segunda-feira, junho 06, 2011

Reflexão Pós-Eleitoral

«Preciso de uma iluminação muito mais sumptuosa do que a dos relâmpagos que abalam a montanha e dançam num oceano de chamas.»

In O BANQUETE de Soren Kierkgaard (1813-1855)

AINDA HÁ uma semana atrás se veio a saber que a equipa de José Sócrates, especializada em traficar promessas, negociatas, compromissos e “reajustamentos” de primeira e última hora, continuou a servir-se do poder para espoliar o país e os trabalhadores, até ao último momento do seu execrável e pouco escrupuloso governo de gestão. Ficaram como prova disso não só a carta de “intenções” dirigida à “troika”, bem como os sinistros e furtivos “ajustamentos de pormenor”, negociados após a assinatura do acordo, o que veio a acrescentar mais combustível à fogueira do calamitoso acordo para a concessão do empréstimo, que muitos teimam em qualificar de “ajuda”. Na altura, PSD e CDS/PP declararam-se escandalizados com este atrevimento (oh, que surpresa!), mas lá no fundo estão exultantes, pois o seu trabalho futuro está facilitado, o que vem dar razão à minha tese de que José Sócrates foi o mais duradouro e eficiente líder que a dissimulada coligação Cavaco Silva-PSD-CDS/PP teve até hoje. Foi assim, com este estado de espírito que no domingo, quando saí de casa para ir votar, mais do que votar para lá meter alguém, queria votar sim, mas para os tirar de lá, a este PS faz-de-conta e ao seu engenheiro de contrafacção.

FACE aos resultados eleitorais, que materializam a maioria sonhada por Francisco Sá Carneiro – um Presidente, um Governo e uma Maioria - acaba por se confirmar, agravado pela pesada abstenção, uma certa tendência masoquista do eleitorado português, que descartou, ignorou ou não percebeu que os interesses do PS (partido Sócrates) e da direita, há muito que deixaram de ser coincidentes com os interesses do país e dos portugueses. Persistem em manter-se insensíveis (até quando?) aos sinais e factos que se acumularam, entre brutalidades e crueldades do foro sócio-económico, ao longo dos últimos seis anos de governação. Ao ponto de José Sócrates, também ele sempre bem longe da realidade, entre algazarras, banhos de confiança e bebedeiras de optimismo, durante a campanha eleitoral, não se ter dignado dirigir uma única palavra a quem empurrou e fez transpôr o limiar da pobreza, e aos 700 mil portugueses que foram lançados no abismo do desemprego. Na hora da despedida ainda tivemos que o aturar durante mais de 30 minutos, com o seu derradeiro e lacrimejante discurso.

COM ISTO volta à baila aquela velha lei da política que diz que é possível enganar todos algum tempo, pode-se enganar alguns o tempo todo, mas não se pode enganar todos o tempo todo. Ora, em Portugal, depois de sucessivamente adiada, a lei está em vias de não se aplicar, não se percebendo porque é que isto acontece, e não bastando lavar as mãos como Pilatos, ou concluir que quem boa cama fizer, nela se há-de deitar. Na verdade, para perceber o fenómeno, preciso de uma iluminação muito mais sumptuosa do que a luz do relâmpago. Até lá, falta saber se o PS se vai limitar à cooperante, extravagante e mefistofélica missão de fiscalizar o cumprimento da condenação a que sujeitou o país e os portugueses, ou se vai conseguir fazer oposição, passando por cima da autoria dos muitos malefícios que exibem a sua assinatura, e quanto ao PSD e CDS-PP, como vão eles dissimular as respectivas cumplicidades e contribuições, na escolha dos ingredientes, nos temperos e cozedura dessas malfeitorias. Tanto num caso, como no outro, vêem-me sempre à memória as palavras do meu velho amigo senhor Barros, que advertia que há que ter muito medo e tomar precauções com os pirómanos da política, pois quando não conseguem sobreviver ao caos que criaram, largam fogo a tudo, para deixar ainda pior o que já era péssimo.

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