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Com o mesmo título que o do post, passo a transcrever a crónica do Professor Carlos Fiolhais, publicada no jornal PÚBLICO de 20 de Novembro de 2009.
“Jorge Coelho, presidente-executivo da Mota-Engil, a maior empresa de construção nacional, deu uma entrevista ao semanário “Sol” em 18 de Setembro passado que talvez nos ajude a entender as nebulosas relações entre negócios e política no nosso país. Quando lhe foi perguntado se achava que a empresa que dirigia era beneficiada ou prejudicada nas adjudicações, disse: “Muito do que se passa na política, por detrás de coisas que são feitas... se os portugueses soubessem ficavam com ainda menos respeito pela vida política.” Os jornalistas quiseram saber se ele se referia a todas as alas políticas, ao que ripostou: “Tudo, tudo, tudo”. Interrogado quando é que tudo isso se ia saber, a resposta foi curta: “Nunca”.
Ele, que antes de ser empresário foi político durante quase 30 anos (“conheci muita gente e tenho conhecimentos ao nível da banca portuguesa e internacional que são fundamentais na minha profissão”, informou noutro passo da entrevista), deve saber do que estava a falar. Nós, que não sabemos, temos de nos limitar a imaginar. E não é difícil imaginar, porque o ex-ministro de Estado e do Equipamento Social de um governo do PS, não dizendo nada de concreto, disse mais do que diria dizendo. A mim, pelo menos, não me custa muito imaginar que Jorge Coelho converse, pelo telefone ou ao vivo, com os seus amigos e conhecidos no governo ou na banca e não tenha de esperar para ser não só atendido como bem atendido.
Certo é que, à data da entrevista, pouco antes das eleições legislativas, as acções da Mota-Engil estavam a subir a pique, tendo continuado a subir até atingirem, em 9 de Outubro, nas vésperas das eleições autárquicas, o máximo de 4,53 euros (mais do dobro do mínimo registado este ano, em 5 de Março). A cotação da Mota-Engil constituiu, para alguns analistas, um bom previsor dos resultados eleitorais. Essa foi, de facto, uma verdadeira sondagem, cuja margem de erro se revelou menor do que a das sondagens convencionais.
Nada disto é novo. A promiscuidade entre negócios e política é entre nós antiga e será uma das razões pelo desrespeito que os portugueses têm pela vida política, desrespeito que Jorge Coelho aliás reconhece. Esse mal-estar não é uma impressão difusa e não quantificável, pois há dados sociológicos que exibem com clareza a nossa desconfiança em relação ao funcionamento das empresas e instituições. A organização Transparency Internacional acaba de divulgar o seu relatório anual sobre a percepção da corrupção num grande número de países, e continuamos em queda nesse “ranking” mundial da corrupção. Se no ano transacto tínhamos caído do 28.º para o 32.º lugar (eram invocados os casos do “Apito Dourado” e do financiamento ilícito da Somague ao PSD), agora caímos do 32.º para o 35.º lugar, onde estamos a par com Porto Rico e logo antes do Botswana (não foram desta vez adiantadas explicações, mas pode-se adivinhar quais são).
Receio que o caso “Face Oculta” recentemente trazido à luz do dia – o caso das ligações perigosas das empresas do sucateiro Manuel Godinho a instituições públicas ou privadas de algum modo próximas da política, como a REN, a REFER, a Galp, a EDP e o Millennium BCP - nos venha a custar, no próximo ano, a continuação da queda. A palavra “sucata”, com etimologia árabe, significa “o que cai, coisa sem valor” (recorro ao Dicionário Houaiss). Ora, o que está a cair com esse caso, o que está a ficar cada vez mais sem valor, é uma das coisas que mais devíamos valorizar, por ser uma das marcas maiores dos países desenvolvidos: a confiança. Não se trata apenas da diminuição da confiança que os cidadãos têm na política, mas, o que é mais grave, também da diminuição da confiança deles na justiça, que devia tratar rápida e exemplarmente este tipo de casos em vez de deixar avolumar controvérsias. Até já ouvi um médico comentar que, se na saúde estivéssemos tão mal como na justiça, se os prazos de atendimento nos hospitais fossem tão grandes como nos tribunais, já estaríamos quase todos mortos há muito tempo...”
Com o mesmo título que o do post, passo a transcrever a crónica do Professor Carlos Fiolhais, publicada no jornal PÚBLICO de 20 de Novembro de 2009.
“Jorge Coelho, presidente-executivo da Mota-Engil, a maior empresa de construção nacional, deu uma entrevista ao semanário “Sol” em 18 de Setembro passado que talvez nos ajude a entender as nebulosas relações entre negócios e política no nosso país. Quando lhe foi perguntado se achava que a empresa que dirigia era beneficiada ou prejudicada nas adjudicações, disse: “Muito do que se passa na política, por detrás de coisas que são feitas... se os portugueses soubessem ficavam com ainda menos respeito pela vida política.” Os jornalistas quiseram saber se ele se referia a todas as alas políticas, ao que ripostou: “Tudo, tudo, tudo”. Interrogado quando é que tudo isso se ia saber, a resposta foi curta: “Nunca”.
Ele, que antes de ser empresário foi político durante quase 30 anos (“conheci muita gente e tenho conhecimentos ao nível da banca portuguesa e internacional que são fundamentais na minha profissão”, informou noutro passo da entrevista), deve saber do que estava a falar. Nós, que não sabemos, temos de nos limitar a imaginar. E não é difícil imaginar, porque o ex-ministro de Estado e do Equipamento Social de um governo do PS, não dizendo nada de concreto, disse mais do que diria dizendo. A mim, pelo menos, não me custa muito imaginar que Jorge Coelho converse, pelo telefone ou ao vivo, com os seus amigos e conhecidos no governo ou na banca e não tenha de esperar para ser não só atendido como bem atendido.
Certo é que, à data da entrevista, pouco antes das eleições legislativas, as acções da Mota-Engil estavam a subir a pique, tendo continuado a subir até atingirem, em 9 de Outubro, nas vésperas das eleições autárquicas, o máximo de 4,53 euros (mais do dobro do mínimo registado este ano, em 5 de Março). A cotação da Mota-Engil constituiu, para alguns analistas, um bom previsor dos resultados eleitorais. Essa foi, de facto, uma verdadeira sondagem, cuja margem de erro se revelou menor do que a das sondagens convencionais.
Nada disto é novo. A promiscuidade entre negócios e política é entre nós antiga e será uma das razões pelo desrespeito que os portugueses têm pela vida política, desrespeito que Jorge Coelho aliás reconhece. Esse mal-estar não é uma impressão difusa e não quantificável, pois há dados sociológicos que exibem com clareza a nossa desconfiança em relação ao funcionamento das empresas e instituições. A organização Transparency Internacional acaba de divulgar o seu relatório anual sobre a percepção da corrupção num grande número de países, e continuamos em queda nesse “ranking” mundial da corrupção. Se no ano transacto tínhamos caído do 28.º para o 32.º lugar (eram invocados os casos do “Apito Dourado” e do financiamento ilícito da Somague ao PSD), agora caímos do 32.º para o 35.º lugar, onde estamos a par com Porto Rico e logo antes do Botswana (não foram desta vez adiantadas explicações, mas pode-se adivinhar quais são).
Receio que o caso “Face Oculta” recentemente trazido à luz do dia – o caso das ligações perigosas das empresas do sucateiro Manuel Godinho a instituições públicas ou privadas de algum modo próximas da política, como a REN, a REFER, a Galp, a EDP e o Millennium BCP - nos venha a custar, no próximo ano, a continuação da queda. A palavra “sucata”, com etimologia árabe, significa “o que cai, coisa sem valor” (recorro ao Dicionário Houaiss). Ora, o que está a cair com esse caso, o que está a ficar cada vez mais sem valor, é uma das coisas que mais devíamos valorizar, por ser uma das marcas maiores dos países desenvolvidos: a confiança. Não se trata apenas da diminuição da confiança que os cidadãos têm na política, mas, o que é mais grave, também da diminuição da confiança deles na justiça, que devia tratar rápida e exemplarmente este tipo de casos em vez de deixar avolumar controvérsias. Até já ouvi um médico comentar que, se na saúde estivéssemos tão mal como na justiça, se os prazos de atendimento nos hospitais fossem tão grandes como nos tribunais, já estaríamos quase todos mortos há muito tempo...”