terça-feira, fevereiro 05, 2008

Ler Para Crer

L
Transcrevo o artigo de Miguel Sousa Tavares, com o título "Da Opus Dei à maçonaria: a incrível história do BCP", publicado no semanário EXPRESSO, em 29 Dezembro 2007.

Da Opus Dei à maçonaria: a incrível história do BCP

Em países onde o capitalismo, as leis da concorrência e a seriedade do negócio bancário são levados a sério, a inacreditável história do BCP já teria levado a prisões e a um escândalo público de todo o tamanho. Em Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste "case study", para que ao menos a falta de vergonha não passe impune.

1-Até ao 25 de Abril, o negócio bancário em Portugal obedecia a regras simples: cada grande família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demais negócios do respectivo grupo.
Com o 25 de Abril e a nacionalização sumária de toda a banca, entrámos num período “revolucionário” em que "a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do povo, por uns camaradas mal vestidos e mal encarados que nos atendiam aos balcões como se nos estivessem a fazer um grande favor. Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como clientes e recebidas por profissionais do ofício. Mas, mais: ele conseguiu criar um banco através de um MBO informal que, na prática, assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital.
O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de facto mandava eram os administradores - que não tinham capital, mas tinham "know-how". Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo "engenheiro" - à excepção de Américo Amorim, que tratou de sair, com grandes lucros, assim que achou que os gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (e dinheiro).

2-Com essa imagem, aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português, apenas atrás do único banco público, a Caixa Geral de Depósitos. E, de cada vez que crescia, era necessário um aumento de capital. E, em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum accionista individual ganhasse tanta dimensão que pudesse passar a interferir na gestão do banco. Para tal, o BCP começou a fazer coisas pouco recomendáveis: aos pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para gestão, o BCP tratava de lhes comprar, sem os consultar, acções do próprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois desamparados perante as perdas em bolsa; aos grandes depositantes e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em "off-shores" para comprarem acções do banco, cobrindo-lhes, em caso de necessidade, os prejuízos do investimento. Desta forma exemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio cão - aliás, com o dinheiro dos depositantes - e subtraiu ao Estado uma fortuna em lucros não declarados para impostos. Ano após ano, também o próprio BCP declarava lucros astronómicos, pelos quais pagava menos de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em percentagem. E, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou médias poupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até diminuídas e, de seis em seis meses, recebiam uma carta-circular do engenheiro a explicar que os mercados estavam muito mal.

3-Depois, e seguindo a velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais e engolir o BPI. Não conseguiu, mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação" anunciada não passava de uma farsa. E descobriu-se ainda uma outra coisa extraordinária e que se diria impossível: que o BCP e o BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do capital do BCP e, como maior accionista individual, ter-se tornado determinante no processo de escolha da nova administração... do concorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve integrar a nova administração do banco que o quis “opar” e com o qual é suposto concorrer no mercado, todos os dias...

4-Instalada entretanto a guerra interna, entra em cena o notável comendador Berardo - o homem que mais riqueza acumula e menos produz no país - protegido de Sócrates, que lhe deu um museu do Estado para ele armazenar a sua colecção de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela casa. E assim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em milhões para um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também amigos do engenheiro e da administração, gente que se prestara ao esquema das "off-shores", que igualmente viam os seus créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor pessoal.

5-E foi quando, lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que já bastava: aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob pena de acontecer alguma coisa de mais grave - como, por exemplo, a própria falência, a prazo.

6-Reúnem-se, então, as seguintes personalidades de eleição: o comendador Berardo, o presidente de uma empresa pública com participação no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança pessoal de Sócrates, mais, ao que consta, alguém em representação do doutor "honoris causa" Stanley Ho - a quem tantos socialistas tanto devem e vice-versa. E, entre todos, congeminam um "take over" sobre a administração do BCP, com o "agréement" do dr. Fernando Ulrich, do BPI. E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a juntar ao súbito despertar do dr. Vítor Constâncio, acharam todos avisado entregar o BCP ao PS. Para que não restassem dúvidas das suas boas intenções, até concordaram em que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também usa “dr.”) - esse expoente político e bancário que o país inteiro conhece e respeita.

7-E eis como um banco, que era tão independente que fazia tremer os governos, desagua nos braços cândidos de um partido político - e logo o do Governo. E eis como um banco, que era tão cristão, tão "opus dei", tão boas famílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a que chamam maçonaria.

8-E, revelada a trama em todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição? Pede em troca, para o seu partido, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público. Pede e vai receber, porque há "matérias de regime" que mesmo um governo com maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr em causa. Um governo inteligente, em Portugal, sabe que nunca pode abocanhar o bolo todo. Sob pena de os escândalos começarem a rolar na praça pública, não pode haver durante muito tempo um pequeno exército de desempregados da Grande Família do Bloco Central.

Se alguém me tivesse contado esta história, eu não teria acreditado. Mas vemos, ouvimos e lemos. E foi tal e qual.

segunda-feira, fevereiro 04, 2008

A Tal Remodelação

A
“Finalmente, Sócrates, em desespero de causa, tratou da saúde a Correia de Campos. Antes que ele desse cabo da sua. Não em defesa do SNS, mas em (i)legítima defesa. Para disfarçar deu um rebuçadinho às descontentes gentes da cultura. Não fez uma remodelação. Começou a remodelar-se.
Sócrates viu-se livre, apenas, de um incomodativo enfeite que ameaçava tornar a sua impopularidade insuportável, provocar uma cisão no PS e liquidar-lhe o futuro político. Não foram as boas razões que o motivaram. Foram as piores. E nunca se verá livre de toda uma ostensiva política de destruição do SNS que ele próprio apadrinhou e sustentou. Ana Jorge vai limitar-se a pôr água na fervura. Gerir os estragos.

Com o descarte do ministro, Sócrates inicia uma tentativa de expiação dos seus pecados. Vestiu o fato de treino e arrancou para a mais longa das suas maratonas. A corrida às legislativas de 2009.
…”
João Marques dos Santos in “O plano inclinado”, jornal Correio da Manhã, de 2008-Fev-2

domingo, fevereiro 03, 2008

Vinte Valores

V
O Partido Comunista Português foi o único partido político da oposição que não deu grande importância às engenhosas façanhas e tropelias do senhor Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, enquanto engenheiro-técnico e simples deputado, preferindo direccionar a sua atenção (e muito bem) sobre as responsabilidades políticas do dito cavalheiro, enquanto primeiro-ministro do governo de Portugal, e responsável pelo actual estado do país. Vinte valores por esta atitude, que até tem um sentido pedagógico.
Quer isto dizer que os políticos avaliam-se e são censuráveis, não por aquilo que foram ou são na vida pessoal ou profissional, mas pelo seu passado ou actual desempenho enquanto políticos ou governantes, o que é correcto, embora na opinião pública predomine a tendência ou tentação para transformar a vida privada em assunto de estado, amalgamando ambas, e acreditando que o que de bom ou mau se faz numa, fatalmente influenciará a outra, indo afectar a credibilidade da pessoa enquanto cidadão e político. Habitualmente, os juízos de comportamento e de carácter não coabitam pacificamente com ambiguidades, sobretudo em indivíduos que usam e abusam da exposição mediática, como forma de promoção pessoal. José Sócrates Pinto de Sousa, pelos motivos óbvios, tinha obrigação de sabê-lo e acautelar-se.

sábado, fevereiro 02, 2008

Meia Dúzia de Miudezas

M
Bastava Fazer Um Clique!

No passado dia 1 de Fevereiro, tinha acabado de acordar e fiquei logo com os olhos arregalados. Uma das estações de televisão, num dos seus telejornais dos alvores do dia, voltou a cuidar muito pouco do rigor e da verdade histórica. O jornalista, assinalando o dia 1 de Fevereiro como o aniversário do regicídio, explicou que o rei D. Carlos e o príncipe D. Luís Filipe, foram assassinados há 100 anos, na altura em que passeavam na baixa de Lisboa. Na verdade, toda a família real, que se fazia transportar em landau aberto, sofreu uma emboscada levada a cabo pelos atiradores Manuel Buiça e Alfredo Costa, após desembarcar do vapor no Terreiro do Paço, vinda do Barreiro, de regresso de uma estadia em Vila Viçosa, logo não se tratou de uma passeata para ver as montras. A única coisa certa é que as vítimas mortais foram o rei e o príncipe herdeiro, facto que deixou ferida de morte a monarquia e abreviou a proclamação da república. Para serem rigorosos, não era preciso ir muito longe; numa emergência, bastava fazer um clique e consultar a Wikipédia!

Viva A República!

À última hora a Assembleia da República pôs os pontos nos “iis” e rejeitou as absurdas tentativas de a solidarizarem com as comemorações monárquicas do regicídio. Algumas instituições militares, símbolos da república, e convidadas para abrilhantarem a efeméride, também escolheram o mesmo caminho, como lhes competia, isto é, declinarem o convite e não comparecerem no Terreiro do Paço, também conhecida por Praça do Comércio. A República lá vai salvando a face, tentando esconder, com mais ou menos pudor, com mais ou menos boas maneiras, a tendência que há para que a levem a prostituir-se. Se não tivesse havido uma genuína reacção e indignação cívica, não sei se não teríamos visto um Presidente da República a assumir o papel de “compére”, e as bandas militares a comportarem-se com qualquer grupo coral de Rebimbalha das Couves, que presta honoráveis e prestimosos serviços, sem ver a quem, e sem fazer perguntas.
Se houvesse que prestar uma justa homenagem, seria aos patriotas Manuel dos Reis Buiça e Alfredo Luís da Costa, que em boa hora abriram, com coragem, martírio, sangue e lágrimas, os caminhos para a implantação da República.

Trafulhices e Mamarrachos

Há pessoas que são como imãs. Andem por onde andarem, façam o que fizerem, parece que atraem sempre problemas complicados e situações pouco claras. Depois da polémica à volta da sua licenciatura em engenharia, o senhor Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, vê agora ser dissecada a sua actividade profissional, quando ainda andava pela “cova da Beira”, na década de 80 do século passado. Embora no seu curriculum não haja qualquer referência a tal actividade, dizem os jornalistas do PÚBLICO que teria andado a pôr assinaturas em projectos de arquitectura e engenharia, em conluio com técnicos camarários que não tinham mãos a medir para as encomendas, mas sim razões de ordem legal que os impediam de autenticarem os projectos, recorrendo assim aos préstimos e “assinaturas de favor” daquele jovem e resoluto engenheiro-técnico. Assim, mamarracho aqui, mamarracho ali, José Sócrates Pinto de Sousa e a sua assinatura lá foram vingando e fazendo pela vida, apesar de alguns pareceres muito críticos de técnicos e especialistas, e de ser colocada em causa a lei e a ética profissional dos engenheiros técnicos.
- Assumo a responsabilidade de tudo o que assinei, disse ele, convicto que com aquelas pequenas traficâncias e trafulhices de outrora, já não virá grande mal para ele em particular, nem para o mundo em geral. Talvez sim, talvez não! Ao ouvi-lo falar a refutar os factos apontados pelas investigações dos jornalistas, acrescida da muralha defensiva que Vital Moreira lhe tece, só falta implantar-lhe umas asinhas para que suba ao céu e vá ocupar um lugar no panteão dos perseguidos pela quadrilha maquiavélica dos jornalistas de investigação. Para compor o ramalhete e a carnavalada, o mesmo jornal PÚBLICO, veio à última da hora acrescentar mais alguns dados, com o seguinte desenvolvimento que se transcreve: “O ex-deputado José Sócrates recebeu indevidamente um subsídio de exclusividade da Assembleia da República, entre finais de 1988 e princípios de 1992, por acumular as suas funções parlamentares com a actividade profissional de engenheiro técnico, enquanto projectista e como responsável pelo alvará de uma empresa de construção civil. Sócrates nega que tal tenha acontecido, mas diversos documentos por ele assinados confirmam a violação do regime legal de dedicação exclusiva.”
Facto indesmentível é que Sócrates errou na profissão! Pelos motivos óbvios, em vez de engenharia ou de política devia ter optado pela carreira de ilusionista. O Luís de Matos, de sobrolho carregado, ainda não se queixou nem aceitou o repto, mas lá chegaremos!

Inflações

Todos anos, aquando da negociação dos novos salários para a função pública, a taxa de inflação, depois de “aturados” estudos e projecções, é exibida com um valor, para algum tempo depois, quando tal já é inócuo, ser divulgada então a verdadeira taxa, habitualmente com um valor superior à inicialmente “prevista”. Assim se enganam sindicatos, os trabalhadores e quejandos, para degradar ainda mais o poder de compra do povo, e para que nunca falte a justificação razoável para serem reajustadas e reabastecidas as reformas, honorários e mordomias dos “gestores públicos”, indómitos timoneiros da nossa economia, e da ansiada prosperidade que cresce, dia a dia, a olhos vistos.

Pensamento Profundo!

As remodelações ministeriais, causadas por contestação social às políticas em curso, não aquecem nem arrefecem, se não forem acompanhadas de uma competente e eficaz alteração dessas mesmas políticas.

Do Manual de Sobrevivência

Quando estiveres metido em sarilhos, não digas nada e tenta passar despercebido.

Definição

De quando em vez convém recordar que a ditadura é o regime político autoritário em que os poderes legislativo, executivo e judiciário estão nas mãos de uma única pessoa ou grupo de pessoas, os quais exercem a soberania sobre o povo e outras coisas mais, de forma absoluta e inquestionável.

Tormentos, Tratamentos ou Ensinamentos?

Um procurador de justiça dos E.U.A., provavelmente porque nunca o experimentou, veio dizer para a comunicação social, que tinha dúvidas que o “afogamento simulado” fosse considerado uma forma de tortura. Não admira! Já ouvi alguém dizer que no tempo da PIDE/DGS, a tortura com “choques eléctricos” não passava de uma diversão inofensiva, equiparada a uma sessão de cócegas, e que a “estátua” ou “tortura do sono” só era aplicada, não como suplício mas como tratamento, a quem sofresse de insónias. Claro está que quanto ao tal “afogamento simulado” poderá muito bem tratar-se de uma forma radical de ensinar alguém a nadar.
Com coisas sérias não se brinca, mas temos que reconhecer que alguns americanos (e não só) são exímios praticantes do humor negro, o qual, como é óbvio, não tem nada a ver com raças humanas.

quinta-feira, janeiro 31, 2008

O POVO

O
O povo é sempre ignorado.
Tudo o que sente e não diz,
Tem mergulhada a raiz
Num mistério irrevelado.
- Contudo, se canta o fado,
O povo é quase feliz.

Desabafa, em tom plangente,
O seu peso de existir.
Quem o escuta, julga ouvir
O que no íntimo sente.
- O povo fica contente,
E a alma por exprimir.

O que sofre, quando chora,
Sonhos grandes e pequenos,
Paixões trágicas, serenos
Amores, revoltas… embora!
- Tudo quanto à voz aflora
Ou à guitarra, é o menos.

Tudo isto está distante
Cem léguas da alma dele.
É como do fruto a pele
E o brilho do diamante.
- O povo é mais importante,
O povo é maior do que ele.

Poema de Carlos Queiroz in EPÍSTOLA AOS VINDOUROS E OUTROS POEMAS, Edições Ática, 1989.
José Carlos Queiroz Nunes Ribeiro (1907-1949) foi poeta do segundo modernismo português, tendo sido colaborador da revista PRESENÇA, conjuntamente com Fernando Pessoa e Almada Negreiros. A Obra poética de Carlos Queiroz, pouco divulgada, está editada em dois livros pela Editora Ática. O primeiro livro tem como data de publicação 1984, intitula-se Desaparecido – Breve Tratado de Não Versificação, sendo a compilação dos dois livros publicados em vida por Carlos Queiroz. O segundo livro tem como data de publicação 1989, intitula-se Épistola aos Vindouros e Outros Poemas, sendo constituído por uma colectânea de poemas dispersos, por diversas publicações da época e alguns inéditos, recolhidos por David Morão Ferreira, com a ajuda de uma das Filhas do Poeta.
Informação obtida em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Carlos_Queiroz_Ribeiro

quarta-feira, janeiro 30, 2008

A República vai Nua

A
Imaginem que num congresso de organizações macrobióticas, alguém tivesse decidido que o serviço de refeições fosse assegurado pelos préstimos e produtos de uma loja da McDonald's. É garantido que o escândalo logo ali acabaria com os trabalhos do congresso, sem contar com outras posteriores e inimagináveis repercussões. Porém, cuidemo-nos! Entre nós, a distância que vai entre a realidade e a ficção, é cada vez mais curta. Senão vejamos:
Já tem direito a notícia confirmada que o próximo dia 1 de Fevereiro, “Dia do Regicídio” vai ser comemorado por organizações monárquicas, com pretensões a ser um dia de “Luto Nacional”, senão mesmo um feriado nacional. Até aqui, e atendendo aos tempos que correm, vá que não vá. O pior vem depois, quando se diz que as cerimónias vão ter o envolvimento e a participação de elementos de algumas unidades das Forças Armadas, que são símbolos da República (caso do Regimento de Lanceiros, Fanfarra do Exército e do Colégio Militar e Grupo de Música de Câmara da Banda Sinfónica do Exército). É caso para esclarecer se já se contratam os símbolos da república, sem fazer perguntas, nem que efeméride se vai comemorar. Depois disso, é caso para perguntar, sob que bandeira irão decorrer as tais celebrações, se debaixo da verde-rubra, ou à sombra da azul e branca, esta última adoptada durante o regime monárquico.
Independentemente de os monárquicos terem o direito de se manifestarem e comemorarem os eventos que muito bem entenderem, era bom que alguém avaliasse o alcance e significado desta suposta colaboração entre instituições republicanas e organizações anti-republicanas. Foi o que fez a Associação República e Laicidade, ao manifestar junto do Ministro da Defesa e do Chefe do Estado Maior do Exército (que complacentemente, parecem ter dado o seu aval), a sua firme indignação e repúdio pela participação daquelas estruturas militares, numa manifestação que nada tem a ver (antes pelo contrário) com a República que somos. Consta que até à data não foi dada qualquer resposta, e era bom que a dessem, para que não seja dada razão a quem costuma apregoar que “isto” não passa de uma “república de bananas”, ensandecida e mal frequentada.

segunda-feira, janeiro 28, 2008

NOVAS OPORTUNIDADES...

N
Sabe quem é António Pinto de Sousa?
Se não sabem, ora vejam:
É o novo responsável máximo pelo gabinete de comunicação e imagem do IDT (Instituto da Droga e Toxicodependência). Tem competência atribuída, para empossar quem quiser, independentemente da sua qualificação académica e profissional, para os cargos dirigentes do Instituto, contrariando os próprios estatutos do IDT.
Ah, já me esquecia de dizer que António Pinto de Sousa é irmão de José Pinto de Sousa, também conhecido por José Sócrates, e que por acaso também é primeiro-ministro de Portugal.

Homem de Coragem

A
Longa vida ao Bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. António Marinho Pinto, homem de coragem, e que nunca lhe trema a voz.

domingo, janeiro 27, 2008

Shuarto Morreu!

A
Shuarto morreu, e o mundo ficou mais limpo!

Um Homem Na Cidade

U
Poema/Canção de José Carlos Ary Dos Santos
P
Agarro a madrugada
como se fosse uma criança,
uma roseira entrelaçada,
uma videira de esperança.
Tal qual o corpo da cidade
que manhã cedo ensaia a dança
de quem, por força da vontade,
de trabalhar nunca se cansa.
Vou pela rua desta lua
que no meu Tejo acendo cedo,
vou por Lisboa, maré nua
que desagua no Rossio.
Eu sou o homem da cidade
que manhã cedo acorda e canta,
e, por amar a liberdade,
com a cidade se levanta.
Vou pela estrada deslumbrada
da lua cheia de Lisboa
até que a lua apaixonada
cresce na vela da canoa.
Sou a gaivota que derrota
tudo o mau tempo no mar alto.
Eu sou o homem que transporta
a maré povo em sobressalto.
E quando agarro a madrugada,
colho a manhã como uma flor
à beira mágoa desfolhada,
um malmequer azul na cor,
o malmequer da liberdade
que bem me quer como ninguém,
o malmequer desta cidade
que me quer bem, que me quer bem.
Nas minhas mãos a madrugada
abriu a flor de Abril também,
a flor sem medo perfumada
com o aroma que o mar tem,
flor de Lisboa bem amada
que mal me quis, que me quer bem.

sábado, janeiro 26, 2008

LusoMilhões

Recebi por e-mail um curioso documento que, em 15 pontos, esclarece o destino que levam muitas das contribuições e impostos que vamos pagando ao longo dos anos. Será uma espécie de LusoMilhões, porém com um número muito restrito de felizes contemplados. Vejamos então como as coisas se passam.

1) Para quem não saiba quem é Alan Greenspan, fique a saber que é um senhor nascido em Nova Iorque, de origem judaica, que gostava de tocar saxofone na adolescência, que se doutorou com elevadíssimas médias em Economia e que foi nomeado pelo presidente Reagan, em Junho de 1987, 'Chairman of the Board of Governors of the Federal Reserve' - nomeação confirmada pelo Senado dois meses depois.
2) O 'Federal Reserve' está para os americanos como o Banco de Portugal está para nós. E porque estou eu com toda esta conversa sobre o Sr. Greenspan? Porque quando ele deixou o lugar, em Janeiro de 2006, auferia anualmente, pelo desempenho daquele alto cargo, a módica quantia de 186.600 dólares norte-americanos por ano - qualquer coisa como 155.000 euros. O valor dos honorários dos outros membros do Conselho de Administração ('Vice-Chairman' incluído) é de cerca de 150.000 euros.
3) Agora, sabem quanto pagamos ao Governador do Banco de Portugal, um senhor dotado de prodigioso crâneo, que dá pelo nome de Vítor Constâncio? Não sabem, pois não? Então pasmen: 280.000 euros, leram bem, DUZENTOS E OITENTA MIL EUROS! É claro que uma grande potência como Portugal, que possui o dobro da influência, à escala planetária, dos insignificantes EUA, tinha de pagar muito bem ao patrão do seu Banco, além de todas as incontáveis mordomias que lhe dispensa, tal como aos seus pares daquela instituição pública. Também é claro que a verba do americano é fixada pelo Congresso e JAMAIS - como diria o bronco do Lino - pelo próprio, ao contrário do que se passa no país dos donos do mundo e dos maiores imbecis que habitam o planeta Terra.
4) O que mais impressiona nestes números é que o homem que é escutado atentamente por todo o mundo financeiro, cuja decisão sobre as taxas de juro nos afecta a todos, ganha menos do que o seu equivalente num país pobre, pequeno, periférico, que apenas uma ínfima parcela desse território presta alguma atenção! Até a reforma do Mira Amaral é superior à do Greenspan! Talvez não fosse má ideia espreitarem o portal do Banco de Portugal ( http://www.bportugal.pt/ ), clicarem em “história” e verem quem por lá passou como governador.
5) Por que razão esta escandalosa prática se mantém? Pela divisa do Conselho de Administração do Banco de Portugal que deve ser parecida com algo assim:
- ' Trabalhe um dia, receba uma pensão de reforma vitalícia e dê a vez a outro.'
6) Os sucessivos governadores do Banco de Portugal têm muito em comum. Por exemplo, sempre que aparecem em público de rompante é porque vem aí borrasca! - 'Os portugueses vivem acima das suas possibilidades. Há que cortar nos ordenados, há que restringir o crédito!' Proclamam-no sem que a voz lhes trema, mesmo quando se sabe que o actual governador aufere rendimentos que fariam inveja a Alan Greenspan. No fundo, o que eles nos querem dizer é, 'Vocês vivem acima das vossas possibilidades, mas nós não!' Têm carradas de razão.
7) As remunerações dos membros do conselho de administração do Banco de Portugal são fixadas, de acordo com a alínea a) do art. 40.º da Lei Orgânica, por uma comissão de vencimentos. E quem foi que Luís Campos e Cunha, o então ministro das Finanças e ex-vice-governador do Banco de Portugal, nomeou para o representar e presidir a essa comissão? O ex-governador Miguel Beleza, o qual, como adiante se verá, e caso o regime da aposentação dos membros do conselho de administração também lhe seja aplicável como ex-governador do Banco, poderá beneficiar dos aumentos aprovados para os membros do conselho de administração no activo. Uma seita a que o comum dos portugueses não tem acesso e sobre a qual lhe está vedada toda e qualquer informação, filtradas que são todas as que não interesa divulgar pelos meios da subserviente comunicação social que temos.
8) Mas tão relevantes como os rendimentos que auferem, são as condições proporcionadas pelo Banco de Portugal no que respeita à aposentação e protecção social dos membros do conselho de administração.
9) O regime de reforma dos administradores do Banco de Portugal foi alterado em 1997, para 'acabar com algumas regalias excessivas actualmente existentes.' Ainda assim, não se pode dizer que os membros do conselho de administração tenham razões de queixa. Com efeito, logo no n.º 1 do ponto 3.º (com a epígrafe 'Tempo a contar') das Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal se estabelece que, 'O tempo mínimo a fundear pelo Banco de Portugal junto do respectivo Fundo de Pensões, será o correspondente ao mandato (cinco anos), independentemente da cessação de funções .'
10) Que significa isto? Um membro do conselho de administração toma posse num belo dia e, se nessa tarde lhe apetecer rescindir o contrato, tem a garantia de uma pensão de reforma vitalícia, porque o Banco se compromete a 'fundear' o Fundo de Pensões pelo 'tempo mínimo (?) correspondente ao mandato (cinco anos)'. (Ver 'divisa' no parágrafo 5).
11) Acresce que houve o cuidado de não permitir interpretações dúbias que pudessem vir a prejudicar um qualquer membro do conselho de administração que, 'a qualquer título', possa cessar funções. O n.º 1 do ponto 4.º das Normas sobre Pensões de Reforma dissipa quaisquer dúvidas: 'O Banco de Portugal, através do seu Fundo de Pensões, garantirá uma pensão de reforma correspondente ao período mínimo de cinco anos, ainda que o M.C.A. [membro do conselho de administração] cesse funções, a qualquer título.'
12) Quem arquitectou as Normas sobre Pensões de Reforma pensou em tudo? Pensou, até na degradação do valor das pensões. É assim que o n.º 1 do ponto 6.º estabelece por sua vez: 'As pensões de reforma serão actualizadas, a cem por cento, na base da evolução das retribuições dos futuros conselhos de administração, sem prejuízo dos direitos adquiridos
13) E o esquema foi tão bem montado que as Normas sobre Pensões de Reforma não deixam de prever a possibilidade de o membro do conselho de administração se considerar ainda válido para agarrar uma outra qualquer oportunidade de trabalho que se lhe depare. Para tanto, temos o ponto 7.º, com a epígrafe 'Cumulação de Pensões', que prevê: Obtida uma pensão de reforma do banco de Portugal, o M.C.A. [membro do conselho de administração] poderá obter nova pensão da C.G.A. ou de outro qualquer regime, cumulável com a primeira (!).'
14) Mas há mais. O ponto 8.º dispõe que o ' M.C.A. [membro do conselho de administração] em situação de reforma gozará de todas as regalias sociais concedidas aos M.C.A. e aos empregados do Banco, devendo a sua pensão de reforma vir a beneficiar de todas as vantagens que àqueles venham a ser atribuídas.
15) Não restam dúvidas de que fez um excelente trabalho quem elaborou as Normas sobre Pensões de Reforma do Conselho de Administração do Banco de Portugal.
Pena é que não tenha igualmente colaborado na elaboração do Código do IRS, de modo a compatibilizar ambos os instrumentos legais. Não tendo acontecido assim, há aquela maçada de as contribuições do Banco de Portugal para o Fundo de Pensões poderem ser consideradas, 'direitos adquiridos e individualizados dos respectivos beneficiários’ e, neste caso, sujeitas a IRS, nos termos do art. 2.º, n.º 3, alínea b), n.º 3, do referido código.

É tudo e não é pouco. Entretanto, Alan Greenspan já não é presidente da Reserva Federal, tendo-se aposentado em Janeiro de 2006, altura em que foi rendido por Ben Bernanke. Contudo, as regras de acesso ao cargo e os honorários mantêm-se.

quinta-feira, janeiro 24, 2008

Bem-haja, Prof. António Caldeira!

B
Foi arquivado o Inquérito n.º 28/07.0TELSB relativo à queixa intentada pelo cidadão José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa e primeiro-ministro enquanto tal, contra o Prof. António Balbino Caldeira, autor do blogue DO PORTUGAL PROFUNDO, conforme despacho da senhora procuradora-geral adjunta dra. Maria Cândida Almeida (directora da DCIAP) e da senhora procuradora-adjunta dra. Carla Dias, datado de 18-1-2008.O motivo da queixa do cidadão José Sócrates e primeiro-ministro, agora arquivada, baseou-se em dois artigos da autoria do Prof. António Caldeira, que supostamente eram difamatórios, mas cuja factualidade foi considerada manifestamente insuficiente.

Sobre esta agradável notícia, acrescento apenas o meu curto comentário: Ai de nós quando alguma vez manifestarmos medo ou receio de dizermos ou escrevermos o que pensamos. Certamente, algo de muito mau estará a caminho! Perante as pressões e intimidações movidas por políticos, vale a pena enfrentá-los, em benefício da democracia, da liberdade de pensamento e de expressão. Bem-haja, Prof. António Caldeira!

Prémio de Consolação

A
A
Meu caro Werner (de Farsund, Noruega)

Há bons motivos para não deixar cair no esquecimento a questão do referendo do Tratado Reformador da União Europeia. Isto porque agora, o nosso governo vem com ar paternalista, magnânimo, cínico, hipócrita e uns pitorescos pezinhos de lã, sussurrar que o tal “tratado”, apesar de ir ser objecto de ratificação parlamentar, deve ser matéria de debate e de uma ampla discussão pública, isto depois do documento ter sido cozinhado à pressa, assinado com pompa e circunstância e rematado com a negação do prometido referendo. Primeiro desatei a rir, abismado com esta desculpa de mau pagador. Depois, fiquei tão sensibilizado com este prémio de consolação, que as lágrimas afloraram-me aos olhos e fiquem com a voz embargada, vindo-me logo à memória os velhos tempos do salazarismo. Nessa época, quando após a quase sublevação nacional que foram as eleições presidenciais, de que o general Delgado teria sido o vencedor, o regime, crente de que ainda não tínhamos atingido a maturidade para desfrutar as liberdades democráticas, e para que ele não voltasse a correr riscos desnecessários, por alteração à Constituição, subtraiu a eleição presidencial ao sufrágio universal, passando aquela a realizar-se no recato rançoso de um “colégio eleitoral”, em que a defunta “Assembleia Nacional” provisoriamente se travestia. Agora, como os tempos são outros (vivemos numa democracia de novo tipo, pintalgada de números de circo e explosões socretinas), em vez do prometido referendo, temos direito a um rebuçado para adoçar o palato: uma serôdia, inofensiva e despropositada discussão pública, que não irá aquecer nem arrefecer aquilo que já foi decidido pelos políticos que se reuniram em Lisboa, durante a presidência portuguesa.

Assim, meu caro Werner, continua a haver cinco grandes razões para a realização do referendo da Constituição da União Europeia (UE), agora rebaptizado “Tratado Reformador da União Europeia”. Da Campanha para o Referendo Europeu, extraí e traduzi as tais cinco razões que passo a enunciar:

1) Objectivos Básicos não Atingidos
Os principais objectivos da Constituição Europeia eram os seguintes: simplificar os Tratados, democratizar as instituições da UE e aproximar os cidadãos da EU. Isto não foi alcançado, nem com a Constituição Europeia nem com o Tratado Reformador. Porque estas exigências básicas não foram alcançadas, os povos devem tomar posição para a sua concretização.

2) Legalidade Democrática
A oportunidade para promover a legalidade democrática na UE não pode ser extraviada pelo simples facto de um novo tratado ter sido adoptado, sem o consentimento dos povos. Ninguém pode construir a Europa sem o empenhamento dos seus povos. O melhor caminho para envolver os povos no projecto Europeu é levar a cabo um referendo em cada estado membro, sobre os conteúdos de tão significativo diploma. Se os referendos não tiverem lugar em cada estado membro a legalidade democrática na EU ficará posta em causa.

3) Não há Consentimento dos Povos
Adoptar este tratado sem referendo é um passo atrás nos propósitos que visavam uma aceitação alargada do projecto Europeu. Tal atitude leva a que o envolvimento e participação popular na construção Europeia continue a decair, sobretudo na participação dos actos eleitorais. Assim, fica uma pergunta: como pode a UE reforçar o seu prestígio e autoridade sem o consentimento dos povos?

4) Debater o Futuro da Europa
Numa democracia os cidadãos devem compreender como funciona o sistema. Se alguém diz que “este assunto é uma coisa muito complicada para o povo”, é pois chegada a altura de fazer uma de duas coisas: ou de o descomplicar, ou então de o explicar em termos acessíveis. Necessitamos urgentemente de um debate aberto e abrangente sobre o futuro da Europa, e que envolva os povos. Não se pode criar um novo tratado, deixando ausentes das decisões sobre a Europa, os povos que lá vivem. O único caminho para levar a cabo este debate é a promoção de referendos legítimos em todos os estados membros.

5) Procedimento Antidemocrático
O processo de criação da Constituição da EU foi antidemocrático e levado a cabo nas costas dos povos. Para aí chegar foi auto-designada uma convenção para elaborar a Constituição Europeia, a qual primou pela falta de um debate honesto, e depois, perante a rejeição do texto, em referendo, pelos povos da França e da Holanda, os políticos passaram a ignorar o resultado daquelas consultas, e depois de adoptarem um “período de reflexão”, avançaram com o “plano B”, que foi a reedição da Constituição em Tratado, e com o compromisso de não o referendar. Foi obsceno como os políticos fizeram aprovar um documento já rejeitado, tecnicamente igual, embora com um nome diferente, a fim de contornarem o direito que assiste aos povos de se pronunciarem sobre ele.

Meu estimado Werner: o teu país (ainda) não integra a União Europeia, e por isso, talvez estejas um pouco a leste desta problemática da Constituição / Tratado Reformador. No entanto, estes argumentos atrás expostos, mais não fazem do que voltar a insistir na necessidade de referendar, seja ela a Constituição, ou a sua réplica a que se resolveu chamar Tratado Reformador. A democracia não é apenas um vocábulo com se enche a bocas, ao ponto de as pessoas não se poderem exprimir, nem as pessoas são apenas contribuintes e números para encher as estatísticas. A construção Europeia e o futuro dos europeus não podem ser levados a cabo com sucesso e empenhamento, de forma autocrática e ignorando os povos. A Europa e os europeus nunca se conseguirão rever nestas manhas, mesmo que disfarçadas de “grandes debates” inquinados e fora do prazo de validade.

domingo, janeiro 20, 2008

Referendum

A

A causa do REFERENDUM é europeia e não apenas portuguesa. Em alguns países nem sequer é pacífica.

Contrastes

C
O ex-CEO do Millennium BCP, Paulo Teixeira Pinto, saiu há 5 meses das suas funções, mas mesmo que, numa mera suposição, não encontrasse colocação, já tinha o futuro garantido. Veio-se a saber agora que recebeu uma indemnização (ao estilo de um pára-quedas dourado) de 10 milhões de euros (2 milhões de contos na moeda antiga), e ainda uma pensão vitalícia anual de 500 mil euros (100 mil contos na moeda antiga), fraccionada em 14 vezes, o que dá a simpática quantia mensal de 35 mil euros (7 mil contos na moeda antiga). Para quem iniciou em 1995 a sua carreira como quadro do Millennium BCP, e apenas com 35 anos, não está nada mal.
Sabemos que o Millennium BCP é uma entidade privada, e que os honorários e vencimentos que se pagam nestas instituições da área financeira nada têm a ver com o que se pratica nas outras empresas do sector privado, e muito menos no sector público. Sabemos que a indignação que nos possa acometer, não irá mudar facilmente este estado de coisas, nem estreitar o abismo que separa os privilegiados dos deserdados.
Mas serve sobretudo para dizer que a notícia não passou despercebida, ficou registada e cá estaremos para ver onde tudo isto irá parar.

sábado, janeiro 19, 2008

A Democracia em Queda

A

Amigo Benedetto (de Asti, Itália):
Tu e a tua Itália já passaram por muito, em termos políticos, e não esqueço que estive contigo em 1978, quando era grande a ansiedade que se vivia no teu país. Aldo Moro, o democrata cristão que tinha tido a ousadia de subscrever o COMPROMISSO HISTÓRICO com os comunistas, estava sequestrado, e aquilo foi um golpe muito bem orquestrado, conduzido pela extrema–esquerda, sabe-se lá com que acordos e dividendos, para que tudo ficasse na mesma ou ainda pior.
Passaram 30 anos. Aqui não há sequestros nem terrorismo na verdadeira acepção da palavra, mas há aquilo que eufemísticamente se vai chamando de suposta “revolução” democrática, fundamentada numa “maioria silenciosa” que de tão usada e maltratada, baixou os braços e se desinteressou do futuro.
Aquela democracia que na Grécia, tua vizinha, era a voz do povo, com expressão participativa e representativa, aqui em Portugal, 34 anos depois da revolução de 25 de Abril, que fez questão de escorraçar a ditadura provinciana, beata e rançosa do Salazar, está em risco de fenecer, como fenecem todos os cravos, se forem mais os que ignoram tal símbolo da liberdade, do que aqueles que o cultivam e amparam.
Eu vou-te contar esta história de estarrecer.
O professor Vital Moreira, em 27.6.2005, em artigo publicado no jornal Público, e a propósito da intenção de vir a ser elaborada nova legislação eleitoral para as autarquias, entre outras coisas, escreveu o seguinte:
“...
O que é inaceitável no projecto de reforma do Partido Socialista são duas razões essenciais: (i) o presidencialismo municipal anómalo que a reforma criaria, concentrando todo o poder no presidente da câmara, que passaria a ser o único verdadeiro titular do poder executivo, incluindo a livre escolha dos vereadores; (ii) a eleição conjunta do presidente da câmara e da assembleia municipal, acabando com a actual eleição separada. Na verdade, se esta reforma fosse para a frente, deixaria de ter sentido falar em câmara municipal, que ficaria reduzida ao presidente, "assessorado" por alguns vereadores/ajudantes, que ele escolheria e substituiria com quase total liberdade.Mais grave do que isso, a eleição conjunta implicaria a natural "bipolarização" não somente na eleição do presidente da câmara municipal, mas também ao nível da eleição da assembleia municipal, garantindo na maior parte dos casos uma maioria fiel e obediente ao presidente, tanto mais que o candidato a presidente se encarregaria de controlar a composição da lista a que ele próprio irá presidir.A ameaça à democracia municipal desta proposta de reforma está na inaudita concentração do poder nas mãos do presidente da câmara e na domesticação política das assembleias municipais. Se se quer ter um regime presidencialista no governo municipal, então impõe-se ser coerente, de acordo com os seguintes requisitos: (i) eleição separada do presidente da câmara e da assembleia; (ii) redução dos actuais poderes da câmara municipal; (iii) reforço dos meios de controlo do executivo pela assembleia.
...”
Como é óbvio, subscrevo inteiramente este ponto de vista, muito embora na prática esta concordância já não tenha qualquer valor prático. Além disso, nem sei se o autor destas linhas mantém hoje a mesma opinião. Porém, em prejuízo da democracia, ontem, 18 de Janeiro de 2008, os grupos parlamentares do PS e do PSD, quase às escondidas, esquivos a declarações e determinados na missão de esvaziar de sentido e enfraquecer a vereação do poder municipal, aprovaram na generalidade a lei eleitoral autárquica, que estabelece as novas regras. Enquanto que os partidos da oposição (PCP, Verdes, BE e CDS) acusaram a nova lei de distorcer o sistema político democrático, violando a regra constitucional da proporcionalidade, além de favorecer o caciquismo no poder local, já o PS e PSD, unidos e com os mesmos propósitos, argumentaram que as novas regras, por eles cozinhadas, permitem maior estabilidade, governabilidade, transparência e eficiência nos órgãos autárquicos, enfim, tudo conversa fiada. Se assim não fosse, porque razão a opinião pública foi arredada da discussão, e os meios de comunicação social, poucos ou nenhuns parágrafos dedicaram ao assunto?
Suspeito que no futuro, o “grande centrão” formado pelo PS e PSD, queira aplicar às eleições legislativas, as mesmas regras da desproporcionalidade, abrindo caminho a uma representação parlamentar partilhada exclusivamente pelos “dois grandes”, e condenando à erradicação/extinção os partidos que não detenham votações expressivas (ou que entretanto sobreviveram à famigerada lei que exige um mínimo de 5.000 militantes inscritos). Tempos vão, tempos vêm. Resumindo, estamos entregues aos vendilhões que traficam a liberdade e a democracia, em troca de poder absoluto, benesses, riqueza pessoal e vá-se lá saber mais o quê.
Caríssimo Benedetto, chega de te contar desgraças. Faço votos que a tua pequena Lionor, finalmente, se tenha doutorado, com aquela distinção que ela merece, e que a Francesca continue a deleitar as visitas com aquele refresco à base de Limoncello de Capri e os substanciais pratos de massas napolitanas.
Aguardo as tuas notícias.

Equívocos

E
O ministro (?) da Economia, Manuel Pinho, afirmou que a fábrica da CITROEN em Mangualde corria o risco de encerramento, colocando no desemprego 1.400 trabalhadores, por força da sua eminente deslocalização para o norte de África, caso a autarquia não disponibilizasse os terrenos necessários para a expansão da unidade fabril.
Afinal, segundo garante a administração do grupo francês PSA, não existem planos para a CITROEN sair de Portugal, logo aquela afirmação do ministro não tem sustentabilidade. Quanto à comissão sindical da empresa, critica a forma ardilosa como o ministro enfrenta a eventual necessidade de expansão das instalações daquela fábrica, transferindo para a autarquia um problema que deveria ser ele a assumir e a resolver.
Igual a si mesmo e sem melhoras visíveis, este ministro (?) da Economia continua a ser um equívoco, especialista em semear equívocos.

Nevoeiro

N
Meu caro Simões:
Ontem em Lisboa um atrevido nevoeiro cerradíssimo não deixou ver (ou perceber) quase nada do que se passou na audição parlamentar do governador do Banco de Portugal, a propósito das suspeitas da existência de certas operações e ilícitos “gravíssimos”, ocorridos no Millennium BCP, e que serviu para sustentar a “intervenção” do governo naquela instituição bancária.
Meu caro Simões, depois de todos os argumentos exibidos e das múltiplas respostas evasivas do respeitável Sr.Constâncio, tudo isto me faz lembrar aquela frase que alguém disse em tempos, tentando denunciar a vaga gangsterista que, desde lá de cima até cá abaixo, tem vindo a assolar a sociedade portuguesa, e que queria dizer com excepcional ironia que, sorte, sorte, teria tido o Ali Bábá, porque teve apenas que enfrentar 40 ladrões. Se alguém vier a provar que me excedi, não tenho problema em penitenciar-me, metendo o baraço à volta do pescoço, e entregar-me à justiça.
Um abraço e até ao próximo café.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Apartes

A
“Sócrates anunciou anteontem (2008-Jan-10) na AR a decisão do “governo” de não referendar o Tratado Reformador. Foi um momento dramático. Mas a intensidade do drama não está na solução. Está em tudo o que a envolveu. Na forma pouco séria como Sócrates tentou justificar o incumprimento de uma promessa eleitoral agora inconveniente. Na confirmação da debilidade da formação política dos nossos governantes. No modo fácil como se corrompem as suas promessas e na sua subserviência aos parceiros europeus.

Se estivéssemos em 1640 Sócrates teria corrido o perigo de ser atirado por uma janela da Assembleia da República.”
A
João Marques dos Santos in O SONO DA RAZÃO, no Jornal Correio da Manhã de 2008-Jan-11

domingo, janeiro 13, 2008

Uma Lotaria de Reis

U
O Martinho sempre foi um grande jogador. Em miúdo jogava às escondidas, ao berlinde, aos médicos, à bola, mas quando chegou à idade adulta passou a jogar na lotaria, no totoloto, no totobola, na raspadinha e, claro está, no euromilhões. Quanto a jogos de casino, nem vê-los. Todas as semanas, infalivelmente, ele fazia os seus pequenos investimentos nos produtos da Santa Casa. Eram sempre investimentos de pequena monta, porque dizia ele, a ganância desmedida é um defeito muito grande, e quem o alimenta, acaba sempre por matar aquela volúpia pela espera dos resultados, bem como os sonhos que se vão elaborando, quanto à forma como irá ser gasto o dinheiro dos prémios.
E foi sempre assim, mês após mês, ano após ano, ao longo da vida que o Martinho partilhava com a Mariza. Quanto a prémios, era coisa que mal se via. Quando isso acontecia, fosse na lotaria, no totoloto, no totobola, na raspadinha e, claro está, no euromilhões, eram sempre umas migalhas que apenas serviam para pouco mais que voltar a reinvestir, sem lesar o orçamento doméstico. Embora os prémios gordos continuassem a sair sempre aos outros, o Martinho continuava a manter de pé todos os seus sonhos e fantasias, recusando-se a desistir dos seus palpites, coisa que continuava a não agradar à D.Mariza.
- Oh homem, deixa lá essa mania do jogo! Podias muito bem ir gastar esse dinheiro numa prenda para mim…
- Oh filha, lá chegaremos, lá chegaremos… atalhava o Martinho, a rabiscar a sua escrita da jogatina, com o sobrolho carregado.
E foi continuando a ser assim, até que uma década depois, com o Martinho já cheio de cabelos brancos e a mancar da perna que avariou em garoto, no jogo da bola, a sorte mudou. A cautela que tinha comprado para a lotaria dos Reis, saiu finalmente premiada, e não era uma mera terminação. O Martinho nem queria acreditar. Aquilo sim, já era qualquer coisa que se via. Eram para aí uns 1.600 euros, à volta de uns 320 contos em moeda antiga. O cauteleiro da Rua do Carmo tinha consultado a lista e lá estava, preto no branco, o número do seu vigésimo com o prémio à frente. Fechou os olhos, sentiu as mãos tremerem-lhe, e até experimentou uns suores frios a descerem-lhe pela espinha abaixo.
- Oh chefe, acorde homem, olhe que ainda lhe dá uma coisa, bradou o cauteleiro a segurar-lhe o braço. Oh chefe, isso passa se fizer meia volta e for já ali à Santa Casa receber a guita.
- Não, não, balbuciou o Martinho a respirar fundo. Ainda tenho outras coisas para fazer… mas obrigado, e fique descansado que não me vou esquecer de si.
E assim, meteu-se a caminho de casa, com o coração a palpitar, para dar a novidade à sua Mariza. Pelo caminho, com a cautela na carteira e a mão a apalpar o bolso do casaco enquanto caminhava, foi revendo mentalmente todos os sonhos e projectos que tinha em mente, e que estivessem acessíveis ao valor do prémio. Podia ser aquela televisão fininha para pôr no quarto em cima da cómoda, podia ser uma semana de papo para o ar na praia da Figueira, um fogão novo para a Mariza, uma sardinhada com os vizinhos lá do prédio, e sabe-se lá mais o quê. Tinha que ir consultar a lista lá em casa, ponderar tudo muito bem, conversar com a Mariza, e depois decidir. Tão absorto ia nos seus pensamentos que quando pôs o pé fora do passeio, para contornar um Mercedes estacionado a ocupar o passeio, não deu pelo carro que o colheu violentamente por trás. Foi projectado, rodopiou, rebolou, bateu no lancil do passeio contrário e acabou debaixo de um autocarro da Carris que vinha em sentido contrário, cujo condutor não conseguiu evitar que o Martinho ficasse alojado entre o pavimento, e o piso rebaixado do monstro amarelo.
Meia hora depois entrava no hospital de S.José, politraumatizado, quase comatoso e sem esperança de sobreviver. Investigada a carteira do Martinho, foi avisada a Mariza que compareceu afogueada e destroçada, à cabeceira do Martinho.
- És um valdevinos! Como vieste aqui parar?
- Mariza, ouve-me! Estamos ricos! Gargarejou o Martinho.
- Oh meu cretino, não é altura para palhaçadas, ripostou a Mariza.
- Ouve mulher, tenho uma cautela premiada na carteira, que vale trezentos e tal contos…
- Ganha juízo, só pensas no jogo…
- Oh filha, só penso em nós…
- Não me chames filha, agora só estou a pensar em ti, meu trafulha, na miséria em que estás, e na miséria em que me vais deixar. Olha lá, essa história da cautela premiada é verdade?
- Tão verdade como eu estar aqui a bater as botas… Oh Mariza, ao menos que aquele dinheirito seja para me fazeres um funeral decente, com lanche, discursos, anjinhos, música e tudo…
- Nem penses, disse ela de rompante e arrogante. Não, não, o teu funeral não está na tua lista! Eu sei o que lá puseste. O teu enterro vai ser o mais baratucho possível, e quanto ao dinheiro da cautela vai direitinho para comprar aquele “vison” da loja chinesa, que nunca te dignaste oferecer-me, porque dizias que era uma falsificação…