COM um Governo arruinado com a demissão de Vitor Gaspar e que não se conseguiu "recauchutar" nem empossar, muito embora fosse aplaudido pela União Europeia, com um ministro dos Negócios Estrangeiros "irrevogavelmente" demissionário por discordar da escolha para ministra das Finanças, um secretário de estado também dos Estrangeiros a fazer as vezes do ministro no Conselho de Ministros, embora ambos não apareçam no ministério, e até tenham esvaziado os gabinetes, empacotando os seus haveres, com um ministro da Economia que era para ser substituído, mas já não foi, um ministro que era para ser do Ambiente mas ficou "congelado", e com Cavaco Silva a dizer que o Governo está em plenitude de funções, o panorama é do pior que se possa imaginar. Se o Governo já desgovernava o país, agora entrou em roda livre, a desgovernar-se a si próprio.
O objectivo de se verem concretizados os absurdos cortes de 4,7 mil milhões de euros, que ninguém diz onde serão aplicados, foi a grande motivação desta solução de compromisso tripartido proposto por Cavaco Silva, que ele quer que seja rápido, e que eufemisticamente apelidou de dever patriótico de salvação nacional, isto é, conseguir com três, aquilo que com dois, deu o resultado que deu. Contudo, responderam que sim senhor, que iam dialogar, mas a contragosto. O Governo porque se viu desacreditado e o PS porque se sentiu entalado. É uma solução que contemplou o PSD e CDS-PP com uma espécie de "castigo" por mau comportamento, e empurrou o PS para um caminho demasiado estreito e comprometedor para as suas ambições, para mais confrontado com a prometida moção de censura dos Verdes, que outro objectivo não tem senão de o obrigar a clarificar o seu inconstante posicionamento de "abstenção violenta". O caldo está definitivamente entornado, e não creio que a solução vá dar qualquer resultado, pois se o país já o estava, a partir de agora ficará mais ingovernável.
A dar-se o caso das negociações resultarem inconclusivas, e sabendo-se que as eleições antecipadas foram descartadas, porque o país - dizem eles - não suporta adiamentos ou mudanças no rumo traçado pelo memorando do resgate, fica apenas por descodificar o que Cavaco queria dizer quando advertiu que "há outras soluções". Na verdade, além do rumo insuportável que foi imprimido à vida dos portugueses, a verdade é que são eles que se tornaram cada vez mais insuportáveis, situação que apenas pode ser revertida, desalojando-os, com as tais eleições, a que todos gostam de tecer rasgar elogios, quando tal lhes convém, mas a que agora torcem o nariz, quando os ventos não sopram de feição. Vem a propósito lembrar as fresquíssimas declarações de José Miguel Júdice, outra aberração da nossa praça que deve andar a reeducar-se com alguma das biografias do Oliveira Salazar, quando diz que é preciso acabar com os partidos, haver um golpe de estado ou uma revolução que mude o sistema político, uma ruptura que opte pelo presidencialismo, que se concentre na pessoa de uma grande figura humanista, respeitada pelas elites, uma pessoa que dê algum sossego aos conservadores e algum sonho aos que são mais favoráveis à mudança. Mais um, que tem tanto de cretino e tonitruante, como de insuportável, num Portugal e numa Europa que se dizem das liberdades e das democracias.