e assinaturas, despachou uma coisa muito polémica, que foi objecto de muitas trocas de telefonemas comprometedores e de cariz altamente melindroso, escutados pela DCIAP (Departamento Central de Investigação e Acção Penal), e entre os quais se falava de submarinos, do abate clandestino de sobreiros na Herdade da Vargem Fresca e do tráfico de influências no caso “Portucale”, projecto turístico do Grupo Espírito Santo, mas que se mantêm, por força da nova legislação, na situação de indivulgáveis à opinião pública. Assim, entre os tais 300 documentos assinados pela calada, estava a segunda versão do parecer da Inspecção-Geral de Jogos, que implicava a não devolução ao Estado (isto é, à posse pública) do edifício do Casino de Lisboa (ex-Pavilhão do Futuro da Expo-98), no Parque das Nações, no final do período de concessão à empresa Estoril Sol, documento esse que vincula o Estado, desde que assinado, a tal parecer. O diligente ex-ministro veio dizer que com a sua assinatura não aprovou nada, limitando-se a “tomar conhecimento” do tal parecer. Até agora, as altas instância não tugiram nem mugiram, e por isto se prova que basta ter um amigo certo, no lugar certo, mesmo que a horas incertas, para que tudo bata certo. Como é óbvio, três anos passados sobre a ocorrência dos factos, e de tanta investigação e diligência, ninguém acredita que as “averiguações” cheguem alguma vez a alguma conclusão, quanto mais a algum lugar. Nasceram no beco e no beco irão apodrecer.
Caso 3 – Paulo Portas, militante do CDS/PP, também ministro da Defesa do governo do impagável Santana Lopes, mandou efectuar a digitalização de 61.893 documentos do “seu” Ministério da Defesa, muitos deles confidenciais ou classificados como segredo de Estado, que levou algures para parte incerta, antes de abandonar o governo.
- Paguei o serviço do meu bolso e são os meus documentos de sete anos de presidente do CDS e de três à frente do ministério, terá explicado ele quando questionado sobre o surrealismo do caso, já que estava em causa um procedimento que tanto tem de invulgar como de misterioso, isto para não dizer de suspeito. Por outro lado, um seu assessor, veio adiantar que se tratavam de documentos pessoais, tais como cartas, memorandos, despachos, programas, etc., destinados à compilação de um acervo pessoal, tanto para documentar as suas memórias, como para se defender de ataques políticos, só que, note-se bem, não foi uma bagatela qualquer, mas nada mais, nada menos que 61.893 documentos de um ministério de soberania.
Curiosamente, e para que a bandalheira fique completa e seja convenientemente branqueada, não é consensual entre os “especialistas” que tenha havido violação de segredos de Estado, já que o Código Penal apenas prevê a penalização para a divulgação de documentos e não a sua cópia, pelo que o Ministério Público, embora tenha decidido levar a cabo uma investigação, que ninguém sabe em que fase se encontra, fez vista grossa e entendeu não dar seguimento a qualquer procedimento criminal.
Como se pode ver, apesar do beco ser pequeno, grandes são as traficâncias e nenhumas as consequências. O crime compensa altamente, e de que maneira! Uma mão lava a outra, para que depois as duas lavem a cara destas criaturas, que todos os dias se continuam a cruzar connosco à hora dos telejornais e dos tempos de antena.
Podes crer, meu caro CESNA, que há coisas fantásticas que eu só esperava encontrar em filmes de terror da série B, mas que na verdade, continuam a ser o pão nosso de cada dia, neste beco poluído e abandalhado, local de poiso e encontro de muitas escumalhas, bem parecidas, bem vestidas e untadas.