PASSOU um ano desde que José Saramago deixou de estar entre nós, muito embora continue “em nós”. Como recompensa, deixou-nos mais ricos, porque as obras que os povos e a Humanidade herdam dos seus artistas, continuam a ser os perpétuos tesouros que nos estimulam, e com os quais seremos avaliados pelas gerações futuras.
Na sua exuberante trajectória existencial, Saramago não foi santo (ele próprio se intitulava pecador), cometeu erros, alguns deles nada veniais, mas no fio do seu percurso, na sua incansável lavoura literária, da Azinhaga a Lanzarote, semeou de tudo, desde manuais, pecados, cegueiras, evangelhos, pessoas caídas e levantadas do chão, blimundas, cadernos, viagens, ensaios, artigos em jornais, poucos poemas, jangadas e cidades cercadas, cavernas, elefantes, baltazares, luas e sóis, milhões de nomes e padres voadores, até memoriais e tantas coisas mais.
As três graças que noutras alturas partilho com outras figuras, isto é, serem a minha rota, a minha bússola e o meu porto de abrigo, nestes dias de evocação, reservo-as todas para Saramago. De corpo ausente, mas espírito presente, passou um ano, e de lá para cá, estou sempre a voltar ao convívio e cumplicidade daquela prateleira, com pouco mais de um metro de comprimento, que condensa o pequeno grande mundo onde insisto em me iniciar, onde me atrevo e me perco, e onde acabo sempre por me reencontrar.
NOTA - A imagem é da capa do jornal PÚBLICO de 18 de Junho de 2010
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