quarta-feira, agosto 08, 2012

Estória Breve: Aurice Que Lavas no Rio


ERA o ano de 1543, um ano aziago, com o povo a voltar a ser maltratado pela peste, e com os campos definhados pela moléstia a prometerem mais um Inverno de fome, naquela região inóspita, senhorio do conde do Couto Calvo, que pouca semente lançava à terra, mas que compensava com as abundantes sementes que espargia pelas alcovas alheias, gerando um exército de bastardos. Eram tempos adversos, até mesmo para o mosteiro de Romalde, que pela sua traça mais parecia uma fortaleza que casa de retiro e oração, cuja fundação remontava aos recuados tempos da monarquia visigótica. Implantado no alto da colina, era amparado pelo pequeno burgo que crescera aconchegado à sua volta, sendo ponto de passagem de um dos caminhos de Santiago.

Estivera quase em ruínas, mas, dois séculos atrás fora reconstruído para albergar os freires da Ordem da Adoração, gente que ingressava na vida religiosa, como forma de se furtar ao cortejo de fome e miséria que os esperava no mundo dos outros mortais. Por isso e outras razões, era uma época em que a santidade andava pelas ruas da amargura. As exigências das regras conventuais eram bem mais brandas do que a dureza e precariedade do mundo exterior, razão porque pobres e bastardos, senão mesmo foragidos, era vê-los a fazerem fila para envergarem o hábito, tivessem ou não vocação para abraçarem a vida monástica e espalharem a mensagem divina, à mistura com o terror dos suplícios e fogos eternos. Entre uma vida dedicada à santidade, preferiam a santa vida que a fingida devoção proporcionava. Era o próprio papado que dava maus exemplos, que vivia amancebado e fazia vista grossa à vida dissoluta da classe sacerdotal, a qual, quantas vezes de barriga cheia e testículos vazios, tinha o costume de passar umas temporadas no recato dos mosteiros, entre jejuns e orações, a desintoxicarem-se de banquetes e orgias de sacristia.

Aurice Mendes, filha de Paio e Joana Mendes, tratava dos porcos, abichando algumas poucas moedas como lavadeira dos paramentos e toalhas de altar do mosteiro, tarefa que cumpria na ribeira de Sule, pois a cisterna conventual há muito que estava à míngua de água. Era neta de judeus que tinham sido enxotados de Castela em 1492, refugiando-se em Portugal, sendo forçados a receber o baptismo, e por cá foram ficando, cuidando de passarem despercebidos, furtando-se assim às perseguições e "limpezas de sangue" que periódicamente recaíam sobre os “cristãos-novos”. Uma vez por mês, Aurice voltava afogueada ao convento para entregar os panos lavados, recebia de volta as prometidas moedas, mas depois, esgueirando-se, espraiava-se pelo claustro e pela celas dos freires, a ouvir histórias, a ser seduzida com sermões e palmadinhas, e outras coisas mais. Até um dia! Atacada de vómitos e com a barriga a crescer cada dia que passava, ameaçada pelos pais de que a punham a comer e a dormir com os porcos, contou que aquele estado só podia ter acontecido no mosteiro, na brincadeira com os frades. Qual deles? Perguntaram os Mendes. Não sei! Respondeu ela.

Paio Mendes não perdeu tempo. Deu uma tareia na filha e logo a seguir subiu até ao mosteiro para falar com o Superior. Esqueceu-se de dizer à mulher, Joana Mendes, para se manter calada, e por isso, não era corrido meio-dia e já todo o povoado sabia da encomenda. O povo, não fez nada por menos, e à falta de haver quem mais frágil houvesse, onde descarregar as desgraças e misérias que se vinham acumulando, passou a palavra e ejaculou a acusação fatal. A porca da judia acamou-se com a fradalhada, e lá vem a caminho mais um filho do Demo!

Da conversa travada entre Paio Mendes e Monsenhor Damião, pouco ou nada se sabe, excepto que Aurice ia levar mais umas chibatadas e os frades iam ser interrogados por Monsenhor. Mas uma coisa era certa: daquele episódio, nem a neta de judeus, nem os frades da Adoração, se iam safar da forma habitual. Se havia uma pecadora, era preciso encontrar um pecador, e pelas contas de Monsenhor Damião, havia um candidato que se acomodava à pretensão: frei Bernardo, um sonso e solitário de modos doces, que não falhava uma novena, que não partia um prato, mas que ficava congestionado de luxúria quando se cruzava com a Aurice, e isso não passava despercebido a ninguém. Monsenhor iria fazer o que era preciso, isto é, interrogar todos, e sobretudo o depravado.


- Monsenhor, estive com essa rapariga na minha cela, recitei-lhe uns salmos mas não pecámos! E Bernardo jurou ser verdade o que dizia, apertando contra o peito as sagradas escrituras.

- Frei Bernardo, vós dizeis que não pecaste, mas frei Antão, frei Tadeu, frei Jorge e os outros irmãos desta ala do mosteiro garantem que ouviram, mesmo abafados pelas grossas paredes das celas, fortes risadas e repetidos gemidos de prazer.

- Mas monsenhor, se ela própria diz que era visita de todas as celas…

- Mas meu filho, é a tua palavra contra a palavra de muitos. Se o caso não tivesse escapado ao recato desta casa de Deus, indo cair no meio do povoado, sempre se podia compor, mas sendo assim, mandam as regras que se chame o Santo Ofício, com os seus interrogatórios e tormentos, para apurar a verdade…

- Monsenhor, a ser assim, é meu desejo que me escutais em confissão.

- Se é isso que desejais, espero por vós na capela, depois das orações, pela hora nona…


Naquele tempo, uma ameaça com a intervenção do Santo Ofício era o diabo. Casos de heresias, práticas judaizantes, bruxarias e feitiçarias, a envolverem paramentos e toalhas de altar, à mistura com fornicação entre judeus e cristãos, implicavam, habitualmente, a vinda do Santo Ofício, com os seus torniquetes e inquirições, para apreciar e julgar o desvio, e se necessário proceder à respectiva purificação, que podia acabar na fogueira. Ora, se a tolerância recorresse a outros meios mais consensuais - mais tarde conhecidos por acordos de cavalheiros - onde nenhuma honra ficasse ferida e a vida continuasse em suposta normalidade, tudo isso eram soluções que até a Deus agradavam, pois farto estava ele de julgar e castigar, tanta era a maldade à solta, e tantos os dissabores que a Humanidade lhe provocava.

Assim, embora fosse pouco habitual um freire abandonar a vida monástica, foi o que aconteceu com frei Bernardo, depois daquela prolongada confissão ao superior da Ordem. O que confessou, no segredo da confissão ficou. Dois dias depois, ao entardecer, abriram-se as portas do mosteiro de Romalde para ver partir Bernardo, já sem o hábito nem as sandálias da Ordem. Voltava para enfrentar o mundo de onde viera, como se fosse um penitente, abraçado a um saco com nacos de broa, descalço e com uns andrajos, recuperados do bafiento depósito do mosteiro, em jeito de misericórdia.

Muitos meses depois, o povo começou a sussurrar, e o que se ouvia, vindo de terras mais ao sul, era uma história inacreditável, pois tortuosos são os caminhos, que a mão da providência escolhe para exibir a verdade. Contava-se que o réprobo frei Bernardo teria sido emboscado por salteadores, e que à falta de valores, não tiveram contemplações, despojando-o dos míseros andrajos que trazia vestidos e deixando-o desnudo como viera ao mundo. E o que viram – surpresa das surpresas – deixou os malandrins boquiabertos: pela frente tinham não um Bernardo, mas sim uma Bernarda, havendo quem se lembrasse de associar o facto com a tão mal explicada, quanto ocultada história da Papisa Joana, ocorrida por volta do ano 1099. Já naquela época difícil, as mulheres recorriam ao embuste, mudando de género, tal era a vontade de sobreviver e superar a sua condição.

Finalmente, lá por Romalde, também a criança de Aurice acabou por nascer, um varão, porém, de pai incógnito não ficou. Mais do que desconfiança, logo se instalou no burgo a certeza de que o pai do petiz era o próprio superior da Ordem, Monsenhor Damião, tal era a semelhança entre ambos, que ia da expressão e contornos faciais, até àquele sinal, do tamanho de uma moeda, que ambos ostentavam na maçã direita do rosto. A confirmar isso, ficara garantido, por contrato firmado entre o avô Mendes e Monsenhor Damião, que ao atingir a maioridade, o pequeno Tiago Mendes, isento de exame vocacional, seria admitido e receberia o hábito de membro da Ordem da Adoração, e depois, seria o que Deus quisesse. Quanto a Monsenhor Damião, nunca mais pôs os pés fora do mosteiro, excepto quando foi a enterrar. Sobre Aurice, sabe-se que não voltou a lavar na ribeira de Sule, e quanto à suposta Bernarda não nos chegaram mais memórias, fossem elas escritas ou orais.

Texto de F.Torres. Agosto de 2012
Ilustração: Montagem fotográfica de F.Torres

domingo, agosto 05, 2012

Há 14 Anos Foi Pavilhão da Utopia


«O Pavilhão Atlântico foi vendido por 21,2 milhões de euros ao Consórcio Arena Atlântico, no qual se inclui Luís Montez, dono da Música no Coração e genro do Presidente da República. O equipamento custou ao Estado 50 milhões de euros e “era rentável”, tendo os seus lucros triplicados entre 2009 e 2010.
Assunção Cristas justificou esta venda argumentando que “o grupo Parque Expo tem uma dívida de 200 milhões de euros, daí a decisão de realizar ativos, vendendo um conjunto de património relevante sobre o qual o Estado não tem função pública crucial a prosseguir”»

Artigo do blog ESQUERDA.NET em 1-8-2012

«As coisas mais simples são muitas vezes incompreensíveis para as mentes mais sofisticadas. O Estado construiu o PA (Pavilhão Atlântico) por 50 milhões de euros. Fê-lo porque considerou que este equipamento era importante no plano de recuperação urbanística da zona oriental de Lisboa. Trata-se de um equipamento cuja utilização comprova a justeza da opção do Estado já que os objectivos que presidiram à sua construção têm sido alcançados. Em função desse sucesso as receitas que gera são superiores aos custos incluindo os custos financeiros a ele associados. Não entra aqui nestas contas o valor de uso embora seja esse valor que justifica a construção de qualquer equipamento desta natureza. Não interessa sequer discutir se para esta construção existiram ou não financiamentos comunitários a fundo perdido.
O que interessa é o facto de não existir nenhuma racionalidade económica em alienar um equipamento, ainda novo, por menos de metade do seu custo apenas e só porque, afinal, o Estado não se revê na função de gestor de equipamentos culturais. Não existe racionalidade mas também não existe surpresa já que esta tem sido a nossa triste história. Infelizmente alguns teimam em não perceber mesmo as coisas mais simples.»

Comentário de José Guinote, em 4-8-2012 sobre a privatização do Pavilhão Atlântico

«(...) A venda do Pavilhão Atlântico é pois apenas mais um episódio (evidentemente simbólico em termos financeiros comparativos), da longa história das privatizações em Portugal, que por sua vez se insere num processo mais vasto, o do empobrecimento deliberado do Estado. Uma história que tem vindo a ser escrita com as linhas da mais pura «irracionalidade económica» (para usar os termos do pensamento económico dominante), na óptica da defesa do interesse público e do dinheiro dos contribuintes.
Quando ouvirem falar do Estado gordo, que gasta mais do que tem, que é ineficiente e que não produz recursos suficientes para permitir a existência de políticas sociais decentes, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando vos disserem que não é possível manter um Serviço Nacional de Saúde universal e gratuito, ou um sistema público de educação com qualidade para todos, lembrem-se do Pavilhão Atlântico. Quando insistirem que não se podem assegurar os recursos mínimos de subsistência aos cidadãos mais carenciados, lembrem-se do que significa - simbolicamente - a privatização do Pavilhão Atlântico.»

Post de Nuno Serra em 31-7-2012 no blog LADRÕES DE BICICLETAS, com o título "Lembrem-se do Pavilhão Atlântico"

Meu comentário: Mais palavras para quê, se mantenho de pé a minha convicção de que tudo o que é privatizável, quando os ventos soprarem de feição, poderá voltar a ser nacionalizável?

sábado, agosto 04, 2012

Mais Imóvel e Isolado


DIZEM os jornais que a 15 de Agosto deste ano a Refer vai fechar mais 65 quilómetros de linhas, incluindo o ramal de Cácares, argumentando que não se justifica manter activos aqueles 65 quilómetros de linha unicamente para a passagem de dois comboios, tanto mais que existe a vontade da CP e da sua congénere Renfe de o fazer passar pela linha da Beira Alta, servindo assim cidades com mais mercado (sempre os mercados!) como Pombal, Coimbra, Nelas, Mangualde, Guarda e Salamanca.

Os sucateiros que compram por tuta e meia os carris inoperacionais, bem como os rapinantes que operam a coberto da noite, é que são os grandes beneficiários destas medidas, que tornam Portugal cada vez mais mais imóvel e isolado, cada vez mais região e menos país. Passo a passo, é garantido que voltaremos, não ao século XIX, onde até fomos pioneiros na implementação da cobertura ferroviária do país, mas bastante mais para trás.

quarta-feira, agosto 01, 2012

Detectada Mais Uma Causa do Desemprego

O DIÁRIO ECONÓMICO on-line de 1 de Agosto de 2012 noticia que a CMVM (Comissão do Mercado de Valores Mobiliários), no seu Relatório Anual do Governo das Sociedades cotadas, apurou que em 2010, 17 administradores acumulavam, cada um, lugares de gestão em 30 ou mais empresas, sendo que um deles tinha lugar na administração de 73.

Tomando como base esta informação da CMVM, e feitas as contas por alto, conclui-se que esses 17 cavalheiros monopolizaram (ou ainda monopolizam) a função de administradores, em perto de 700 empresas, com a simpática média de apenas 4 horas mensais de assistência a cada uma delas, factor que certamente acaba por se reflectir na rendibilidade e competitividade das mesmas. Por outro lado (e esse é o aspecto mais grave), tal exclusividade, acaba por contribuir para o desemprego que grassa entre os jovens licenciados, e explica porque razão em Portugal os cursos de Gestão de Empresas passaram a ter reduzidas saídas profissionais.

terça-feira, julho 31, 2012

Sobre o Impacto dos Discursos


NOTA prévia: Estive vários dias a meditar sobre o assunto, e só avanço agora com o meu juízo, quando as dúvidas já estão reduzidas ao mínimo. O tempo dirá, se sim ou não, tenho razão. Fica escrito e assinado.

No passado dia 23 de Julho, Pedro Passos Coelho, numa reunião com quadros do PSD (que propositadamente, não foi à porta fechada), ao relacionar de forma subtil a sua dieta de emagrecimento com aquela traumática expressão de "que se lixem as eleições", tinha um objectivo preciso. Aquele discurso não foi improvisado, mas sim estudado milimétricamente para causar um efeito preciso. E para isso foi posta a funcionar a máquina de produzir ideias-chave do marketing político, o qual além de servir para ganhar eleições, também serve para manter governos no poder, umas vezes de forma "pimba" (caso de José Sócrates), outras vezes de forma mais sofisticada. O marketing político sabia que aquela ideia de associar dietas de emagrecimento com o desprezo por eleições, iria ter repercussões, e no momento actual, o que é preciso é fazer repercutir ideias, e quanto mais popularuchas, melhor…

Acho que foi este o caso, e o objectivo era simples! A intenção de Passos Coelho foi a de explorar o sentimento generalizado de descrédito dos políticos e da democracia, que grassa entre os portugueses, colocando-se ao lado da opinião corrente de que as eleições constituem uma despesa extraordinária que só serve para agravar o défice, e que no fundo até não solucionam "técnicamente" nenhum dos problemas com que os portugueses se debatem. Foi como se tivesse dito: Vêem, vêem? Quanto a eleições, eu penso exactamente como vós, e quanto a salvar Portugal estou aqui cheio de vigor e determinação, e podem contar comigo. A finalidade era desclassificar as eleições, como instrumento de mudança, colocando-se, ele, Passos Coelho, num patamar superior, e "oferecendo-se" em sacrifício ao supremo e patriótico objectivo de salvar Portugal. Onde é que eu já ouvi isto?

Por outro lado, misturar problemas políticos bicudos com dietas de emagrecimento, serve também para reforçar este discurso pseudo-improvisado. Tendo as dietas a ver com menos gordura, não só significam mais sobriedade e austeridade, mas também mais agilidade, com o consequente aumento da energia e da capacidade de trabalho, para levar de vencida aquela missão, que ele, Passos Coelho, configurou como histórica, urgente e consensual. Além disso, a par do seu martírio da governação, apela ao nosso resignado consentimento, para que continuemos a ser desbastados até ao osso. Passos Coelho não precisou de ser histriónico, nem de vitimizar-se. Fez exactamente o contrário. Foi com calma e serenidade, embora com algum dramatismo à mistura, que esvaziou de sentido as eleições, chegando mesmo a perguntar ao parceiro do lado (como se não soubesse) como se aplicava o termo "lixar".

Embora congeninado para ser dito num encontro partidário, os destinatários daquele discurso não eram própriamente as hostes do PSD, mas sim o povo português em geral. Não foi por acaso que foi retransmitido até à exaustão por todos os canais de comunicação social, ocupando durante os dias seguintes, a legião de comentadores do costume, com muitas e variegadas interpretações sobre o seu significado. Comigo, o seu destino estava traçado: era ao povo que interessava fazer chegar a mensagem, e isso, o tempo dirá se foi conseguido. Que o primeiro-ministro comungava das mesmas apreensões que o mais desiludido e comum dos portugueses, quanto à eficácia da democracia para solucionar a crise, e que ele se entregava, de alma e coração, para acabar com ela, se disso dependesse a "continuidade" de Portugal. Onde é que eu já ouvi isto?

sábado, julho 28, 2012

Estória Breve - As Duas Padeiras


CORRIA o ano de 1385, mais exactamente a tarde do dia 14 de Agosto, e para os lados de Aljubarrota, aprestavam-se para se enfrentarem, as hostes do Condestável e de dom João I, o mestre de Avis, e o exército de Juan I, rei de Castela, cujas hostes, em número e fidalguia apoiante, suplantavam largamente o exército português e as ajudas inglesas. Por aquelas bandas, entre povoados e charnecas inabitadas, viviam, não uma mas duas padeiras, a saber, uma de nome Brites de Almeida, mulher rija e trabalhadeira, e outra mais discreta, surda, mas toda ela farta de carnes e músculo, porém minguada de formosura, de sua graça Lianor Domingues, casada com um insignificante jornaleiro, de nome Álvaro Domingues.

Ao saber da notícia de que estava eminente o embate, Álvaro não pensou duas vezes, e foi rápido a decidir. Sem espada nem lança, silencioso e sem dizer onde ia, apanhou uma forquilha e meteu pés ao caminho para se ir juntar às tropas invasoras, cujos estandartes e pendões, desde manhã cedo, lá ao longe, já tinham assomado nos outeiros. Fê-lo como o haviam feito um punhado de fidalgos das redondezas, imaginando que a sorte das armas penderia, infalivelmente, para Castela, e que com isso colheria algum benefício ou honraria. Na sua ignorância, seguiu o exemplo de quem ele pensava ser mais entendido em matéria de interesses e oportunidades.

A caminho do fim da tarde, depois de algumas manobras preparatórias, e ainda sob um sol escaldante, chocaram-se os dois exércitos, com uma violência desmesurada. O fragor da batalha, feito de ordens, gritos, entrechocar das armas e das couraças, troar das bombardas, assobios de flechas e virotões, e o relinchar de cavalos feridos, calou a passarada e fez estremecer a bucólica e lânguida paz das hortas e pomares, ao redor do campo de São Jorge. Com o chegar da noite eram vencedores os invadidos e estavam derrotados os invasores. O povo em brasa saiu aos campos, armado de foices, forquilhas, varapaus e em tremenda gritaria, vasculhava os caminhos, atalhos e celeiros, em busca de castelhanos transviados, chacinando-os sem piedade. Outros, aventuravam-se no campo de batalha, ainda morno, volteando corpos e saqueando tudo o que de valor encontravam, indiferentes aos corpos enganchados e trespassados nas paliçadas aguçadas, outros tombados e massacrados nos fossos e covas de lobo. Amontoados de corpos entupiam os ribeiros, cujas águas corriam vermelhas de sangue, e pelos campos em redor, galopavam à toa cavalos sem cavaleiro, aterrorizados peões castelhanos e aragoneses, lanceiros italianos e besteiros franceses, feridos e esfarrapados, acossados e em fuga desordenada.

Sete dos fugitivos foram esconder-se no forno da Brites de Almeida, que com a sua pá de ferro, logo ali os aliviou de outros tormentos. Mais para norte, a meia légua, num lugarejo cujo nome se perdeu, coube a tarefa a Lianor Domingues, que com a sua machada de rachar lenha para o forno, já mesmo ao cair da noite, tratou da saúde de outros quatro castelhanos extraviados, que se coziam com as sombras, e mais um outro, que berrava a plenos pulmões, suplicando misericórdia, mas em vão. Na penumbra, embalada pela sua surdez e no calor do ajuste de contas, o gume da machada, movida com destreza e com um ruído seco, abriu a cabeça do tratante ao meio, até aos ombros, como se fosse um melão maduro.

Esse quinto, o tal mais um, veio-se a saber mais tarde, era nem mais nem menos que o foragido, humilhado e arrependido, Álvaro Domingues, de regresso ao doce lar e aos braços portentosos da sua Lianor, que nunca lhe conhecera a voz. Depois de ter provado o pão que diabo amassou, regressava sem ter sido reconhecido, pior do que tinha saído, de calções rotos, ensopado de feridas, sem honra nem forquilha. Dias depois foi rezada uma missa por ele e outros traidores, mas ficaram dúvidas que tivessem sido aceites no paraíso.

Semanas mais tarde, depois de assentar a poeira daquela refrega e voltarem a chilrear os pássaros e a arrebitarem os arbustos espezinhados dos campos de Aljubarrota, inconsolável e roída de remorsos, Lianor juntou os poucos haveres e acabou - dizem as alcoviteiras - por partir para algures, deixando à parceira de ofício, a tal Brites de Almeida, o prestígio, o protagonismo e a responsabilidade da lenda.

Texto de F.Torres - Julho de 2012
Ilustração de Hal Foster

quarta-feira, julho 25, 2012

Registo para Memória Futura (69)

«(...) é ao PSD que tem cabido a missão de tornar irreconhecível o Estado herdado da normalização democrática e constitucional de Novembro de 1975. Um serviço há muito desejado pela direita da direita, a direita dos negócios obscuros, aquela que só conhece quatro formas de "competitividade": o favor político, a desregulação laboral e empresarial, a evasão fiscal e os baixos salários. (...) Sem ter esperança de poder cumprir os objectivos do défice, tendo agravado o desemprego e a recessão, nada tendo feito para reformar a despesa inútil do Estado, torna-se claro o objectivo: mudar as relações entre capital e trabalho e instalar um modelo de capitalismo chinês em Portugal.»

Excertos do artigo de Miguel Sousa Tavares, intitulado "O PREC de direita", publicado no semanário EXPRESSO de 21 de Julho de 2012

segunda-feira, julho 23, 2012

No Local e no Momento Errado

ANTÓNIO José Seguro, secretário-geral do partido Seguro, de visita aos locais atingidos pelos incêndios, nos concelhos de Tavira e S.Brás de Alportel, confrontado com o desesperante cenário de miséria das populações atingidas, e não sei a que propósito (talvez pensando que estava em campanha eleitoral a angariar votos), abandonou temporáriamente a sua providencial "abstenção violenta" e voltou a repetir para os repórteres de televisão que queria ser primeiro-ministro.

domingo, julho 22, 2012

Alegações Finais

José Hermano Saraiva (1919-2012)

CURIOSAMENTE, na véspera do falecimento de José Hermano Saraiva, e a propósito de tirar uma dúvida (a qual não foi satisfeita), consultei a sua brevíssima HISTÓRIA CONCISA DE PORTUGAL, obra que à época da sua publicação, constituiu um notável êxito editorial. Polémico e controverso, Hermano Saraiva deixou boas marcas, como grande comunicador que era, sobretudo como divulgador da História, das terras e das gentes de Portugal, dialogando connosco através de programas de TV (em autêntico serviço público), a par de outras péssimas marcas, não apenas por ter sido um salazarista convicto e irredutível, deputado da União Nacional, procurador à Câmara Corporativa, mas sobretudo por ter sido ministro da Educação entre 1968 e 1970, e nessa qualidade ter conspurcado a Universidade de Coimbra com repressão policial, demissão da direcção da Associação Académica, encerramento da Universidade, prisão e instauração de processos contra os estudantes que, às dezenas, foram incorporados nas Forças Armadas e mobilizados para a guerra colonial, durante a crise académica de 1969.

Embora determinado, persistente e patéticamente coerente, as suas boas e inquestionáveis obras e qualidades, não apagam as imperfeições e condutas intolerantes e pouco aceitáveis, de que nunca se demarcou nem retratou. Que repouse em paz.


Helena Tâmega Cidade Moura (1924-2012)

«Morreu ontem, com 88 anos, e está a ser lembrada, com toda a justiça, como a grande dinamizadora das campanhas de alfabetização a seguir ao 25 de Abril, dirigente do MDP/CDE e deputada à Assembleia da República.

Mas a sua actividade cívica e política não nasceu em 1974. Bem antes, esteve sempre ligada a instituições e iniciativas dos chamados católicos progressistas e afins. Foi presidente do Centro Nacional de Cultura em 1961, subscreveu manifestos importantes, entre os quais refiro, de cor e a título de exemplo, um longo texto de 101 católicos, em 1965, e todos os protestos contra o encerramento da cooperativa Pragma, em 1967. Foi nesse contexto que a conheci.

Era filha do velho professor Hernâni Cidade e cunhada de Francisco Pereira de Moura. E, também, amiga próxima de um conjunto de colegas notáveis que teve no curso de Românicas da Faculdade de Letras de Lisboa: entre outros, Sebastião da Gama, Luís Lindley Cintra, Maria de Lourdes Belchior e David Mourão-Ferreira. Sobreviveu-lhes, até ontem.

Aqui fica esta nota, como homenagem e complemento ao (pouco) que está a ser escrito sobre esta grande senhora.»

Transcrição integral do post de Joana Lopes no seu blog ENTRE AS BRUMAS DA MEMÓRIA, em 21 de Julho de 2012.

sexta-feira, julho 20, 2012

Vulnerabilidades

LI HÁ DIAS um artigo de opinião de um historiador da nossa praça que me deixou algo perplexo. Falava de pobres e desprotegidos, da classe média em geral, dos seus opíparos salários e condições de trabalho, de ordens profissionais, sindicatos e greves, do todo-poderoso, mãos-largas, grande empregador e protector chamado Estado, para rematar com uma irónica, simplificada e abusiva teoria sobre a causa das revoluções, que quanto a protagonistas, até teriam as suas lendas. Eu sei que aquilo era apenas um artigo de opinião, e se até eu, que não sou historiador, posso verter comentários e pareceres no meu blog, qual é o problema? O problema é que historiador é historiador, aqui e na Moita, e não um mero interessado no tema, como é o meu caso. Como diria o meu saudoso professor A.A., artigos de opinião assim tratados às três pancadas, valem o que valem, mas o autor, por mais curriculum e encómios que coleccione, não é para ser levado a sério.

Por isso, começo a ficar um pouco mais preocupado, quando sei que o tal senhor historiador é (ou foi) coordenador de uma síntese da História de Portugal que está agora a ser distribuída (em meritória iniciativa) com as edições do semanário EXPRESSO. É certo que ser coordenador, não é ser autor, mas para o leitor, fica sempre a pairar a convicção (ou desconfiança) de que persiste na abordagem dos temas, de forma mais ou menos velada, o cunho pessoal de quem orienta (estou-me a lembrar dos casos do Dicionário da Língua Portuguesa e do “novo” Acordo Ortográfico). Assim, nestas coisas da História (que não admite ligeireza, leviandade ou rudeza, mesmo quando se trata de artigos de opinião), qualquer leitor um pouco mais incauto, logo mais vulnerável, pode assim ser levado a considerar os factos históricos e os seus protagonistas - por exemplo, a Lei das Sesmarias, a Revolução de 1383/1385, ou a de 25 de Abril de 1974 - como banais jogos de aristocracias sócio-profissionais, ou guerra subversiva de corporações e de “lobbys”. Ao contrário de Portugal, a História de Portugal não precisa de ser resgatada ou reescrita pelos adoradores da nova ordem mundial; basta que não seja maltratada, nem esvaziada de sentido.

quinta-feira, julho 19, 2012

Deus nos Livre…

EM 21 de Dezembro de 2010, ainda José Sócrates andava por cá a fazer das suas, preparando o caminho para Pedro Passos Coelho, Sua Ineficiência, o Presidente Aníbal Cavaco Silva deixou o seguinte aviso:

Os mercados externos têm que ser respeitados, na certeza de que se alguém insultar os mercados internacionais vai haver prejuízo para a economia nacional. Na mesma altura, Cavaco Silva congratulou-se por essas mesmas críticas, felizmente, não passarem além-fronteiras, e referiu que é preciso ter muito cuidado com o que se diz na actual conjuntura, tendo acrescentado que Deus nos livre de termos um Presidente da República que não mede as palavras que diz.

Meu comentário: Por seguirmos os conselhos de Sua Ineficiência, e sermos muito bem comportados, caladinhos, humildes, reverentes e obrigados, o resultado está à vista...

quarta-feira, julho 18, 2012

Mudar Portugal


ATRAVÉS de um decreto-lei o governo prepara-se para liberalizar a arborização de pequenas parcelas de terreno até 5 hectares e a rearborização de parcelas até 10 hectares, com qualquer espécie vegetal, mediante uma simples comunicação prévia. Dizem os entendidos que esta medida (que apenas beneficiará a indústria das celuloses) irá facilitar a eucaliptização generalizada do país e a proliferação incontrolada de outras espécies de crescimento rápido, ávidas consumidoras da água dos solos, logo grandes responsáveis pela desertificação, contribuindo assim para uma acelerada degradação ambiental.

Agora já percebo o que Pedro Passos Coelho quer dizer, quando afirma que «nós queremos mudar Portugal»…

domingo, julho 15, 2012

Reler Sophia – Manhã de Julho


Na praça barão de Quintela
Nesta enevoada manhã de Julho
Onde cai às vezes chuva leve e fina
Ente montras sardinheiras e as esquinas
Tudo parece um desenho animado:
Pessoas passam – jovens ágeis matutinas
Movidas como por gratuito jogo
Em idílicas harmonias citadinas

Poema de Sophia de Mello Breyner Andresen in Musa, Julho de 1994

sábado, julho 14, 2012

Desconfiar da Confiança


Pedro Passos Coelho disse que renova total confiança em Miguel Relvas. Um fulano que deposita toda a confiança noutro fulano que não merece qualquer confiança, é justo que também perca a confiança, de quem nele acredita.

sexta-feira, julho 13, 2012

De Volta ao Tribunal Constitucional


A POLÉMICA decisão do Tribunal Constitucional sobre o corte dos subsídios, ainda não se esgotou. Embora haja quem bata palmas ao ambíguo acordão, persiste um problema que é da maior gravidade: a dualidade de critérios e a invasão de um território que o Tribunal não deveria pisar: a acção governativa. Como alguém disse, e muito bem, o Tribunal Constitucional é, apenas e só, uma instância que aprecia a constitucionalidade das leis produzidas, e não um tribunal político, devendo abster-se de qualquer decisão que tome em linha de conta o rumo político adoptado num dado momento, pelo governo em exercício.

Assim, o que vemos é que as suas decisões, em vez de se confinarem à conformidade das leis, com o estipulado na Lei Fundamental, subverte a sua função, ajustando a decisão, em função do momento, da oportunidade, dos interesses e do quadro político em que decorre essa avaliação. Curiosamente, a mesma matéria - cortes dos subsídos -, já teve dois pareceres contraditórios, por parte do Tribunal Constitucional. Em 2011, no governo de José Sócrates, reconheceu não ter havido tratamento desigual, ao afectar funcionários públicos e pensionistas, excluindo da medida os trabalhadores do sector privado, ao passo que em 2012, na vigência do governo de Passos Coelho, já reconheceu essa desigualdade, porém, desta feita, com uma delirante acrobacia: embora os cortes já estejam em curso no ano de 2012, e para que o orçamento de Estado não seja posto em causa, a inconstitucionalidade apenas é aplicada a partir do ano de 2013, pelo que até lá, presume-se, fica suspensa a Constituição.

Ao Tribunal Constitucional não compete emitir juízos ou pareceres sobre se a lei é necessária ou não à coesão orçamental, eficaz ou coerente com as opções governativas, devendo apenas confinar-se à conformidade e compatibilidade dessa lei com a Constituição. Tudo o que menos precisamos é de um Tribunal Constitucional de geometria variável, consoante soprem os ventos, ou que desça ao ponto de por-se a confeccionar cataplasmas, para tapar as venenosas malfeitorias e incompetências dos governos.

quinta-feira, julho 12, 2012

Em Madrid, Não se Passa Nada...


LÁ EM ESPANHA, depois de 19 dias e 400 quilómetros de marcha sobre Madrid, contra os mineiros asturianos, aragoneses e mais quem os apoia, Mariano Rajoy enviou-lhes mais um pacote de medidas de austeridade, à mistura com pelotões de "darth vader", treinados para prender, espancar, ferir, e o que mais se verá. Entretanto, cá em Portugal, pouco ou nada se sabe, e quase caiu uma cortina de silêncio sobre o assunto, porque a comunicação social tem mais com que se preocupar, como por exemplo, noticiar que "quase 14% das mulheres espanholas deseja passar uma noite com Cristiano Ronaldo". Tudo isto para delírio e satisfação da curiosidade lusitana, à mistura com uns pózinhos para levantar o moral e a auto-estima.

quarta-feira, julho 11, 2012

De Volta ao Relvado

JÁ TINHA acordado comigo próprio que não voltaria a falar sobre as trafulhices do ministro Miguel Relvas, na medida em que, continuar a falar da criatura, era dar-lhe uma importância que ele não tem. No entanto, vem-se assistindo a uma tentativa de branqueamento da personagem, por comparação com um outro "artista" da nossa praça, aquele que anda por Paris, a melhorar o curriculum, espreitando a oportunidade de regressar à vida política activa. Ora o Miguel Relvas, na minha opinião, não é melhor nem pior do que José Sócrates; é apenas, e não só, um aldrabão e oportunista de outro tipo, pessoa pouco recomendável, que não tem respeitabilidade para ser político, e muito menos ministro de qualquer governo.

Digo isto porque me chegaram às mãos notícias de uns quantos jornais nacionais e regionais, de há uns anos atrás, nomeadamente, TAL E QUAL, VOZ IMPARCIAL, EXPRESSO, CAPITAL, SEMANA ILUSTRADA e TEMPLÁRIO, onde são relatadas, ao pormenor, os "méritos" e as falcatruas do novel deputado Miguel Relvas. Numa profícua actividade que já vem de 1985, (já lá vão 27 anos e a memória é curta), o donzel Relvas, na sua qualidade de deputado da nação, fazia questão de abichar, de forma fraudulenta, uns suculentos subsídios de deslocação, utilizando o expediente de declarar a cidade de Tomar como local de residência (muitas delas moradas falsas), muito embora vivesse permanentemente em Lisboa, somando-se a isso uns quantos créditos à conta das chamadas "viagens fantasma", "arte" onde também foi exímio, e que foram amplamente divulgadas, na altura, na comunicação social. Era o único que usava este expediente? Claro que não! Mas isso não quer dizer que o procedimento fique atenuado ou seja desculpabilizado. Tais práticas são manchas que não se esbatem fácilmente, pois o expediente das moradas falsas e viagens fictícias foi usado de forma continuada, e não aconselha altos voos na política (nem noutras actividades), onde se exige uma autêntica e comprovada probidade.

Ora, na transcrição que o jornal PÚBLICO fez do parecer da Universidade Lusófona, onde foi feita a avaliação do candidato, para a respectiva creditação das suas aptidões profissionais, não sei se deliberadamente ou não, ou talvez apenas por não haver equivalências nos cursos daquele estabelecimento de ensino, esqueceram-se de reportar aquelas pouco dignas e nada obonatórias competências atrás referidas: falsas declarações no exercício de cargos públicos, conducentes a enriquecimento ilícito, à custa dos contribuintes. E já agora, não me venham dizer que águas passadas não movem moínhos...

domingo, julho 08, 2012

A Lista


O PRESIDENTE da República Aníbal Cavaco Silva, questionado pelos jornalistas (entre mais uns quantos apupos), a propósito da hipótese do Governo vir a alargar os cortes dos subsídios a todos os trabalhadores, referiu, exibindo o seu condoído semblante, que "não é fácil encontrar mais espaço para pedir sacrifícios aos portugueses que já foram sacrificados (...) que não quer especular sobre o que o Governo pensa fazer no futuro (...) mas admite que o Governo consiga encontrar algum grupo que até este momento escapou à chamada aos sacrifícios que têm sido exigidos aos portugueses para reequilibrar as contas públicas e para corrigir os desequilíbrios nas nossas contas externas". 

Ora bem, se o Presidente quiser - e não me custa nada fazê-lo - posso rabiscar-lhe uma lista de portugueses e de entidades que têm andado a passar, refasteladamente incólumes, ao lado das contribuições e impostos, os tais intocáveis (que não são trabalhadores, antes são beneficiários de suculentos dividendos, contas-offshore, privatizações e outros tantos negócios ruinosos, para o património e contas públicas), que nunca souberam o que é austeridade, e curiosamente, até têm ganho rios de dinheiro com ela.

sexta-feira, julho 06, 2012

Da Meia-Austeridade à Austeridade Total


O TRIBUNAL Constitucional declarou inconstitucional o corte dos subsídios, mas atendendo à crise, às circunstâncias, ao estado de necessidade e aos superiores interesses do país, considerou que há atenuantes, transformando a inconstitucionalidade numa espécie de meia-inconstitucionalidade, acabando assim por dar à Constituição uma elasticidade que ela não tem, nem pode ter, sob pena de se descaracterizar e perder a sua função. Ainda assim, o tribunal decidiu-se pela aplicação de uma espécie de moratória à inconstitucionalidade, pelo que para este ano, embora ele ainda vá a meio, o colectivo de juízes fecha os olhos e deixa passar a “coisa”, para não beliscar as intenções, nem estragar as contas do Governo...

A resposta do Governo não se fez esperar. Com a sua leitura inviesada da declaração de inconstitucionalidade, Pedro Passos Coelho vai responder à meia-austeridade (que afecta apenas funcionários públicos e pensionistas), com a austeridade total, isto é, alargada a todo o mundo do trabalho.

Leia o Acordão do Tribunal Constitucional no CARTÓRIO DO ESCREVINHADOR

quinta-feira, julho 05, 2012

Sai Uma Licenciatura Mal Passada…

NESTA história da licenciatura de Miguel Relvas, entre as cores garridas dos lapsos e descaramentos, só falta virem dizer que houve erro grosseiro no encurtamento do curso, por via das equivalências reconhecidas e homologadas pelo Conselho Científico da Universidade Lusófona, situação a que o ex-aluno e agora ministro Relvas é de todo alheio. Digam o que disserem, tudo isto não passa de uma afronta a quem é detentor de uma licenciatura válida, quantas vezes tirada com grandes sacrifícios, e que hoje, ou é visita regular dos centros de emprego, ou então é pago a 4 euros à hora, como é o caso dos enfermeiros.

Naquele meio, os amigos e as amizades, para alguma coisa servem, sendo habitual que os favores se paguem com outros favores. Para eles, fruto dos muitos conhecimentos e interesses cruzados, há sempre um ramalhete de oportunidades para desfrutar. O professor dá um jeito aqui, promovendo a entrada de esguelha no curso ali, depois vem um empurrão e o "salto qualitativo" do aluno acolá, abrindo-lhe, assim, as portas a uma licenciatura fácil e mal passada. Mais tarde o ex-aluno e agora ministro, retribui o favor ao professor, com um lugarzito jeitoso de secretário de estado adjunto ou chefe de gabinete.

Não contentes em serem cábulas e maus alunos, ainda assim, escolhem o caminho do simulacro e da intrujice, esquecendo-se de que estão sob permanente escrutínio. Por isso, volta, não volta, e como quem não quer a coisa, vai-se compondo o retrato da classe política que nos continua a desgovernar, tudo gente pouco recomendável, uma corja de trafulhas e analfabrutos, eles sim a precisarem de ser urgentemente “reajustados”.