A
Em 1973 estreou-se nos cinemas um filme de Marco Ferreri, intitulado “La Grande Bouffe” (entre nós “A Grande Farra”), interpretado, entre outros, por Marcelo Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret e Ugo Tognazzi. A história é simples: quatro amigos, bem instalados na vida mas saturados da aridez da sua existência, resolvem cometer suicídio em grupo. Para o efeito reúnem-se para fazer uma grande farra, de contornos pantagruélicos, onde se consomem iguarias atrás de iguarias, pitéus atrás de pitéus, onde se chafurda nos manjares, onde se faz amor à beira dos vinhos e acepipes, e onde invariavelmente se acaba a vomitar, e não só. Em resumo: come-se para morrer, não para viver. Longe de limitar-se a descrever uma orgia pornográfico-gastronómica, o objectivo do filme é outro: criticar e ridicularizar esta sociedade abjecta e decadente, tão recheada de baixeza quanto de abastança, e atolada em excessos.
Por cá, alguma da abastança que certos senhores exibem, vêm dos nossos impostos (outra coisa não era de esperar), sob a forma de cartões de crédito, ao passo que as comezainas a que apaixonadamente se entregam, pagas com esses mesmos cartões, são saboreadas em locais restaurativos tão sonantes como Porto de Santa Maria, Gambrinus, Varanda da União, António do Barrote, O Nobre, Restaurante O Cortador, O Jacinto, Tico Tico, A Laurentina, Taberna Ibérica, O Mercado do Peixe, Marisqueira Cais Sodré, Ritz Four Seasons, Sete Mares, Tapa Larga, Cervejanário, Restaurante Os Arcos, Restaurante Típico O Madeirense, Cervejaria Búzio, Fortaleza do Guincho, Cervejaria Concha D'Ouro, Bufallo Grill, A Central da Baixa, Real Palácio da Pena, Hotel Arribas, Ensaio Comida Real, Portugália, Jardim Marisco, Don Pomodoro, Siga La Vaca, Tertúlia do Paço, O Bem Disposto, Vela Latina, O Faroleiro, Ristaurante La Carbonara, Hotel Dom Pedro Palace, entre muitos outros. Como se pode apreciar, estas são outro tipo de farras, onde se come à conta do erário público, não para morrer, mas sim para engordar com estilo. Ora leiam o que sobre o assunto se tem escrito:
"A Câmara de Lisboa tem uma empresa, a Gebalis, altamente deficitária, como qualquer empresa pública que se preza, encarregada de administrar os bairros sociais. Várias criaturas, que passaram pela direcção da Gebalis até 2007, foram agora acusadas pelo Ministério Público de peculato e gestão danosa. De que se trata? Alegadamente, um pequeno grupo de três "gestores" (como hoje se diz) gastou em poucos meses 64.000 euros da empresa em 620 "refeições" (calculo que em restaurantes que se recomendam) e nunca deu gorjetas de menos de 20 euros. Suponho que, a ser verdade a história, os gestores da Gebalis presumiram que a sua importância burocrática e política e mesmo, em última análise, a dignidade do Estado exigia esta despesa e esta pompa.
Mas parece que isto não bastava. A sra. dra. Clara Costa, vogal da direcção, andou, supostamente, à custa do contribuinte por Cracóvia, Belfast, Dublin, Marraquexe, Viena e Sevilha. Estas viagens, em que segundo o Ministério Público se fazia acompanhar pelo seu "namorado", custaram à Gebalis 34.000 euros. Como era de esperar, a sra. dra. Clara Costa não vê nada de impróprio neste arranjo. Nem na pequena quantia de 11.530 euros, que empregou, também ela, em "refeições", compatíveis com o seu estatuto. O Expresso declarou isto "falta de vergonha". Peço licença para não concordar. Se o Ministério Público tem razão, a dra. Clara Costa usou o Estado como milhares de outros funcionários, de que ninguém fala e com que ninguém se escandaliza.
Existem na Gebalis - cuja função, convém repetir, é administrar bairros sociais - cinco pelouros: de relações internacionais, de recursos humanos, de sistemas de informação, de comunicação e, compreensivelmente, um pelouro jurídico. Esta exuberância burocrática abre oportunidade a tudo: de "viagens de estudo" a Marraquexe a festejos na marisqueira Sete Mares. Principalmente, quando se dá a cada vogal da direcção um cartão de crédito da empresa. A Gebalis já esqueceu com certeza o fim para que foi criada. Como o resto da máquina do Estado, vive para justificar os seus pelouros, por inúteis que sejam, e anichar os "companheiros" do partido. E, quando chegam, os "companheiros do partido" querem muito humanamente tirar o ventre de misérias: ir a Marraquexe e à marisqueira - o ideal da classe média que a "democracia" lhe prometeu. Para alguma coisa "apoiaram" o sr. X ou sr. Y.”
Vasco Pulido Valente, em jornal Público de 26.10.2008
"Gebalis: Cartões usados em férias
Os ex-administradores da Gebalis Francisco Teixeira, Clara Costa e Mário Peças receberam, entre Fevereiro de 2006 e Outubro de 2007, oito cartões de crédito daquela empresa municipal. O limite de crédito atribuído àqueles ex-gestores oscilou entre cinco mil euros e dez mil euros por mês.
O despacho de acusação do Ministério Público, a que o CM teve acesso, diz que, 'no início do mandato, a cada um dos arguidos foram fornecidos cartões de crédito', apesar de haver 'uma omissão legal e dos próprios Estatutos da Gebalis [sobre essa regalia]', segundo o relatório da Polícia Judiciária.
A Francisco Ribeiro, ex-presidente da Gebalis, foram dados, segundo o despacho de acusação, três cartões de crédito: um do BES com limite de 7500 euros, um do BPI com dez mil euros e um do Millennium bcp com cinco mil euros. Mário Peças, ex-vogal da empresa, teve também três cartões de crédito: um do BES com 7500 euros, um do BPI com dez mil euros e um do Millennium bcp com cinco mil euros.
Já Clara Costa contou com um cartão de crédito do BES com um limite de crédito de 7500 euros e outro do Millennium bcp com cinco mil euros. À excepção do cartão de crédito do BPI atribuído a Mário Peças, todos os cartões tiveram vários números e diferentes datas.
'Com os respectivos cartões de crédito em seu poder, cada um dos arguidos decidiu que os utilizaria para pagamento das despesas relativas a refeições suas e com amigos e outras pessoas de cujo convívio poderiam beneficiar no seu percurso profissional, político ou financeiro, quer nos dias de trabalho, quer em férias ou fins-de-semana, quer, ainda, no decurso de viagens ao estrangeiro', precisa o despacho de acusação do Ministério Público. Ontem, Clara Costa manifestou a sua 'total inocência'."
Notícia do jornal Correio da Manhã de 25-10-2008
Saiba mais:
REFEIÇÕES E VIAGENS
De Março de 2006 a Outubro de 2007, Clara Costa gastou 11.530 euros em refeições com o cartão de crédito.
40.145 euros foi a despesa de Mário Peças em refeições, de Março de 2006 a Outubro de 2007, com cartões de crédito.
12.738 euros foi o gasto de Francisco Ribeiro em refeições, de Março de 2006 a Outubro de 2007, com cartões de crédito.
Em 1973 estreou-se nos cinemas um filme de Marco Ferreri, intitulado “La Grande Bouffe” (entre nós “A Grande Farra”), interpretado, entre outros, por Marcelo Mastroianni, Michel Piccoli, Philippe Noiret e Ugo Tognazzi. A história é simples: quatro amigos, bem instalados na vida mas saturados da aridez da sua existência, resolvem cometer suicídio em grupo. Para o efeito reúnem-se para fazer uma grande farra, de contornos pantagruélicos, onde se consomem iguarias atrás de iguarias, pitéus atrás de pitéus, onde se chafurda nos manjares, onde se faz amor à beira dos vinhos e acepipes, e onde invariavelmente se acaba a vomitar, e não só. Em resumo: come-se para morrer, não para viver. Longe de limitar-se a descrever uma orgia pornográfico-gastronómica, o objectivo do filme é outro: criticar e ridicularizar esta sociedade abjecta e decadente, tão recheada de baixeza quanto de abastança, e atolada em excessos.
Por cá, alguma da abastança que certos senhores exibem, vêm dos nossos impostos (outra coisa não era de esperar), sob a forma de cartões de crédito, ao passo que as comezainas a que apaixonadamente se entregam, pagas com esses mesmos cartões, são saboreadas em locais restaurativos tão sonantes como Porto de Santa Maria, Gambrinus, Varanda da União, António do Barrote, O Nobre, Restaurante O Cortador, O Jacinto, Tico Tico, A Laurentina, Taberna Ibérica, O Mercado do Peixe, Marisqueira Cais Sodré, Ritz Four Seasons, Sete Mares, Tapa Larga, Cervejanário, Restaurante Os Arcos, Restaurante Típico O Madeirense, Cervejaria Búzio, Fortaleza do Guincho, Cervejaria Concha D'Ouro, Bufallo Grill, A Central da Baixa, Real Palácio da Pena, Hotel Arribas, Ensaio Comida Real, Portugália, Jardim Marisco, Don Pomodoro, Siga La Vaca, Tertúlia do Paço, O Bem Disposto, Vela Latina, O Faroleiro, Ristaurante La Carbonara, Hotel Dom Pedro Palace, entre muitos outros. Como se pode apreciar, estas são outro tipo de farras, onde se come à conta do erário público, não para morrer, mas sim para engordar com estilo. Ora leiam o que sobre o assunto se tem escrito:
"A Câmara de Lisboa tem uma empresa, a Gebalis, altamente deficitária, como qualquer empresa pública que se preza, encarregada de administrar os bairros sociais. Várias criaturas, que passaram pela direcção da Gebalis até 2007, foram agora acusadas pelo Ministério Público de peculato e gestão danosa. De que se trata? Alegadamente, um pequeno grupo de três "gestores" (como hoje se diz) gastou em poucos meses 64.000 euros da empresa em 620 "refeições" (calculo que em restaurantes que se recomendam) e nunca deu gorjetas de menos de 20 euros. Suponho que, a ser verdade a história, os gestores da Gebalis presumiram que a sua importância burocrática e política e mesmo, em última análise, a dignidade do Estado exigia esta despesa e esta pompa.
Mas parece que isto não bastava. A sra. dra. Clara Costa, vogal da direcção, andou, supostamente, à custa do contribuinte por Cracóvia, Belfast, Dublin, Marraquexe, Viena e Sevilha. Estas viagens, em que segundo o Ministério Público se fazia acompanhar pelo seu "namorado", custaram à Gebalis 34.000 euros. Como era de esperar, a sra. dra. Clara Costa não vê nada de impróprio neste arranjo. Nem na pequena quantia de 11.530 euros, que empregou, também ela, em "refeições", compatíveis com o seu estatuto. O Expresso declarou isto "falta de vergonha". Peço licença para não concordar. Se o Ministério Público tem razão, a dra. Clara Costa usou o Estado como milhares de outros funcionários, de que ninguém fala e com que ninguém se escandaliza.
Existem na Gebalis - cuja função, convém repetir, é administrar bairros sociais - cinco pelouros: de relações internacionais, de recursos humanos, de sistemas de informação, de comunicação e, compreensivelmente, um pelouro jurídico. Esta exuberância burocrática abre oportunidade a tudo: de "viagens de estudo" a Marraquexe a festejos na marisqueira Sete Mares. Principalmente, quando se dá a cada vogal da direcção um cartão de crédito da empresa. A Gebalis já esqueceu com certeza o fim para que foi criada. Como o resto da máquina do Estado, vive para justificar os seus pelouros, por inúteis que sejam, e anichar os "companheiros" do partido. E, quando chegam, os "companheiros do partido" querem muito humanamente tirar o ventre de misérias: ir a Marraquexe e à marisqueira - o ideal da classe média que a "democracia" lhe prometeu. Para alguma coisa "apoiaram" o sr. X ou sr. Y.”
Vasco Pulido Valente, em jornal Público de 26.10.2008
"Gebalis: Cartões usados em férias
Os ex-administradores da Gebalis Francisco Teixeira, Clara Costa e Mário Peças receberam, entre Fevereiro de 2006 e Outubro de 2007, oito cartões de crédito daquela empresa municipal. O limite de crédito atribuído àqueles ex-gestores oscilou entre cinco mil euros e dez mil euros por mês.
O despacho de acusação do Ministério Público, a que o CM teve acesso, diz que, 'no início do mandato, a cada um dos arguidos foram fornecidos cartões de crédito', apesar de haver 'uma omissão legal e dos próprios Estatutos da Gebalis [sobre essa regalia]', segundo o relatório da Polícia Judiciária.
A Francisco Ribeiro, ex-presidente da Gebalis, foram dados, segundo o despacho de acusação, três cartões de crédito: um do BES com limite de 7500 euros, um do BPI com dez mil euros e um do Millennium bcp com cinco mil euros. Mário Peças, ex-vogal da empresa, teve também três cartões de crédito: um do BES com 7500 euros, um do BPI com dez mil euros e um do Millennium bcp com cinco mil euros.
Já Clara Costa contou com um cartão de crédito do BES com um limite de crédito de 7500 euros e outro do Millennium bcp com cinco mil euros. À excepção do cartão de crédito do BPI atribuído a Mário Peças, todos os cartões tiveram vários números e diferentes datas.
'Com os respectivos cartões de crédito em seu poder, cada um dos arguidos decidiu que os utilizaria para pagamento das despesas relativas a refeições suas e com amigos e outras pessoas de cujo convívio poderiam beneficiar no seu percurso profissional, político ou financeiro, quer nos dias de trabalho, quer em férias ou fins-de-semana, quer, ainda, no decurso de viagens ao estrangeiro', precisa o despacho de acusação do Ministério Público. Ontem, Clara Costa manifestou a sua 'total inocência'."
Notícia do jornal Correio da Manhã de 25-10-2008
Saiba mais:
REFEIÇÕES E VIAGENS
De Março de 2006 a Outubro de 2007, Clara Costa gastou 11.530 euros em refeições com o cartão de crédito.
40.145 euros foi a despesa de Mário Peças em refeições, de Março de 2006 a Outubro de 2007, com cartões de crédito.
12.738 euros foi o gasto de Francisco Ribeiro em refeições, de Março de 2006 a Outubro de 2007, com cartões de crédito.