quarta-feira, agosto 17, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria (Clea)

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Alexandria, a capital da memória! Todos os escritos que eu fui buscar aos vivos e aos mortos, até eu próprio me tornar numa espécie de “post-scriptum” de uma carta que nunca foi remetida. (…) Agora encontrava-me perante a natureza do tempo, essa doença da alma humana. Tive de admitir a minha derrota como cronista. E todavia, de forma bastante curiosa, o mero acto de escrever dotou-me ainda de outra espécie de amadurecimento, pelo próprio fracasso das palavras que se afundam e se perdem uma após outra nas insondáveis cavernas da imaginação. (considerações de Darley, o narrador)

- Passaram-se muitas coisas depois de ter começado a guerra. O doutor Balthazar esteve muito doente. Sabe das intrigas de Hosnani na Palestina? Toda a organização se desmantelou. Os egípcios tentam confiscar-lhe os bens. Já se apoderaram de muita coisa. Sim, agora são pobres e longe de estarem livres de apuros. Ela tem residência fixa em Karm Abu Girg. Há muito tempo que ninguém a vê. Por privilégio especial, ele trabalha como condutor de ambulâncias nas docas. Muito perigoso. Durante um bombardeamento, ele perdeu um olho e um dedo. (…)
- Mas a guerra tem também outras vantagens. Corto o cabelo a todo o exército. A minha barbearia está sempre cheia. Três salões, doze empregados! Você vai ver, é estupendo. Como diz o nosso amigo Pombal: “você agora faz a barba aos mortos enquanto eles ainda estão vivos”. (Mnemjian, o barbeiro, põe Darley, o narrador, ao corrente do que se passou na sua ausência)

Eu tinha-a gasto como a um velho par de meias e o absoluto dessa desaparição surpreendeu-me e revoltou-me. Podia o “amor” gastar-se assim? Melissa, repeti, ouvindo o eco desse nome bem-amado ressoar no silêncio. O nome de uma planta triste, o nome de um peregrino a Elêusis. Era ela agora menos que um perfume ou que um sabor? Seria simplesmente um feixe de referências lioterárias gatafunhadas nas margens de um poema insignificante? (…) Melissa não passara de um dos muitos disfarces do amor. (Darley, o narrador, conjecturando sobre Melissa)

- Eu que julgava saber tudo sobre o amor – disse ele com ar sonhador, como falando com a sua imagem, enquanto compunha a barba com os dedos – nunca tinha imaginado uma coisa semelhante. Se há um ano me tivessem dito as coisas que estou prestes a contar-lhe, eu teria respondido: Bah! Isso não passa de uma obscenidade trovadoresca! São detritos da Idade Média. (confidências de Pombal)

Parecia muito mais magra. Erguendo alto o candelabro aproximou-se um passo e, depois de mergulhar ansiosamente os seus olhos nos meus, pousou os lábios num beijo gelado e breve sobre a minha face direita. Aquilo era frio como um obituário, seco como um pergaminho. (Darley, o narrador, reencontra Justine)

- A morte de Narouz recaiu sobre Nessim porque os coptas do povo dizem que foi ele quem a ordenou. Tornou-se para ele numa espécie de maldição familiar. A mãe dele está doente, mas afirma que nunca mais voltará a esta casa. (…) E assim aqui nos encontramos os dois encerrados. Passos as noites lendo – sabe o quê? – um maço de cartas de amor que ela abandonou. Cartas de amor de Mountolive! Mais confusão, mais recantos inexplorados. (confissões de Justine a Darley, o narrador)

O homem inventou a música para confirmar a sua solidão. (pensamento de Clea)

Mas que tarefa! Ficamos para aqui, enquanto o tempo passa, a fazer conjecturas. Todas as espécies de tempo que se escoam pela ampulheta, o tempo de uma eternidade, o tempo de um instante e o tempo do esquecimento; o tempo do poeta, do filósofo, da mulher grávida, do calendário… (dissertação de Balthazar)

Ela estava sentada no mesmo lugar onde (naquele primeiro encontro) eu tinha visto Melissa contemplando a sua xícara de café com um ar de ceptismo divertido, o queixo apoiado nas mãos. (…) Mas agora não era Melissa quem estava ali, era Clea, com a sua cabeça loura debruçada sobre a xícara de café, guardando um ar de meditação infantil. (Darley, o narrador, reencontra Clea)

A chuva caía em torrentes, como sucede frequentemente em Alexandria antes da alvorada, refrescando o ar, lavando as folhas ressequidas das palmeiras e dos jardins municipais, as grades de ferro… (…) Do porto, os odores de alcatrão, do peixe e das redes salgadas inundando as ruas vazias para enfrentar as rajadas inodoras do deserto… (imagens de Alexandria)

E se a personalidade humana for uma ilusão? E se, como nos diz a biologia, cada célula do nosso corpo é substituída por outra num período de sete anos? Quando muito, o que eu tenho nos braços é uma fonte de carne, jorrando continuamente, e no meu espírito um arco-íris de poeira. (pensamentos de Darley, o narrador)

Ela encontrava-se à janela vendo por detrás das cortinas corridas a aurora romper sobre os telhados da cidade árabe, nua e esbelta como um lírio do oriente.
(…) Chamei docemente Clea mas ela não me ouviu; voltei a adormecer. Sabia agora que Clea partilharia tudo comigo, sem restrições – sem mesmo ocultar aquele olhar de cumplicidade que as mulheres reservam para os espelhos.
(…) Volto-me para Clea adormecida e ponho-me a estudar o perfil sereno a fim de ingeri-la, bebê-la toda sem perder uma gota, fundindo nas suas as palpitações do meu coração. (…)
- É desleal olhar para uma mulher adormecida. (Darley e Clea)

Comprámos-lhe todos qualquer coisa, com a intenção de lhe restituir quando a tormenta passasse. Os Cervoni compraram os cavalos árabes, Ganzo o automóvel, que depois revendeu a Pombal, e Pierre Balbz o telescópio. Como não tinha lugar onde guardá-lo, Mountolive permitiu-lhe depositá-lo da residência de Verão, um sítio ideal. (recordações de Clea)

Dei por mim lendo estas passagens dos cadernos de Pursewarden com toda a atenção e humor que eles mereciam e sem pensar em ofender-me – para usar a expressão de Clea. (…) Em suma, é sempre salutar saber o que pensa francamente de nós uma pessoa a quem admiramos. (Darley, o narrador, lendo escritos do falecido Pursewarden)

Por exemplo, eu não habitava permanentemente em casa dela, porque quando Clea trabalhava numa tela que reclamasse toda a sua atenção tinha necessidade de vários dias de solidão. (Darley, o narrador, falando sobre Clea)

- Peço-lhe desculpa, mas… é o meu único meio de conhecer as feições das pessoas.
E senti bruscamente os seus dedos doces e tépidos deslocando-se rapidamente sobre o meu rosto, como se estivessem lendo um texto em Braille… (Liza, a noiva cega de Mountolive, conhecendo Darley, o narrador)

Clea tinha ido ao Cairo, e não a esperava. Levei a maleta para o apartamento dela e, sentando-me no chão, abri-a. (…) Comecei a tremer como na presença de um grande génio, a tremer e a balbuciar. Com um choque interior descobri que em toda a literatura conhecida nada existia de comparável! Todas as obras-primas de Pursewarden empalideciam diante dessas cartas de um brilho e de uma prolixidade furiosa e expontânea. (…) Nesta estranha e arrepiante experiência tive por um momento a intuição do verdadeiro Pursewarden – o homem que sempre me escapara. (Darley, o narrador, lendo a correspondência de Pursewarden para sua irmã Liza)

Eu, Darley, tudo o que posso afirmar é que cinco ou seis amantes francesas, várias voltas ao mundo e numerosas aventuras em tempo de paz não me ensinaram tanto como esta guerra. (confissão de Darley, o narrador)

Enquanto eu saía, fechando docemente a porta do quartinho, veio-me ao espírito uma frase de Pursewarden: “o amor mais rico é o que se entrega ao arbítrio do tempo.” (recordação de Darley, o narrador)

Sim, nesse dia surpeendi-me a escrever com a mão trémula as três palavras que todos os rapsodos da Terra pronunciam desde que o mundo é mundo para concitar a atenção do auditório. Palavras que simplesmente anunciam a maturidade de um artista: “era uma vez…”
E senti-me como se o Universo me tivesse piscado o olho!

Apêndice

Sim, ao lado da janela, a cama
Banhada pelo sol daquela tarde,
Separámo-nos às quatro horas
Apenas por uma semana…
Nunca pensei que esses sete dias
Pudessem não ter fim.

NOTA – Ilustração de Fernando Torres

segunda-feira, agosto 15, 2011

Recortes do EXPRESSO

Manuel da Silva Martins, ex-bispo de Setúbal, continua a ser um homem que admiro, tanto pela sua acção e coragem no passado, como por continuar a manifestá-lo no presente, tanto nas palavras como nas ideias. A entrevista que deu ao semanário EXPRESSO é a concretização desta minha permanente admiração.

A "qualidade devida" de Luísa Schmidt deixou-nos a seguinte mensagem: «(...) Por exemplo, "fala-se" na infame intenção de vender a Companhia das Lezírias. Seria uma decisão lesiva a todos os níveis - financeiro, económico, político, cultural, ambiental, estratégico... A começar logo pelas contas. A Companhia das Lezírias dá lucro ao Estado; esse lucro está em progressão sustentada há anos e produz bens transacionáveis. Não é disso que nós precisamos para pagar a dívida? Não é um exemplo de gestão assim que o país precisa de replicar pelo seu território e pelos diversos sectores económicos? (...) Será agora que ficaremos a saber se o actual ministério [da agricultura] e a sua ministra existem, ou se são uma mera convenção a servir de máscara ao "Ministério da Liquidação Geral".»

Disse-nos ainda o Daniel Oliveira: «(...) Houve um tempo em que as famílias da alta sociedade dividiam tarefas por género: os senhores exploravam os pobres, as senhoras organizavam festas cristãs para os ajudar. Infelizmente, a família já não é o que era e as mulheres dos homens ilustres já não têm tempo para se dedicarem à caridade. A empresa trata de tudo: com uma mão paga miseravelmente, com a outra dá um consolo, um ensinamento e um ralhete. Mas ninguém pode dizer que os senhores do Pingo Doce estão sózinhos. Limitam-se a seguir o exemplo do Estado, que enquanto destrói a economia das famílias inventa um abjecto plano de emergência, que transforma o Estado Social numa instituição de caridade. (...)»

sábado, agosto 13, 2011

Adivinhem Quem Governa Portugal

Victor Gaspar, o ministro das finanças do Governo português, confrontado com a ausência de cortes na despesa e o novo aumento de impostos (gás e electricidade) gerador de receita, disse: trata-se de uma opção com resultados mais rápidos para que Portugal atinja as metas orçamentais deste ano.

Por sua vez, Jergen Kroeger, representante da Comissão Europeia na troika, acrescentou: Não se verificará mais aumento de impostos ao longo deste ano. Quanto a 2012, teremos que esperar para avaliar como evolui a situação.

sexta-feira, agosto 12, 2011

Novo Dicionário de Sinónimos

PARA o "novo" Governo reduzir a despesa é qualquer coisa de parecido com um truque de ilusionista: diz-se que é para cortar na despesa mas aumenta-se a receita, agravando taxas e impostos sobre bens essenciais, como o são a electricidade e o gás, convictos que o povo não percebe a diferença. Se o nosso emigrante de luxo, candidato a filósofo, que anda agora pela Sorbonne, era um retinto mentiroso, estes agora são merceeiros que não sabem (ou fingem que não sabem) distinguir a receita da despesa. Nuno Crato que se cuide, pois os seus companheiros de jornada, sem darem cavaco e ao arrepio da Academia, devem andar a elaborar um novo dicionário de sinónimos, ao passo que o povo cá estará para pagar as facturas. Nunca vi a Grécia aqui tão perto...

quarta-feira, agosto 10, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria (Mountolive)

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Outra personagem:

Amaril, o médico, colega de Balthazar, que tem tanto de Pigmaleão como de Frankenstein.

Colectânea de citações ao correr da leitura:

Montaram e tomaram o caminho de casa. Mandando o intendente avançar adiante com a lanterna, Leila aproximou o seu cavalo do cavalo de Mountolive, para que os seus joelhos se tocassem e para que o contacto dos seus corpos apaziguasse em parte a sede dos seus sentidos. Eram amantes havia apenas dez dias, mas para o jovem Mountolive esses dez dias tinham sido uma eternidade de alegria e desespero. (recordações de Mountolive)

Nessim detestava o derramamento de sangue, o trabalho manual e as maneiras rudes; Narouz sentia prazer em tudo isso.(…)
A fortuna da sua família tinha entrado em conflito com a fortuna dos Hosnani, porque, como sempre nestes casos, um casamento era uma espécie de associação entre duas grandes companhias. (…)
A Europa para os egípcios não passava de um mercado onde os ricos se iam abastecer. (Leila, traçando o perfil da família Hosnani)

Segunda-feira. Ali afirma que as estrelas cadentes são pedras lançadas pelos anjos para afastar os demónios que se aproximam do paraíso a fim de escutar as conversas onde se enunciam os segredos do futuro. Todos os árabes têm medo do deserto, mesmo os beduínos. Que estranho! (anotação do diário de Mountolive)

- Mas que sabe você, que sabem os ingleses dos coptas, se é que alguma vez se preocuparam em conhecê-los? Uma obscura heresia religiosa, pensam eles, uma linguagem alterada com uma liturgia irremediavelmente mesclada de elementos árabes e gregos. Quando os primeiros cruzados tomaram Jerusalém, foi expressamente proibido aos coptas penetrar na cidade – a nossa cidade santa. Os cristãos do ocidente nem sequer sabiam distinguir entre os muçulmanos que os tinham derrotado em Askelon e os coptas – o único ramo da igreja que foi totalmente integrado no oriente! E quando o vosso bispo de Salisbury declarou abertamente que considerava esses cristãos orientais mais execráveis que os infiéis, os vossos cruzados massacraram-nos alegremente. (palavras do patriarca Hosnani)

Não lhe parece estranho que, para nós, nunca tenha havido conflito entre a cruz e o crescente? Esse conflito foi uma criação puramente ocidental, tal como a noção da crueldade muçulmana. Os muçulmanos nunca perseguiram os coptas por motivos religiosos. Pelo contrário, o próprio Alcorão respeita Jesus como um verdadeiro profeta, um percursor de Maomet. (Nessim discorrendo sobre a tolerância religiosa)

A nomeação verificou-se nos fins desse Outono. Foi uma surpresa ver-se afectado à legação de Praga, pois tinham-lhe dado a entender uma colocação no consulado do Levante, onde a sua experiência do árabe poderia ser útil. Mas, vencida a decepção, aceitou a sua sorte e entregou-se à contradança que o Foreign Office pratica com uma eloquente impersonalidade. (Mountolive e os espinhos da carreira diplomática)

O antigo amor metamorfoseou-se lentamente em admiração até que o seu desejo físico (tão irritante no princípio) se transformou numa ternura despersonalizada e devoradora, que, em vez de diminuir, mais se nutria com a ausência. (Mountolive sobre Leila)

E pontualmente, enquanto os anos se sucediam no calendário e ele mudava de lugares, a imagem de Leila era projectada com as cores e as experiências dos países que passavam diante dele: Japão constelado de cerejeiras, Lima dos narizes aquilinos, Portugal melancólico e insípido, Helsínquia afogada em neve. (Mountolive por outras terras com o pensamento em Leila)

Não escreva enquanto eu não estiver em condições de poder ler; estou coberta de ligaduras dos pés à cabeça. Sucedeu-me qualquer coisa de terrível e definitivo. (…) É uma estranha experiência ver o nosso próprio rosto crivado de craterazinhas e ranhuras, como uma paisagem familiar depois de uma explosão. Temo ter de me acomodar à sensação de me haver transformado numa velha feiticeira. (Leila escrevendo a Mountolive, depois de ter sido atacada de varíola)

Por exemplo, tem ideias reaccionárias, o que o torna mal visto pelos colegas que o acusam de simpatias fascistas; repugnam-lhe os esquerdistas - e com efeito detesta toda a espécie de radicalismo. Mas exprime as suas opiniões sem rancor e sem paixão. Não consegui, por exemplo, fazê-lo falar sobre a guerra de Espanha. (Mountolive a avaliar Pursewarden)

Devemos preocuparmo-nos mais com os valores do que com a política. Hoje tudo isso me faz pensar num espectáculo ridículo de sombras chinesas, porque governar é uma arte, não uma ciência, da mesma forma que a sociedade é um organismo e não um sistema. (convicções de Pursewarden)

- Para começar, a mulher em questão – disse Nessim friamente – é judia, e bem sabe o terror absurdo que os coptas sentem pelos judeus. Temos mesmo um provérbio que diz “se deixares entrar a raposa judia na tua vinha, ela acabará por te devorar o coração”. (Nessim fala a Mountolive sobre o seu futuro casamento com Justine)

No decurso da sua carreira tinha concitado a inimizade do outro, sem saber porquê, pois nunca houvera entre os dois qualquer atrito concreto. Mas a coisa ali estava, como um nó na madeira. (a propósito de um colega de Mountolive do Foreign Office)

Pegou no moinho de orações tibetano colocado sobre a secretária e deu-lhe uma ou duas voltas, escutando o débil atrito no interior do tambor, abafado pelos bocadinhos de papel amarelado onde penas piedosas tinham escrito havia muito tempo a invocação “Om Mani Padme Aum”. Fora um presente de seu pai no momento da despedida. (Mountolive na casa de seus pais em Inglaterra)

Desde que o exército descobriu que a cobardia é essencialmente um produto da inteligência, começou a produzir os Maskelynes, educando-os em todas as virtudes da estupidez: uma espécie de apatia turca. O desprezo pela morte transformou-se em desprezo pela vida, e um tal tipo de homem só aceita a vida segundo as suas normas. (excerto de uma carta de Pursewarden a Mountolive)

“Mas se casa, torna-se amante de outro homem, um estrangeiro ainda por cima”. Falava de Darley, o amável e míope compatriota que às vezes habita nos aposentos de Pombal. Ganha a vida como professor e escreve romances. Tem um crâneo gentil e arredondado de bebé, como às vezes se encontra nos intelectuais; ligeiramente curvado, cabelos louros e aquela timidez que acompanha as grandes emoções imperfeitamente dominadas. (…) De qualquer maneira, esse Darley deve ter qualquer encanto, porque também conquistou as graças de uma artistazinha de cabaret chamada Melissa. (Mountolive descrevendo Darley, o narrador, Justine e Melissa, a propósito de um comentário de Pursewarden)

Foi uma festa sumptuosa e bárbara, e toda a Alexandria veio prestar homenagem a Mountolive, como para festejar o regresso de um filho pródigo, embora ele de facto pouca gente conhecesse além de Nessim e sua família. Mas agradou-lhe reencontrar Balthazar e Amaril, os dois inseparáveis médicos que estavam constantemente a implicar um com o outro; e Clea, que conhecera em tempos na Europa. (Mountolive chega a Alexandria vindo do Cairo)

Depois pediria a transferência (…) Havia qualquer coisa naquele Egipto de imensidões sufocantes, de vazios ardentes, com os seus monumentos de granito aos faraós mortos, necrópoles tornadas cidades, que o sufocava. (projectos pessoais de Pursewarden)

Os seus abraços eram semelhantes aos das figuras de gesso sobre um túmulo clássico. Ela acariciou-lhe os flancos, os rins, o pescoço, as faces, com as suas mãos experientes, apoiando aqui e ali os dedos na sombra, dedos de cega procurando um painel secreto numa parede, o botão que faria jorrar a luz iluminando um outro mundo, fora do tempo. (Melissa com Pursewarden)

Por acaso e de forma totalmente inesperada descobri o acerto das teorias de Maskelyne sobre Nessim e o erro das minhas. Não lhe confiarei a minha fonte, mas sei agora que Nessim introduz armas na Palestina, e isso já há algum tempo. (carta de Pursewarden a Mountolive pouco antes de se suicidar)

Por outro lado sabia, subconscientemente, que a mulher oriental não é uma sensualista no sentido europeu do termo; a pieguice não faz parte da sua constituição. Embora não o queira aparentar, está obcecada pelo poder, pela política e pelos bens materiais. (conjectura de Nessim ao contar a Justine os planos da sua conspiração)

Durante todo o verão e Outono os conspiradores organizaram uma série de festas de um esplendor raro na cidade. Agora, na casa de Nessim, não havia repouso, sempre animada de frescas e desusadas melodias de um quarteto de cordas, ou sacudida pelos sobressaltos viscerais dos saxofones, grasnando como patos no meio da noite. As cozinhas, vastas cavernas outrora desertas, fervilhavam agora com um exército de cozinheiros que mal acabavam de arrumar os destroços de uma festa sumptuosa começavam a preparar iguarias para o próximo banquete. (a casa de Nessim no auge das conspirações)

Em breve estariam lançados em caminhos que não tinham escolhido, aprisionados num campo magnético dominado pelas mesmas forças que provocam as marés ou que obrigam os salmões cintilantes a subir um rio. (as inquietações de Mountolive, Nessim e Justine)

- Dizer que os coptas retomarão o seu lugar ao sol é uma coisa; mas dizer que eles varrerão o regime corrupto dos paxás que possuem noventa por cento das terras… falar de se apoderar do poder no Egipto e de reformar a ordem…
- Ele diz semelhantes coisas? – balbuciou Nessim, e o velho confirmou gravemente com um gesto de cabeça. (Nessim confrontado com o fervor militante da Narouz)

- Se tudo correr de acordo com os planos.
- Tudo correrá de acordo com os planos.
- E depois?
- E depois? – Nessim espreguiçou-se bocejando e piscou o olho a Justine. – Havemos de tomar novas disposições. Da Capo desaparecerá; você partirá. Leila irá passar umas grandes férias no Quénia, com Narouz. E é tudo. (excerto de conversa entre Nessim e Justine)

Nessim, Justine, Leila – tinham agora um ar substancial, como projecções de um sonho agindo num mundo habitado por inexpressivos bonecos de cera. Era difícil conceber que lhes devesse sequer algum amor. (desânimo de Mountolive)

Defrontava-o uma senhora egípcia de idade incerta, de rosto lavado e balofo, profundamente lavrado pela varíola e com os olhos grotescamente pintados com antimónio. (Mountolive reencontra Leila)

Mountolive sentia como se uma barreira interior estivesse a ponto de se quebrar, como uma barragem que cede. Teve então a ideia de ir jantar ao bairro árabe, simplesmente, humildemente, como um amanuense ou um pequeno comerciante da cidade. (Mountolive desiludido)

NOTA – Ilustração de Fernando Torres

domingo, agosto 07, 2011

Seis Anos a Gastar Tinta

FAZ hoje exactamente seis anos que O ESCREVINHADOR ficou on-line, depois de se ter iniciado como SEMENTEIRA no Terravista, entre Outubro de 1997 e Junho de 2003, e depois se ter transfigurado em BIBLIOTECA VIRTUAL no Yahoo! Geocities, entre Julho de 2003 e Julho de 2005. Agora no BLOGGER, mil seiscentos e nove (1.609) posts depois, com 15.752 visitas averbadas, por cá continuaremos, até que a tinta se esgote.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Oportuno como Sempre!

COMENTARIO do sempre oportuno Manuel António Pina, publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS de 2 de Agosto de 2011, com o título "O bando do Estado".

«Coelho e Portas não são originais por terem esquecido tudo o que proclamaram na Oposição e prometeram em campanha. Isso é a rotina, e daí que os políticos tenham hoje junto dos portugueses um "rating" muito abaixo de lixo. A originalidade deste Governo é que, em mês e meio, já bateu todos os recordes de promessas e garantias não cumpridas.

Não tenho boa memória nem sou coleccionador de indignidades mas lembro-me de
Coelho-candidato garantindo que o subsídio de Natal era intocável e nunca seriam aumentados os impostos sobre o rendimento e de Coelho-primeiro-ministro indo buscar metade do subsídio de Natal e criando uma nova taxa sobre o IRS; da promessa de não usar a "herança" de anteriores governos como álibi e da rábula do "desvio colossal"; da garantia de que não haveria cortes salariais nem despedimentos no Estado e do anúncio de despedimentos na administração indirecta do Estado; da promessa de espartidarização do Estado ("A nossa preocupação não é levar para o Governo amigos, colegas ou parentes") e das centenas de nomeações de "boys" para todo o tipo de "jobs", de que o caso mais escandaloso será o da CGD para cuja administração foram, talvez só com uma excepção, nomeados 11-amigos-11 do PSD, CDS e... presidente da República.

O caso da CGD é tão chocante que, no domingo, num justificado "lapsus calami", o JORNAL DE NEGÓCIOS online lhe chamava "bando do Estado" em vez de "banco do Estado"
.»

quinta-feira, agosto 04, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria (Balthazar)

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Escrevi na introdução ao Quarteto que “os estudiosos da obra de Durrell dizem que o Quarteto de Alexandria foi uma obra inspirada na teoria da relatividade”. Engano meu! Acontece que não foram os estudiosos mas sim o próprio Durrell que o manifestou, na nota introdutória de Balthazar, com as seguintes palavras: as personagens e situações deste romance, o segundo de um grupo – constituindo este um “sósia” e não uma continuação de JUSTINE – são inteiramente imaginárias, tal como a personalidade do narrador. Mas a cidade é o menos irreal possível. A literatura moderna não nos oferece nenhum exemplo de Unidades, e em consequência disso voltei-me para a ciência e tentei realizar um romance em quatro dimensões cuja forma assenta no princípio da relatividade.
Três partes de espaço e uma de tempo, eis aqui a receita para engendrar um “continuum”. Os quatro romances obedecem a este plano. (…)

Maioritariamente baseado em comentários feitos sobre o rascunho de romance do Narrador, Balthazar é a segunda “camada” do Quarteto de Alexandria, ou melhor, uma visão diferente da realidade que foi apresentada em Justine. Às personagens apresentadas naquela obra, acrescentam-se novas figuras, intervenientes em Balthazar:

Narouz Hosnani, irmão de Nessim
Leila, mãe de Nessim e Narouz
Keats, o jornalista
Darley, o Narrador que passa a ter um nome

Colheita de citações ao correr da leitura:

Justine, Melissa, Clea… Éramos tão poucos que na verdade um livro devia ser suficiente para esgotar-nos (…) Na verdade eu via as minhas amantes e amigos não mais como seres humanos e vivos mas como criações coloridas da minha mente, eram agora habitantes do meu livro, não da cidade, como figuras de tapeçaria (…) O quadro que desenhei era provisório – como o painel de uma civilização perdida deduzido de uns escassos fragmentos de vasos, uma tábua com caracteres confusos, um amuleto, alguns ossos humanos e uma máscara mortuária de ouro, sorridente. (ponderações do Narrador sobre o seu projecto de romance)

Nós vivemos – escreve algures Pursewarden – vidas baseadas sobre uma selecção de ficções. A nossa perspectiva da realidade é condicionada pela nossa posição no espaço e no tempo, e não pela nossa personalidade, como geralmente se crê. Assim, cada interpretação da realidade baseia-se sobre uma posição única. Dois passos para leste ou para oeste e o quadro muda inteiramente. Ou qualquer coisa parecida…

Um diário é a última fonte a que o historiador deve recorrer para conhecer o seu autor. Ninguém se atreve a ser sincero no papel: pelo menos quando se trata de amor. (observação do Narrador)

No princípio os jovens, tal como a vinha, apoiam-se sobre os tutores dos mais velhos, que sentem prazer em suportar sobre eles os dedos doces e meigos; mais tarde são os velhos que se apoiam nos belos corpos dos jovens para descer o rio da morte. (citação de Balthazar)

O barbeiro muitas vezes não tinha tido sequer tempo de se barbear, tendo chegado a toda a pressa do hospital onde acabava de escanhoar um morto. Encontrávamo-nos aqui nas cadeiras acolchoadas, diante dos espelhos, por um breve instante, antes de nos dirigirmos às respectivas ocupações: Da Capo para se encontrar com os seus corretores, Pombal para a sensaboria do consulado francês (mal disposto, boca amarga, sensação de ter caminhado toda a noite de cabeça para baixo), eu para a escola onde ensinava, Scobie para a repartição da Polícia, e assim por diante…
(…) Aquelas mímicas lembravam-me um pouco os heróis dos romances ingleses diante de uma chaminé Tudor, fustigando as botas com o chicotinho e tomando ares de superioridade.
(…) Adormeceu de novo e desta vez filtrava-se pelos seus lábios um ligeiro assobio irritante. Retirei-lhe com cuidado o cachimbo de entre os dedos e acendi um cigarro. Esta maneira de aparecer e desaparecer, num simulacro de morte, tinha qualquer coisa de comovedor. Estas pequenas visitas a uma eternidade que em breve se tornaria seu domicílio, na companhia de … (observações do Narrador)

Um dia dissera com um leve suspiro: nada mais fácil de organizar nesta cidade do que uma morte ou um desaparecimento. (Balthazar citando Scobie)

Nessim possuía a pureza inodora do ar do deserto, do deserto estival, secreto e seco. Puro. Como ela odiava essa pureza! E depois? Sim, revoltava-a também a cruzinha de ouro aninhada nos cabelos do seu peito. Era um copta – um cristão. É assim que trabalha em segredo o espírito das mulheres. (Balthazar conjecturando sobre os preconceitos de Justine)

A pobreza obrigava-a a servir de modelo, a tantas piastras à hora, para os estudantes de arte do Atelier. Clea, que apenas a conhecia de nome, passava certo dia na extensa galeria e, impressionada pela sombria beleza alexandrina do seu rosto, contratou-a para um retrato.
(…) Da mesma forma que uma prostituta pode ignorar que o seu cliente é um poeta que a imortalizará num soneto que ela nunca chegará a ler, Justine entregando-se a esses prazeres sexuais mais subtis, ignorava que eles deixariam, por muitos anos, uma marca indelével em Clea…
(…) Certas pessoas nasceram para dispensar o bem e o mal em maior medida do que as outras – são os veículos inconscientes de doenças que não podem tratar. (considerações de Balthazar sobre os amores de Clea e Justine)

Leila não admitia nenhum espelho no harém desde que a doença a tinha privado da sua própria estima; mas, na intimidade de um espelhinho de bolso de ouro, pintava os olhos – o único tesouro que lhe restava. (…) Era como um homem que cega e aprende a ler com o único órgão que lhe resta: as mãos. (Leila isolada com os seus danos da varíola)

Imaginar não é necessariamente inventar, da mesma maneira que se podem interpretar as acções dos outros sem nos proclamarmos omniscientes. (notas de Balthazar)

Ei-las, sentadas as duas, a esfinge velada e a descoberta, comendo as violetas cristalizadas que ambas odiavam. Deliciava-me observar as mulheres assim, no seu estado mais puro. (comentário de Balthazar sobre Leila e Justine)

Uma mulher não pensa duas vezes (se a paixão sanciona o crime) antes de enganar o marido; mas ser infiel a Nessim era como roubar a caixa das esmolas. (notas de Balthazar sobre Justine)

Os factos e os gestos mais inocentes – a visita a uma biblioteca, uma lista de compras, uma mensagem num cardápio – tornavam-se em provas aos olhos de um ciúme fundado na impotência sentimental. (notas de Balthazar sobre a relação de Nessim com Justine)

Os factos são instáveis por natureza. Narouz disse-me certo dia que amava o deserto porque lá o vento apaga o traço dos nossos passos como apaga uma vela. Assim, ao que me parece, faz também a realidade. (observações de Balthazar)

Pursewarden tinha lançado frases do género: “é um dever de todo o patriota odiar a sua pátria de uma maneira criadora”… (memórias de Balthazar)

Pursewarden oferecia um amor amargo, sem compaixão, mas de uma maneira curiosa que tornava os seus beijos excitantes. Eram tão vivos como a dentada de uma criança faminta numa maçã madura. (observações de Balthazar)

Os silêncios de Nessim tinham já atingido enormes proporções no seu espírito. Estendiam-se por todos os lados como o próprio deserto – enervando-a. (Balthazar comentando o relacionamento de Nessim com Justine)

O rosto de Pursewarden, na morte, recorda-me o de Melissa; tinham ambos o ar de quem acaba de gozar secretamente uma boa piada, adormecendo antes de o sorriso ter tempo de se apagar nos cantos boca. (Balthazar comentando o suicídio de Pursewarden)

Tremia de emoção, como se estivesse prestes a profanar um lugar santo com qualquer obscenidade irresistível, cuja significação crepitava no seu espírito como um raio, com uma beleza horrível e singular. (Afrodite consente todas as conjugações do espírito e dos sentidos na prática do amor). (Narouz imaginando-se a fazer amor com Clea)

Em pensamento vejo-os sempre assim, olhos nos olhos, de mão dada, muito juntos e todavia tão longe. O telefone é o símbolo moderno das comunicações que nunca se realizam. (Messim e Justine)

Suponho (escreve Balthazar) que se você desejar, de qualquer modo, incorporar no seu manuscrito de Justine aquilo que eu acabo de lhe contar, se encontrará em presença de um livro bastante curioso; será uma história contada em camadas sucessivas. (…) Estes são os pequenos depósitos aluvionários do tempo no lugar. Da mesma forma a vida deposita sobre o rosto do indivíduo, camada após camada, as rugas sucessivas da experiência onde é impossível discriminar a herança das lágrimas e do riso. Dejeções da experiência sobre as areias da vida… (sugestão de Balthazar ao Narrador, agora Darley)

Areias, roseirais e pedras brancas
De Alexandria – faróis do navegante,
Dunas que se esmagam e deslizam,
A areia beija o mar a todo o instante,
(…)
(versos gregos recitados por Justine para Darley, o Narrador)

As verdadeiras ruínas da Europa são os seus grandes homens. (das notas estenografadas de Keats)

Memorandum
Quantos amorosos, depois de Pigmaleão, conseguiram moldar na carne o rosto da amada, como o fez Amaril? - perguntava Clea. O grande tabuleiro de narizes para ele escolher um – de Nefertiti a Cleópatra. Um trabalho de paciência numa sala sombria.

NOTA – Ilustração de Fernando Torres

quarta-feira, agosto 03, 2011

Uma Espécie de "Solução Final"

O MINISTRO da Economia, Álvaro Santos Pereira, já encontrou o remédio para deixar sobreviver alguns dos apêndices do “estado social”. A solução passa pela institucionalização e credenciação da pobreza, com direito a passe social de outra cor (como os cartões de crédito com diferentes plafonds), com acesso a descontos e preços especiais no cabaz de compras de produtos essenciais, nos cuidados de saúde, medicamentos, educação, consumos de água, gás e electricidade, e porque não no preço da ida ao cinema ou ao jogo de futebol. Suspeito que para os casos mais extremos, está em estudo um passaporte para os bancos alimentares, a par de autorizações do ministro da Defesa para pernoitar nas casernas dos quartéis. Tudo isto porque os tempos são outros e já não se justifica, como há tempos atrás, para não haver confusões entre ricos e pobretanas, os carros usados importados, mesmo sendo topos de gama, levarem com a matrícula “K”, ou então, como no século passado - embora com outros e maléficos objectivos – ser vulgar haver quem andasse com uma estrela de David cozida na fatiota, amarela e bem visível, para marcar a diferença, à espera da “solução final”.
Entretanto, António José Seguro, exibindo aquela fisionomia de pessoa que sofre de prisão de ventre, indiferente à “guetização” em curso, anda a entoar-nos algumas canções de embalar, com letra da troika e música do bloco central. Diz ele que somos todos vítimas (menos uns quantos) das imposições que vieram lá de fora (pois claro!), que temos que dar as mãos, continuar a trabalhar e a descontar para os respeitáveis accionistas dos bancos, trauteando o “fui ao jardim da Celeste, giroflé-flé-flá”, cara alegre, olhar em frente, e vamos a isto que o que é preciso é ter fé, pois o mau tempo há-de passar.

segunda-feira, agosto 01, 2011

Falta de Memória, Pouca História e Nenhuma Vergonha

A PROPÓSITO de o Governo querer acabar com as indemnizações por despedimento até 2013, Vitor Dias do blog O TEMPO DAS CEREJAS diz o seguinte:

«Recordo apenas que, em 24 de Abril de 1974, a indemnização por despedimento já seria, pelo menos, de 15 dias por ano de trabalho. Mas este registo histórico obviamente que não diz nada ao pessoal governante que agora temos, além do mais porque, por razões de idade ou de classe, nunca sentiram o influxo socialmente libertador da Revolução de Abril.»

domingo, julho 31, 2011

Aprender com os Filmes (3)

«As pessoas têm sempre medo daquilo que desconhecem»

Dr. Frederick Treves in “O Homem Elefante” (The Elephant Man) de David Lynch, 1980

sábado, julho 30, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria (Justine)

Consultar este post para prévia apreciação global do QUARTETO DE ALEXANDRIA.

QUEM é quem, ao longo de todo o Quarteto:

Alexandria, a cidade mágica, sempre presente
O Narrador, professor e candidato a escritor cujo nome não é revelado
Justine, a esposa de Nessim
Nessim, o rico negociante copta
Melissa, a dançarina de cabaré
Balthazar, o médico e cabalista
David Mountolive, o embaixador britânico
Cohen, o peleiro, antigo amante de Melissa
Clea, a pintora
Pombal, o diplomata
Pursewarden, o diplomata e escritor
Scobie, o decadente oficial da Ordem do Império Britânico
Mnemjian, o barbeiro anão e corcunda, natural de Babilónia
Jacob Arnauti, primeiro marido de Justine
Capodístria, o homem da pala negra
Selim, o criado de Nessim
Hamid, o criado berbere do Narrador

Recolha de citações:

As nossas acções quotidianas nada mais são que os ouropéis que velam o vestido de ouro – a essência da forma. É na sua arte que o artista encontra, pela imaginação, um feliz compromisso com tudo quanto o feriu na vida quotidiana, e não para escapar ao seu destino, como faz o homem vulgar, mas para realizá-lo da forma mais adequada e completa que lhe for possível. (reflexão do Narrador)

- Olha! Cinco imagens diferentes da mesma pessoa. Se eu fosse escritor tentaria descrever uma personagem assim, através de uma visão prismática. Porque será que não podemos ver mais do que um perfil de uma só vez? (comentário de Justine, numa visita à modista)

Lastimo-o, diz ela. Tem o coração empedernido e tudo quanto lhe resta são os cinco sentidos, como os fragmentos de um copo quebrado. (Justine classificando Capodístria)

Na sua vida passional ela era directa, como um machado que cai. Recebia os beijos como a tela recebe as pinceladas do pintor. (…) Ela toma o amor como uma planta absorve a água, naturalmente, cegamente. (Jacob Arnauti numa avaliação de Justine, sua ex-mulher)

Encontro-me no centro do corpo da cidade, no seu sistema génito-urinário; é um lugar excelente para perder quaisquer ilusões. (afirmação de Balthazar, referindo-se às suas funções no hospital de Alexandria)

Ah!, minha querida, depois de todas as obras dos filósofos sobre a alma e dos cientistas sobre o corpo, que existe que possamos afirmar conhecer, realmente, sobre o homem? Que afinal de contas ele não é mais do que uma passagem para os líquidos e para os sólidos, um cano de carne. (Balthazar conversando com Justine)

E que posso dizer da própria Cabala? Alexandria é uma cidade de seitas e evangelhos. E, para cada asceta, ela produziu sempre um religioso libertino. (congeminações do Narrador)

Falo-lhe agora como membro da Cabala e não a título pessoal. Amar apaixonadamente, ainda que à própria mulher, é cometer adultério. (advertência de Balthazar a Justine)

Compreendi, então, a verdade do amor: um absoluto que tudo aceita ou tudo despreza. Os outros sentimentos, a compaixão, a ternura, e assim por diante, só existem à periferia, são aquisições da vida social e do hábito. (considerações do Narrador)

É preciso ser-se extraordinariamente ignorante para crer em Deus. Creio que, pela minha parte, soube sempre o bastante para não cair nessa armadilha. (confissão de Pursewarden ao Narrador)

Fui chefe de escuteiros, depois de reformado. Mas tive que sair de Inglaterra, meu velho. A tensão era excessiva para mim. Esperava a cada semana ler no News of the World: «Mais um jovem vítima dos imundos desejos do seu monitor»
(…)
O monitor que me antecedeu apanhou vinte anos de cadeia. (confissão de Scobie ao Narrador. Nos anos 40 e 50 do século passado, ainda o magnata da informação Rupert Murdoch (n.1931) era um "teenager", provávelmente com outras ambições, e já o jornal "News of the World" tinha tradição de não olhar a meios para andar a esgravatar a vida privada dos cidadãos britânicos. Esta menção de Scobie é bem exemplificativa daquela característica.)

É fácil escrever sobre beijos, diz Arnauti, mas onde a paixão devia ser plena de sinais e de chaves, isso só serve para calafetar os nossos pensamentos, sem fornecer nenhum conhecimento novo. (considerações do Narrador, sobre um escrito da autoria de Arnauti)

Às vezes divago e lanço-me contra a parede quando me lembro das loucuras que podem parecer insignificantes aos outros ou aos olhos de Deus – se é que existe algum Deus. Dirijo-me à pessoa que sempre imaginei vivendo num lugar tranquilo e verdejante como o Salmo 23. (divação de Justine)

Ele nunca compreenderá que é justamente com Deus que é necessário ser-se mais prudente; é Ele que cria uma atracção por tudo quanto de mais vil existe na natureza humana – o sentimente da nossa insuficiência, o nosso receio do desconhecido e os nossos insignificantes fracassos pessoais;e, sobretudo, o nosso egoísmo monstruoso que vê n coroa do martírio o prémio de uma acrobacia difícil de executar. (Pursewarden a falar com o Narrador, sobre o livro que quer escrever e as preocupações que o assaltam)

- Como deve parecer repugnante – disse-me um dia Justine – esta confusão obscena de ideias contraditórias que existem dentro de mim; esta doentia procura de Deus e a minha absoluta incapacidade para me submeter aos mais ligeiros imperativos morais da minha natureza, como, por exemplo, ser fiel ao homem que adoro. (o Narrador descrevendo diálogos com Justine)

De entre todas as espécies de fracassos, cada pessoa escolhe aquele que menos compromete o seu orgulho, que menos o decepciona. (Reflexão do Narrador)

Ainda bem que eu não sou um génio, porque um génio não tem ninguém em quem confiar (…) apaixonamo-nos sempre pelo ser, que a pessoa a quem amamos escolheu para amante. (Nessim confessando-se a Melissa)

Tinha mudado tanto naquelas poucas horas que sentia agora o desejo de que Melissa o visse nu, e apreciasse a sua beleza, que durante tanto tempo tinha permanecido inerte, como um belo vestido esquecido num armário. (Nessim com Melissa)

Reconhecia, com uma espécie de estupor, que Justine já tinha morrido para ele; de imagem interior tinha-se tornado num objecto, um medalhão gravado que se poderia trazer, para sempre, suspenso de um cordão em torno do pescoço. (sentimento de Nessim em relação a Justine)

No porto de Alexandria as sereias mugem e gemem. As hélices dos anvios rasgam as águas esverdeadas das docas. Os iates balançam preguiçosamente, mastros apontados para o céu, respirando sem esforço como ao ritmo da sístole e diástole da Terra.
(…)
As mesmas ruas e as mesmas praças ardem na minha imaginação como Pharos arde na História. Quartos onde amei, mesas de café onde a pressão dos meus dedos sobre um pulso me encadeava enfeitiçado, e eu sentia subir das ruas ardentes os ritmos de Alexandria que só se podiam traduzir em beijos famintos e palavras de amor pronunciadas por vozes roucas e maravilhadas. (contemplações e sensações do Narrador)

Tinham-lhe amarrado o queixo e fechado a boca, o que lhe dava um ar de ter adormecido durante um tratamento de beleza. Felizmente, ela tinha os ohos fechados; não teria suportado o seu olhar. (o Narrador perante o cadáver de Melissa)

Os amantes nunca se combinam bem, não acha? Um deles lança sempre a sua sombra sobre o outro e impede-o de crescer, de modo que aquele que se sente sufocado procura desesperadamente um meio de se evadir, para poder crescer sem entraves. Não é este o drama essencial do amor? (considerações de Clea sobre o amor)

(…)
De Alexandria que te abandona,
Não te deixes iludir e não digas
Que foi sonho ou um logro dos teus sentidos.
(…)
Abre a janela e olha para a rua
E bebe a taça inteira da amargura
E a derradeira embriaguez da multidão mística
E despede-te de Alexandria que te abandona.

NOTA – Ilustração de Fernando Torres

quinta-feira, julho 28, 2011

Os Beneficiários da Crise

O jornal PÚBLICO de hoje diz o seguinte:
«A fortuna dos 25 mais ricos de Portugal aumentou 17,8 por cento, somando 17,4 mil milhões de euros [isto é, 10,1% do PIB nacional], revela a lista anual da revista EXAME, liderada por Américo Amorim. Após três anos consecutivos de queda [isto é, de crise e recessão], os bilionários conseguiram aumentar os seus activos.»

Esclarecida a dúvida se é a revista EXAME, propriamente dita, ou a lista por ela publicada que é liderada por Américo Amorim (a língua portuguesa é cada vez tratada com menos rigor), apenas falta concluir que o aumento da fortuna dos "nossos" bilionários não tem nada a ver com a máquina de fazer excêntricos dos Jogos da Santa Casa. São sim grandes accionistas, de grandes grandes empresas da energia, petróleos, comunicações, construção, banca, distribuição, etc, que ao contrário do cidadão contribuinte e pagador de crises, têm habitualmente os seus ganhos e pecúlios protegidos da fúria fiscal dos governos, dos fazedores de impostos extraordinários e da eficácia dos cobradores de impostos.
Além de as crises continuarem a ser óptimas “desculpas” para fazer bons “negócios”, volta a deixar-se a pergunta no ar: - Quantos mais pobres são precisos para fazer um rico, cada vez mais rico?

quarta-feira, julho 27, 2011

Registo para Memória Futura (48)

Portugal é citado 32 vezes no ensaio-manifesto UMA DECLARAÇÃO DE INDEPENDÊNCIA EUROPEIA (A European Declaration of Independence) do assassino ultra-direitista norueguês Anders Behring Breivik.

domingo, julho 24, 2011

Últimas Notícias

A Polícia Judiciária investiga o desaparecimento de 800 milhões de Euros do Banco Português de Negócios (BPN), que foram passar férias a uma “offshore” e ainda não voltaram.

Os alemães e os franceses (e os chineses também) são esperados a qualquer momento em Portugal. Supõe-se que vêm aos saldos das privatizações…

sábado, julho 23, 2011

Registos para Memória Futura (47)

Informação colhida no DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line de 21 de Julho de 2011

O Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê que, este ano, o Governo viole o limite de endividamento, obrigando a que o Orçamento do Estado (OE) de 2011 seja objecto de um rectificativo. O tecto legal é de 20,7 mil milhões, porém o Fundo fala em mais 21,1 mil milhões. A razão desta rectificação tem a ver com a ajuda dos contribuintes aos bancos portugueses.
Meu comentário: É fácil de concluir que não é própriamente o país que está a ser ajudado, mas sim a banca e os seus accionistas.

Informação colhida no DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line de 22 de Julho de 2011

Se o Governo incluísse os dividendos distribuídos pelas empresas aos seus accionistas, no perímetro do novo imposto extraordinário, obteria uma receita de 256 milhões de euros, mais do que os pensionistas e os trabalhadores independentes terão de pagar.
Meu comentário: Com esta medida é fácil de perceber que os contributos e sacrifícios pedidos, não são equitativos.

sexta-feira, julho 22, 2011

Ideias de Trampa

A FUNDAÇÃO Gates (de Bill e Melinda Gates) concluiu que a sanita e o fluxómetro já deram tudo o que tinham a dar, precisam de ser reinventados, de forma a respeitarem as exigências sanitárias e ecológicas, além de que sejam acessíveis aos 2,5 biliões de pessoas de fracos recursos económicos existentes no mundo, afinal o maior mercado de que há memória, não fosse o seu fraco potencial económico. Assim sendo, a dita Fundação reservou a bonita verba de 30 milhões de euros para a criação de um fundo cujo objectivo é a reinvenção de um dispositivo barato que, além de cumprir os objectivos da tradicional sanita, decantadora dos nossos detritos fisiológicos, vá mais além, dando utilidade à biomassa que vai sendo armazenada, tratando-a e transformando-a em energia, adubos e outras matérias primas. Em resumo: a Fundação Gates está disponível para avaliar e financiar ideias de trampa, contribuindo assim para o bem-estar universal, além de pôr os mais desfavorecidos a terem acesso às tecnologias de ponta.
No entanto, e pelos motivos óbvios, embora a ideia seja louvável, desejável e acarinhável, vem ferida de algum desajuste e incoerência, relativamente à realidade. Se a iniciativa tem por objectivo principal gerar progressos no capítulo sanitário e da higienização, tudo bem, mas não se venha dizer que isso vai satisfazer as necessidades dos mais pobres e necessitados que proliferam por esse mundo fora, pois esses têm uma escala de prioridades bem diferente das nossas, bem aventurados que nunca experimentámos uma vida de contínua luta pela subsistência, e a diária convivência com as carências mais básicas. Além de não possuírem um tecto e trabalho decente, arranjar alimento é a preocupação dominante dos pobres e desfavorecidos, bem à frente das preocupações com o tratamento que pode ser dado às suas fezes, que afinal, e bem feitas as contas, são directamente proporcionais à escassez de alimentos ingeridos. Digam o que disserem, dêem as voltas que lhe derem, a sanita tecnológica nunca será um contributo determinante para a elevação do nível de vida dessas pessoas. Não é com o destino a dar aos resíduos fecais, que se conseguem resolver os apetites da boca e as privações do estômago. Porém, e para tirarmos dúvidas, basta fazer um inquérito junto dos interessados, com uma única pergunta: - O que mais deseja, um trabalho bem remunerado e refeições decentes, ou uma sanita tecnológica onde possa carregar o telemóvel?

quarta-feira, julho 20, 2011

Revisitando o Quarteto de Alexandria

«Considero a televisão muito educativa. Logo que alguém a liga vou para outra sala ler um livro»
Groucho Marx (1890-1977) - Actor


HABITUALMENTE, para marcar os livros que vou lendo ou relendo, uso os espécimes mais heterogéneos que tenho à mão. Dentro do primeiro volume da obra de que vos vou falar, fui encontrar um bilhete da “carris” dos anos 60, enfim, um resquício do passado. Como curiosidade, junto imagem do mesmo. Entretanto, quase 50 anos volvidos, e depois de algumas fortuitas investidas pelo meio, estou de volta a reler o fascinante Quarteto de Alexandria, de Lawrence Durrell (1912-1990), uma tetralogia composta pelos volumes Justine (1957), Balthazar (1958), Mountolive (1959) e Clea (1960), traduzida por Daniel Gonçalves e publicada pela Editora Ulisseia em 1960.


Se quisesse usar expressões-chave para classificar a obra, diria simplesmente que é notável e fascinante, sob todos os aspectos. Desde a força telúrica que emana da cidade fundada pelo macedónio Alexandre, até aos retratos das personagens que a habitam, que por ela se apaixonam e por ela se deixam devorar, é uma espiral de descobertas, onde tanto se mergulha até águas profundas, como de repente se vem cá acima respirar em grandes haustos. É um teorema sobre a condição e as relações humanas, as íntimas e as outras, de uma riqueza e espessura que nos deixa atónitos, senão mesmo atordoados. É um friso de quatro figuras básicas, que embora sendo centrais, são mais observadores que protagonistas, servindo mais de escalpelo para, entre avanços e recuos na linha do tempo, esgravatarem tudo o que o ser humano tem de bom, mau ou péssimo, expondo-nos a sua anatomia até às vísceras, e cartografando tudo o que determina personalidades e comportamentos. É também a olhadela sobre um tempo de mudança, a época que precede e depois mergulha na Segunda Guerra Mundial, conflito que apenas tocou ao de leve a textura humana daquela cidade-invólucro ou cidade-labirinto, meio mercado, meio bordel, onde se confundem europeus, judeus, árabes, gregos e coptas, uma espécie de Babel, produto de muitas paixões, ódios, encontros e desencontros, diásporas e outras tantas deserções, operando a transição entre o mundo mediterrânico e o deserto, caldeando raças e culturas.

Dizem os estudiosos da obra de Durrell que o Quarteto foi uma obra inspirada na teoria da relatividade, isto é, os acontecimentos, embora dizendo respeito a uma mesma realidade, são interpretados segundo pontos de vista de diferentes, numa espécie de jogo de espelhos, onde se conjugam mistérios com revelações, o antes com o depois, o sagrado com o profano, o falso com o verdadeiro, em que Justine, Balthazar, Mountolive e Clea, cada um à vez, cumprem o papel de observadores múltiplos da mesma história, ao mesmo tempo que são protagonistas de histórias dentro de histórias, qual conjunto de matrioskas, umas vezes como sujeitos ocasionais, apanhados de raspão, outras vezes como autênticos descodificadores da realidade. Em Justine, primeiro volume, são relatados os acontecimentos do ponto de vista do sujeito, ou seja, do narrador da história. Os mesmos acontecimentos voltam a ser descritos em Balthazar e Mountoliove, embora na segunda história, a realidade seja remontada e revista, sob outra perspectiva e entendimento, ao passo que a verdade volta a ser reposta na terceira narrativa. Finalmente, Clea encarrega-se de elaborar a síntese, fechar a abóbada da obra, acertando as contas da realidade com o tempo.

Conforme for progredindo na redescoberta do Quarteto, irei acrescentando alguns apontamentos, feitos basicamente de citações. Tal como há 50 anos atrás, continuo cativo de encantamento por este Quarteto de Alexandria, e insisto em perguntar, como foi possível alguém ter concebido e escrito uma obra assim, tão imensa, intrincada e coerente, quanto exímio e sedutor é o seu discurso? Garanto-vos que é uma experiência inesquecível!

segunda-feira, julho 18, 2011

Balcão de Reclamações

PARECE que há um “desvio” nas contas públicas portuguesas, da ordem dos 2.000 milhões de Euros, que vêm dos exercícios dos governos de José Sócrates. Como é óbvio, as reclamações devem ser apresentadas na esplanada do Café du Pont-Neuf, em Paris, França, à hora a que habitualmente José Sócrates aparece por lá, para atender e despachar.

domingo, julho 17, 2011

Aprender com os Filmes (2)



«A riqueza não é vergonha. O aparente desprezo pelo dinheiro é um truque dos ricos para manterem os pobres sem ele.»

Don Michael Corleone in O Padrinho II (The Godfather II) de Francis Ford Coppola, 1974

sábado, julho 16, 2011

A Recusa das Imagens Evidentes

Há noites que são feitas dos meus braços
E um silêncio comum às violetas.
E há sete luas que são sete traços
De sete noites que nunca foram feitas.

Há noites que levamos à cintura
Como um cinto de grandes borboletas.
E um risco a sangue na nossa carne escura
Duma espada à bainha dum cometa.

Há noites que nos deixam para trás
Enrolados no nosso desencanto
E cisnes brancos que só são iguais
À mais longínqua onda do seu canto.

Há noites que nos levam para onde
O fantasma de nós fica mais perto;
E é sempre a nossa voz que nos responde
E só o nosso nome estava certo.

Há noites que são lírios e são feras
E a nossa exactidão de rosa vil
Reconcilia no frio das esferas
Os astros que se olham de perfil.

Natália Correia - (1923-1993)

sexta-feira, julho 15, 2011

“Chicago Boys” em Versão "Brandos Costumes"

É MESMO um programa ambicioso, ao estilo dos "Chicago Boys" (*), embora sem golpe de Estado nem Pinochet. Com umas na calha e outras já em execução, vêm aí medidas que contemplam privatizações ao desbarato, redução drástica das obrigações sociais do Estado, impostos desumanos sobre quem é pensionista ou tem rendimentos de trabalho, e descarada protecção de quem vive de rendimentos e é cliente de "offshores", para onde exporta as fortunas ganhas na especulação financeira.
Há uma grande diferença de estilo relativamente aos governos de Sócrates, muito embora a política, em última análise, seja determinada pelos resultados alcançados e não pelo estilo adoptado. José Sócrates chegava lá por outros caminhos, fazendo e desfazendo às três pancadas, produzindo um excesso de propaganda, à mistura com métodos de carroceiro brigão, ao passo que Pedro Passos Coelho faz questão de exibir uma imagem de competência e profissionalismo, comedida mediatização dos propósitos, simpatia e contenção verbal, que também pode ser entendida como forma de anestesiar os nativos, para atenuar os efeitos do que está para vir, e que nem sequer nos passa pela cabeça.
Já os portugueses, com excepção da banalização dos assaltos a Caixas Multibanco, continuam relativamente quietos e sossegados, fazendo juz à velha classificação de "pobretes mas alegretes", isto é, interiorizando as dificuldades e tentando dar a falsa imagem de que a crise lhes está a passar ao lado, que as “tristezas não pagam dívidas” e as medidas de austeridade são um problema menor, e que apenas os estão a afectar de raspão.

(*) Grupo de aproximadamente 25 jovens economistas chilenos que formularam a política económica da ditadura do general Augusto Pinochet, nas décadas de 1970-80 do século passado, contrariando a política económica do socialista Salvador Allende, derrubado por golpe de estado. Foram os pioneiros do pensamento económico neoliberal, doutrina económica que defende a absoluta liberdade de mercado e restrições à intervenção estatal sobre a economia, só devendo esta ocorrer em sectores imprescindíveis, e ainda assim num grau mínimo, promovendo a desregulação dos mercados e o desmantelamento do “estado social”, e antecipando no Chile, em quase uma década, medidas que só mais tarde seriam adoptadas por Margaret Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos E.U.A..
A maioria destes economistas formaram-se na Universidade Pontifícia Católica do Chile, tendo mais tarde obtido a pós-graduação na Universidade de Chicago (daí o nome de “Chicago Boys”), onde pontificava o economista norte-americano Milton Friedman (1912-2006), teórico do neoliberalismo. Foram os responsáveis pelo chamado "Milagre do Chile" (The Miracle of Chile), denominação atribuída pelo próprio Friedman.
Fonte: Wikipédia

quarta-feira, julho 13, 2011

Registo para Memória Futura (46)

«A CGTP considerou hoje que a aplicação de um imposto extraordinário ao subsídio de Natal evidencia que os rendimentos provenientes da especulação financeira estão mais protegidos que os rendimentos do trabalho.

"Perguntámos ao primeiro ministro se o Governo teria disponibilidade para actuar ao nível do sistema financeiro, por exemplo taxando as operações na banca, mas o primeiro ministro disse que não, o que indicia que a riqueza produzida em especulação financeira é mais protegida que a proveniente do trabalho", disse o secretário-geral da CGTP, Manuel Carvalho da Silva aos jornalistas.

Carvalho da Silva, que falou aos jornalistas no final de uma reunião com o primeiro-ministro Pedro Passos Coelho, considerou que o imposto extraordinário sobre o 13º mês é injusto porque apenas vai ser aplicado a quem apresenta rendimentos englobados para IRS.

"Os verdadeiros detentores da riqueza continuam a ser dispensados de sacrifícios", disse o sindicalista, referindo que metade da riqueza produzida no país não se destina aos que apresentam os seus rendimentos em IRS
.»

Transcrição do DIÁRIO DE NOTÍCIAS on-line de 13 de Julho de 2011

segunda-feira, julho 11, 2011

Cascata de Recados

NOS ÚLTIMOS dias, Sua Elevação o Presidente Aníbal Silva, tem andado numa roda viva, a desdobrar-se em discursos e declarações, umas mais cirúrgicas que outras, seja a propósito de cuidados de saúde, da atrofia da nossa agricultura, ou sobre as agências de rating, essas mercenárias assassinas de estados, a soldo do mercado dos glutões. Diz que não lhe compete governar, mas lá vai teorizando e dando umas dicas. Haver uma Maioria, um Governo e um Presidente da mesma família, cai que nem uma luva. As presidenciais intervenções resumem-se assim:
Sobre as questões da saúde, Sua Elevação teceu a cavacal conclusão de que todos os cidadãos têm direito a cuidados de saúde de qualidade, e ninguém pode ser excluído, mas se o Estado não o conseguir assegurar ou custear - porque há emergência social e estamos numa encruzinhada - deve delegar-se essa função noutras organizações. Como há vários modelos em discussão, isso significa que está aberta a porta para o Estado, passo a passo, se demitir das suas obrigações e passar a bola a quem cobiça o filão da saúde, como é o caso dos privados. Estão a perceber, não estão? Sua Elevação, agente infiltrado de interesses pouco ou nada patrióticos, vai habilidosamente, deitando a escada, preparando o terreno e os espíritos, para o que aí vem.
Sobre a questão agrícola, a presidencial figura não referiu a época de quando foi primeiro-ministro, entre 1985 e 1995, e do quanto contribuiu (sem lhe doer o coração), para o processo de liquidação da agricultura nacional, mas agora, embora pouco criativo, foi muito sucinto, afirmando que os portugueses se devem mobilizar e envolver na produção agrícola, muito embora não tenha dito onde vai ter lugar a distribuição maciça de sementes, regadores, enxadas e ancinhos.
Sobre as (agora) malvadas agências de rating, Sua Elevação acertou o passo e fez coro com a ira e indignação geral dos comentadores de serviço, insistindo que isto foi uma atrocidade desmedida contra Portugal, por via de um objectivo mais alto, que tem por alvo o Euro e a concorrência europeia. Há uns tempos atrás, quando alguns “bota-abaixistas” de esquerda advertiam contra os perigos de nos enredarmos nas armadilhas dos mercados, e que era urgente renegociar a dívida, o sorumbático Aníbal Cavaco esboçava sorrisos de desdém, puxava dos galões académicos, e dizia que era preciso ter confiança, não ligar às agências de rating (nem às más companhias), mas sim acalmar os mercados, seguir em frente, com confiança e determinação, rumo à luz que cintilava ao fundo do túnel. O que temos não é a luz mas sim o precipício, quando se acaba o túnel!
Portanto, e concluindo, podemos ficar descansados. Faço questão, no entanto, de insistir que as professorais intervenções de Sua Elevação deviam ser compiladas, e devidamente comentadas. Por incompreensão e tacanhez, as mentalidades de hoje dificilmente o compreenderão, mas nunca se sabe se estas sonsas e insípidas dissertações não dariam uma preciosa ajuda à posteridade, para perceberem e apreciarem o contributo e protagonismo que Sua Elevação teve – em concorrência com outros trogloditas – no desastroso estado em que foi deixada a nação.

domingo, julho 10, 2011

Confissão


Confesso que não sei.
Assim, na praça pública, e desnudo.
E sem recurso à lei,
que impõe saber de mim o nada e o tudo.

Não sei por que reclamo o sol do estio,
as chuvas outonais,
as neves da invernia - céus, que frio
doendo-me de mais!

E o sol da primavera
beijando cada ninho em construção
enquanto o Tempo espera
o parto, em oração.

E quando cada espiga me mitiga
a fome só de vê-la,
escrevo uma cantiga
no lucilar ardente duma estrela.


Poema de José-Augusto de Carvalho
14 de Junho de 2011
Viana * Évora * Portugal

sábado, julho 09, 2011

A Família Teixeira

A Câmara Municipal de Loures é o que há de mais parecido com uma empresa familiar, onde tudo se confunde. Senão vejamos:

Carlos Teixeira – Presidente da Câmara Municipal de Loures;
Graça Teixeira – Esposa do Presidente, é directora-delegada do SMAS;
Joana Calçada – Filha do Presidente, é adjunta da vereadora socialista Sónia Paixão;
Paulo Gualdino – Cunhado do Presidente, é chefe de gabinete do SMAS;
António Baldo – Cunhado do Presidente, é chefe de gabinete do Presidente;
Maria Montserrat – Namorada do filho do Presidente, é Adjunta do Presidente;
Constantino Teixeira – Irmão do Presidente, tem funções na Valor Sul, empresa participada pela Câmara.

O Presidente Teixeira garante que está tudo legal, que não houve qualquer favorecimento e nada lhe pesa na consciência. A mim custa-me a acreditar…

sexta-feira, julho 08, 2011

Enganei-me!

Fernando Nobre disse:
“Os que pensavam que estava à procura de um tacho enganaram-se.”

Pessoalmente, concordo que me enganei. Pensava que ele andava à procura de um tacho, mas afinal o que ele queria era um trem de cozinha.

quinta-feira, julho 07, 2011

Então e os Vendilhões, Senhor?

NOS ÚLTIMOS tempos, o cardeal patriarca de Lisboa, Don José Policarpo, cada vez que abre a boca e mete uma colherada nos assuntos da República, passando por cima das questões da fé e da cristandade, nas quais ele é especialista, o resultado é perder mais uns quantos crentes para a sua causa, isto é, a Igreja Católica.
Desta vez, coube em sorte, debruçar-se sobre o imposto extraordinário de 50% que vai afectar o subsídio de Natal, na parte que excede o ordenado mínimo nacional. Considera ele que é uma medida equilibrada porque não atinge os portugueses com menores rendimentos nem discrimina ninguém. Desvalorizou a medida, dizendo mesmo que, pessoalmente, a “coisa” não lhe faz impressão… Mas esqueceu-se de falar daqueles que, não tendo subsídio de Natal, coitadinhos (logo não são atingidos pelo excepcional imposto, o que é uma graça), continuam a banquetear-se com mais-valias bolsistas e privatizações, são donos e accionistas disto e daquilo, e lá vão sobrevivendo com os exíguos rendimentos que os “offshores” e outras fontes de riqueza lhes vão disponibilizando, olari-lolé. Don José não disse para rezarmos novenas, mas continuando a falar das obrigações dos portugueses, acrescentou que estes "não podem pensar só no seu bem e na sua comodidade", devendo apoiar o governo e as suas medidas, para que possamos cumprir os acordos com a “troika”, acalmar os mercados financeiros, encher o peito de ar, recuperar confiança, pôr o país a funcionar e étecetera e tal. Queria dizer com isto que os portugueses têm que se esforçar e contribuir para salvar a pobre banca que está nas lonas, os agiotas e especuladores, e todas as almas caridosas que andaram (e andam) a contribuir para se chegar ao estado em que estamos. Don José esqueceu-se também – e aqui a omissão é grave - de aconselhar os portugueses que deviam seguir o exemplo de Jesus, o qual não teve meias medidas, quando chegou a altura de expulsar os vendilhões do Templo.

Crise e Austeridade, a Quanto Obrigas!

«A nova líder [Christine Lagarde] do Fundo Monetário Internacional (FMI) vai ganhar 381 mil euros anuais, o que representa um aumento de 11% em relação ao salário do seu antecessor [Dominique Strauss-Kahn].
(…)
A crise parece não afectar os salários dos altos cargos do Fundo Monetário Internacional. Christine Lagarde, que inicia hoje o seu mandato de directora-geral da instituição por cinco anos, irá receber um vencimento anual total de 551.700 dólares (381.200 euros, em moeda portuguesa antiga 76 mil contos), revelou hoje o FMI.
(...)
O FMI justifica o aumento recebido por Lagarde, a primeira mulher a liderar o Fundo, com a necessidade de "ajuste à inflação
".»

Excerto da notícia do DIÁRIO ECONÓMICO de 6 de Julho de 2011

quarta-feira, julho 06, 2011

Todos os Atalhos Vão Dar ao Mesmo Precipício

AO MESMO tempo que a União Europeia estrebucha com o caos da Grécia (onde até já se vendem pacotes de ilhas do Mar Egeu), atolada nas garras da financeirização da economia, por cá, ninguém consegue segurar a geringonça portuguesa. As agências de rating apertam a tarracha e tratam-nos como lixo, os juros sobem, o Governo protesta, os banqueiros indignam-se, o défice continua a derrapar como uma gangrena, a situação agrava-se e o povo sofre. O endividamento externo e o saco de dinheiro da troika não conseguem cauterizar a imensa ferida provocada pela catastrófica acção governativa dos últimos 6 anos, e a palavra de ordem continua a ser a de financiar os bancos (garantindo os dividendos dos senhores accionistas) à viva força, doa a quem doer. Os bancos andaram a comprar a dívida do Estado, auto-endividando-se, e agora estão tão entalados como o próprio Estado.
O governo ainda não aqueceu o assento das cadeiras do conselho de ministros e já anda a rapar os bolsos dos portugueses (em muitos já só há cotão), com mais taxas e impostos, a peneirar as prestações sociais até à exaustão, privatizando ao desbarato, e não percebendo, ou não querendo perceber que a solução de mais pilhagem e auteridade, é uma fuga às arrecuas, de costas voltadas para o abismo da falência, esfarelando pelo caminho o que resta da frágil economia, potenciando o desemprego e a pobreza generalizada.
Meus senhores, estão à espera de quê? Parem de garantir que o problema português é diferente do problema grego, pois isso é conversa fiada. Os atalhos para onde somos empurrados, vão dar todos ao mesmo precipício. Portanto, torna-se urgente uma imediata auditoria às contas do Estado, a fim de se avaliar em que moldes deverá ser pedida a renegociação da dívida, caso contrário Portugal vai acabar mal, e à Europa pouco lhe importará, pois há sempre a saída do Euro, ou em último caso, a expulsão pura e simples.

NOTA – A imagem não tem valor estatístico. É apenas a expressão gráfica do meu descontentamento (outras vezes rancor) com os políticos que nos têm governado.

O Martírio da Sede

Que importam as ciladas nos caminhos,
se sempre caminhei entre ciladas?
No berço, já ouvia, entre carinhos,
falar de perdições ensanguentadas...

O fim, amortalhado de alvos linhos,
eivava de martírio as caminhadas.
Por que será que a rosa tem espinhos,
com pétalas assim tão perfumadas?

Sonhei, por entre sombras, horizontes
de límpidas manhãs de primavera,
dourando o pão que Maio prometia...

E, agora, quem me nega as frescas fontes
que matem esta sede, nesta espera
que o sonho sempre mais e mais adia?


Poema de José-Augusto de Carvalho
9 de Junho de 2001
Viana - Évora - Portugal

terça-feira, julho 05, 2011

Entrada de Leão, Saída de Sendeiro

Fernando Nobre quis ser Presidente da República e acabou em terceiro lugar no acto eleitoral de Janeiro deste ano, com 14,1% dos votos. Pouco depois, para as Eleições Legislativas, candidatou-se nas listas do PSD, declarando que só se manteria no Parlamento se fosse eleito Presidente da Assembleia da República. Não conseguiu ser eleito, depois de dois escrutínios, acabando sentado na última fila da bancada do PSD. Por só lhe interessar o cadeirão de segunda figura do Estado, acabou por cumprir o que tinha prometido. Ao fim de duas semanas, depois de iniciada a legislatura, renunciou ao cargo, declarando que se sente mais útil na ajuda humanitária. Aí concordo!
Para quem se orgulhava de não estar comprometido com qualquer partido político, que não estava interessado em ser deputado, mas sentindo-se vocacionado para ser o maestro do sistema parlamentar que olhava de soslaio, o desastre político de Fernando Nobre, só tem uma classificação: entrada de leão, saída de sendeiro.

segunda-feira, julho 04, 2011

Registo para Memória Futura (45)

«Em casos muito excepcionais, há notícias (…) que não devem ser referidas, não por autocensura ou censura interna, mas porque a sua divulgação seria eventualmente nociva ao interesse nacional. O jornal reserva-se, como é óbvio, o direito de definir, caso a caso, a aplicação deste critério.»

Excerto do Estatuto Editorial do Semanário EXPRESSO

Meu comentário: É difícil conhecer a verdade absoluta, na medida em que ela é a soma de um conjunto de verdades, e algumas delas podem ter ficado na sombra, intencionalmente ou não, marcando a diferença entre a verdade absoluta, coisa rara, e a verdade relativa.
Porque o jornalismo existe para informar e não para condicionar a informação, era desejável que fossem definidos, em termos jornalísticos, os parâmetros do conceito de “interesse nacional”, essa expressão subjectiva que, tal como os “supremos interesses da nação” de outrora, pode ser tudo e não ser nada, caso contrário, com maior ou menor grau de limitações, estamos sempre sujeitos a formas, mais ou menos veladas de censura. Qualquer estagiário sabe que há uma grande diferença entre noticiar que “vai acontecer”, ou noticiar que “já aconteceu”. Qualquer jornalista sabe o que deve ficar a aguardar confirmação, e o que pode ser entregue já, ao domínio público. E os jornalistas mais experientes, sabem que muitas vezes, bem longe do “interesse nacional”, estão em jogo certos interesses, que são constrangidos a manter resguardados, por razões que nada têm a ver com a natural reserva, ou o tal “interesse nacional”, que tem tanto de vago como de castrador. Qual é o proprietário de um jornal, rádio ou estação de TV que gosta de ser objecto de notícias menos abonatórias? Por tudo isto, e mais um par de botas, como agora é hábito dizer-se, cada vez considero mais a profissão de jornalista, uma das mais nobres profissões que uma pessoa pode ter, quando desempenhada com isenção e rigor.

domingo, julho 03, 2011

Novas Fórmulas de “Outsourcing”

PARA o caso de ser assaltado, o posto da Guarda Nacional Republicana (GNR) de Armação de Pêra, tem instalado um sistema de alarme, contratado com a empresa privada de segurança e vigilância Prosegur. Será que não é da competência da GNR assegurar a inviolabilidade das suas próprias instalações, ou será que este posto não possui efectivos? Na verdade, não sei, mas se a moda pega ainda vamos ver o Ministério das Finanças a subcontratar o Cobrador do Fraque para efectuar junto dos contribuintes relapsos a recuperação coerciva dos impostos em atraso, ou o Ministério das Obras Públicas abdicar de ministro, secretários de estado e de instalações, e mudar-se de armas e bagagens para o Grupo Mota-Engil, ou qualquer outra construtora que mantenha concubinato com o governo em funções.

sábado, julho 02, 2011

Somos Oposição Construtiva…

NA APRESENTAÇÃO do programa do governo, o PS (através da voz interina da senhora Maria de Belém Roseira) foi muito claro: tudo o que tenha a ver com o acordo que o PS também assinou com a missão do FMI-UE-BCE, nada a objectar, mas tudo o que vá para além disso, logo se verá. Quer isto dizer que, muito embora o governo tenha uma maioria confortável e não precise de apoio, isso não impede que o PS deixe a pairar no ar o desejo de manter, através de uma “oposição patriótica, séria, responsável, construtiva, mas enérgica”, a defesa intransigente dos interesses dos banqueiros, dos empresários que vão empochar balúrdios com a redução da TSU, da economia do nosso país, que vai de mal a pior, e dos nossos queridos portugueses, que vão ficar sem uma talhada do subsídio de Natal, e o que mais virá depois. Não disseram isto, preto no branco, mas podiam ter dito, para os portugueses perceberem que caldinho está a ser preparado. E escusam de ficar descansados...

quarta-feira, junho 29, 2011

Livros Que Andei a Ler

Título: O Pequeno Livro do Grande Terramoto
Autor: Rui Tavares
Editor: Tinta da China
Páginas: 224
Reimpressão da edição de bolso: Janeiro 2010

FIQUEI surpreendido com este ensaio do historiador Rui Tavares. Aborda o Grande Terramoto que destruiu parcialmente a cidade de Lisboa, no dia 1 de Novembro de 1755, colocando o acontecimento em linha com outras catástrofes, uns fenómenos puramente naturais, outros que têm a marca da mão humana, e que em comum têm a pretensão de serem marcos de novos tempos, senão mesmo de outras formas de reflectir sobre a civilização, como sejam o tsunami do Sudoeste Asiático em 2004, o ataque às Torres Gémeas de Nova Iorque em 2001 e o incêndio de Roma no ano 64 d.C.. São factos que, como diz o autor, "forçaram a humanidade a uma reflexão sobre a textura histórica, a identificação entre o bem e o mal ou as relações entre cultura, religião e realidade".
O ensaio deixa umas quantas e oportunas questões a pairarem no ar: se não tivesse acontecido em Lisboa a tripla catástrofe do terramoto, seguida do tsunami e dos incêndios, teria o Marquês de Pombal tido a oportunidade de assumir e consolidar a influência política que teve? E como se teria desenrolado a história portuguesa em geral, e a história de Lisboa em particular, se esta não tivesse sido objecto de uma reconstrução a partir do zero, mas sim ir acumulando as normais transformações que afectam as cidades com o passar dos tempos?
À pergunta se a pecaminosa Lisboa sofreu uma catástrofe natural ou se foi objecto da ira de Deus, houve, na altura, uma questão de deixou atónitos os devotos lisboetas, quando constataram que quase todos os templos, repletos de fiéis, tinham sido arrasados, em contraste com a mal afamada rua dos bordéis, que havia escapado ilesa da justiça divina. Esta incoerência, no entanto, não deteve o inflamado e subversivo padre Gabriele Malagrida, na sua missão de admoestar e zurzir todo o rebanho pecador, desde o intocável rei até ao reles plebeu. O ensaio escalpeliza este dualismo, relaciona-o com o iluminismo em ascensão, com o poder pombalino, as razões da execução do inoportuno Malagrida, com a expulsão dos jesuítas e o próprio extermínio da família Távora. Mais do que uma obra de divulgação, este ensaio de Rui Tavares, além de se apresentar como uma curiosa, escorreita e inovadora forma de abordar a História, é também um documento vivo e muito completo daquele nefasto acontecimento de 1755, dos comportamentos com ele associados, e de outras implicações que teve, não só entre nós, mas também além fronteiras, sobretudo entre escritores e filósofos europeus. A escrita é intensa, os capítulos curtos e lê-se de um fôlego. Recomendo-o vivamente. O êxito que obteve entre os leitores e a crítica é perfeitamente justificado.

Reindustrializar o País!

Passo a transcrever, integralmente, o artigo de opinião de Manuel Carvalho da Silva, coordenador da CGTP Intersindical, publicado no JORNAL DE NOTÍCIAS de 25 Junho de 2011.O título do post é o mesmo do artigo.

«Esta semana, foi anunciado pelo Conselho de Administração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo, no âmbito de um "Plano de Viabilização", o objectivo de despedir 380 trabalhadores. Quem conhece a história desta empresa - o maior estaleiro nacional de construção naval - a escola de trabalho qualificado que sempre foi e o seu papel no desenvolvimento económico e social da região, não pode deixar de sentir uma profunda tristeza, preocupação e revolta.

Os trabalhadores dos Estaleiros, os trabalhadores e o povo da região e os portugueses em geral têm o direito e o dever de se mobilizar e lutarem contra o "destino traçado" para esta grande empresa.

Ao longo dos últimos 20 anos o passivo da empresa acumulou um défice de 200 milhões de euros. Nos últimos seis anos, somou mais de 50 milhões de défice em resultado das incompetências do Conselho de Administração, do Governo Central e do Governo Regional dos Açores na gestão do processo de construção de dois navios de transporte de pessoas e viaturas.

Os trabalhadores e os seus órgãos representativos sempre chamaram a atenção para situações de desleixo na gestão de várias administrações, para o facto de não ser feito investimento tecnológico em tempo útil, para a ausência de esforços na procura de novos clientes, para a inexistência de objectivos estratégicos. Será que grande parte destas "incompetências" facilita o processo de privatização por que há muito tempo algumas forças políticas e económicas se batem?

Portugal precisa de defender a indústria que ainda possui e de um enorme esforço de reindustrialização. O sector naval, onde temos capacidades construídas, tem de ser defendido.

Num importante estudo da Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Química, Farmacêutica, Eléctrica, Energia e Minas (FIEQUIMETAL), inserido no projecto "Conhecer para Intervir na Indústria" (POHP/QREN), é analisada a indústria no "contexto da globalização, a política industrial na União Europeia (U.E.) e a evolução da indústria transformadora em Portugal", visando a construção e a afirmação de propostas para a reorientação das políticas económicas que favoreçam a reindustrialização.

Uma das grandes causas da situação a que chegamos foi a "desindustrialização cultural" promovida por responsáveis políticos e económicos, ou seja, a inculcação nas pessoas da ideia de que o desenvolvimento do país abdicava da indústria, apresentando-se muitas empresas do sector industrial como "passado", quer quanto a actividade quer quanto a perspectivas de emprego e de profissões. A U.E. favoreceu e promoveu esta tese. Entretanto, agora, defende a salvaguarda da indústria, incluindo nos países mais industrializados.

Naquele estudo, na identificação das causas do declínio industrial dos últimos 10 anos - já antes a queda era um facto, mas, no período 1995/2001, o início de actividade da Autoeuropa e de alguns grandes projectos industriais escondeu o que estava a acontecer por todo o país - lá encontramos os impactos "do aprofundamento da integração europeia e das privatizações", os efeitos negativos da "fixação de uma taxa de conversão entre o escudo e o euro excessivamente alta", a "atitude agressiva da Banca" que desviou as prioridades do investimento do sector produtivo e exportador "para a habitação, as obras públicas, o consumo" e a especulação financeira. A "opção pelo betão", a promoção "do transporte rodoviário em prejuízo do transporte ferroviário e marítimo" constituíram factores de degradação e destruição de empresas industriais, que não podem prosseguir.

Não há soluções se o Governo e o Poder Económico prosseguirem uma errada concepção de competitividade e se o Estado for amputado dos meios necessários à promoção da política industrial. Em próximo artigo, procurarei identificar conteúdos para o desenvolvimento de um programa de revitalização do tecido produtivo, bem como a necessidade de diversificação das relações económicas externas e da reorientação do sector financeiro visando criar melhores condições ao sector produtivo
.»

segunda-feira, junho 27, 2011

Ainda Hei-de Ouvi-lo Dizer…

NÃO SEI quem teve a ousadia, mas nunca deviam ter metido o socialismo na gaveta…

A Responsabilidade dos Banqueiros pela Crise Portuguesa


Estudo da responsabilidade do economista Eugénio Rosa

Resumo deste Estudo

«Em Portugal, a concentração bancária é muito superior à média da U.E. Segundo o Banco de Portugal, em 2009, os cinco maiores bancos a operar no nosso País controlavam mais de 70% do valor dos “activos” de todos os bancos, quando na U.E. os cinco maiores bancos controlavam, em média, em cada país 42% dos “activos”. Este poder já enorme dos cinco maiores bancos é ainda aumentado pela posição dominante que também têm nos outros segmentos de mercado do sector financeiros (seguros; fundos de pensões; fundos de investimento mobiliário; fundos de investimento imobiliário; e gestão de activos). Esta situação, associada ao facto de uma parte importante do capital dos 4 maiores bancos privados já pertencer a grandes grupos financeiros internacionais, dá-lhes um imenso poder sobre o poder politico e sobre todo o processo de desenvolvimento em Portugal, condicionando-o de acordo com os seus interesses
A banca é um negócio “especial”, pois os banqueiros negoceiam fundamentalmente com dinheiro alheio obtendo assim elevados lucros. Segundo o Banco de Portugal, em Dezembro de 2010, o valor de todos os “Activos” da banca a operar em Portugal atingia 531.715 milhões €, enquanto os chamados “Capitais Próprios” da banca, ou seja, o que pertencia aos seus accionistas, somava apenas 32.844 milhões €, isto é, correspondia a 6,2%; por outras palavras, o valor dos Activos era 16,2 vezes superior ao valor do “Capital Próprio” dos “Activos”. Este rácio revela o elevado grau de “alavancagem” existente no sistema bancário em Portugal que permite aos banqueiros obter elevados lucros com pouco capital próprio (o que lhes pertence).
A banca a operar em Portugal está descapitalizada devido a uma elevada distribuição de lucros (o mesmo sucede com a EDP e PT, por ex.). Mesmo em plena crise os banqueiros não se coibiram de o fazer. Segundo o Banco de Portugal, no período 2007-2010, os lucros líquidos da banca, depois do pagamento dos reduzidos impostos a que está sujeita, somaram 8.972 milhões €. Entre Dezembro de 2007 e Dezembro de 2010, os Capitais Próprios da banca aumentaram apenas 4.571 milhões €. Apesar de redução de “Capitais Próprios” em 2008, uma parte dos 4.401 milhões € de lucros líquidos restantes foram distribuídos. E isto é reforçado quando o aumento de “capital” foi também conseguido através de novos accionistas. O Fundo de Garantia de Depósitos, cujo provisionamento é da responsabilidade da banca, está também subfinanciado (pensa-se em 15.000 milhões €). Este fundo é referido no ponto 2.15 do “Memorando”.

Fala-se muito da divida do Estado, mas segundo o Banco de Portugal, a banca devia, em Dez-2010, 49.157 milhões € ao BCE e 81.125 milhões € a outros bancos, ou seja, 130.282 milhões €.
A banca em Portugal está profundamente fragilizada. A prova disso é que ela é incapaz de se financiar nos “mercados internacionais” sem a ajuda (o aval do Estado). A banca é também incapaz de financiar a economia, agravando a crise e o desemprego. Entre Dez-2009 e Dez-2010, o crédito em Portugal diminuiu em 1.965 milhões €, apesar dos depósitos na banca terem aumentado em 12.080 milhões €. A continuar, milhares de empresas entrarão em falência fazendo disparar ainda mais o desemprego. A agravar tudo isto está a exigência de “desalavancagem do sector bancário” constante dos pontos 2.2 e 2.3 do “Memorando”. O “rácio” de transformação na banca (quociente entre o crédito líquido a clientes e os depósitos) é considerado pelas agências de “rating”, pelo FMI e pelo BCE como sendo muito elevado, e estão a pressionar o governo e o Banco de Portugal para que desça. Entre Dez.2009 e Dez.2010, o “rácio” de transformação diminuiu de 146% para 138%, ou seja, a banca reduziu o crédito de 1,46€ para 1,38 € por cada um euro de depósitos. A redução para 120%, como exigem as agências de “rating”, reduzirá ainda mais a capacidade da banca para financiar a economia, agravando a crise.
Esta situação é agravada pela profunda distorção da política de crédito dos banqueiros na busca de lucros fáceis e elevados, responsável também pela actual crise. Entre 2000 e 2010, o crédito a habitação aumentou em 156%; o crédito ao consumo subiu em 137%; mas o crédito à actividade produtiva (agricultura, pescas e industria transformadora) cresceu apenas em 41%. Em Dez.2010, o crédito à actividade produtiva representava apenas 5,5% do crédito total, enquanto à habitação atingia 34,6%, à Construção e Imobiliário 12,6% e ao Consumo 4,9%. E tenha-se presente que a banca financiou o crédito à habitação, que é um crédito a longo prazo (30-40 anos), com empréstimos a curto e médio prazo, pois não possui meios financeiros próprios. E como não consegue novos financiamentos para os substituir, as dificuldades da banca crescem, e corta ainda mais no crédito. No “Memorando de entendimento” estão 2 medidas: (1) O Estado conceder avales à banca até 35.000 milhões para esta se poder financiar; (2) O Estado endividar-se até 12.000 milhões € para reforçar o capital da banca. Mas isto é só admissível se o Estado controlar os bancos que forem apoiados, até porque a situação difícil que vive a banca “portuguesa” é consequência também da má gestão dos banqueiros, e deixá-los à “solta”,é permitir que continuem uma politica que tem sido nefasta para o País e para os portugueses.
Os banqueiros em Portugal têm procurado fazer passar a mensagem junto da opinião pública que não têm qualquer responsabilidade pela grave crise económica que o País enfrenta, já que ela resultaria da crise internacional e das más politicas governamentais seguidas no passado de que eles não tiraram qualquer proveito. Tem-se assistido, desta forma, a uma autêntica operação de branqueamento e de desresponsabilização dos banqueiros, procurando fazer crer a opinião pública que eles são diferentes e muito melhores do que os banqueiros dos outros países. E como têm apoios e defensores poderosos nos principais media essa mensagem tem sido repetida até a exaustão procurando que, de tanto repetida, acabe por ser aceite como verdadeira pela opinião pública. Por isso, interessa analisar de uma forma objectiva o que tem sido a politica da banca em Portugal nos últimos anos, como ela contribuiu para a crise actual, e como está a estrangular financeiramente as empresas, o que determinará o aumento significativo do desemprego. Nessa análise utilizar-se-á dados oficiais indicando ao leitor as fontes. (…)»

Para ler todo o ESTUDO clique aqui no CARTÓRIO do ESCREVINHADOR

domingo, junho 26, 2011

Há Sempre Um Portugal Desconhecido

CONSTRASTANDO com os 33 milhões de Euros que foram investidos no equipamento, e sem contar com os valores dispendidos com a sua operacionalidade e manutenção, de que se desconhecem os montantes, o Aeroporto de Beja foi inaugurado há 2 meses (devia ter sido em 2009, sob promessa do ex-ministro Mário Lino) e, presentemente, apenas recebe um voo semanal, vindo de Londres, o que significa que a totalidade daquele equipamento (incluindo balcão de check-in, banca de lembranças e uma cafetaria) apenas estão abertos durante as manhãs de domingo, permanecendo encerrados todos os outros dias da semana. E isto acontece apenas durante esta época do ano, pois em Outubro tudo aquilo vai entrar em hibernação, até à Primavera de 2012. Curiosamente (para não dizer misteriosamente) os hotéis de Beja não receberam até agora, um único turista daqueles que, vindos do Reino Unido, ali desembarcaram. Entretanto, há quem considere que a obra se enquadrou na tentativa do ex-ministro Mário Lino de dar alguma notoriedade ao “deserto” da margem sul, não tendo tido concretização, até agora, as negociações de teor confidencial, que estavam em curso com mais de 200 aeroportos em toda a Europa.
Este aeroporto está localizado na base aérea n.º 11, a 12 km da cidade de Beja, tendo sido concebido para explorar o tráfego das companhias aéreas de baixo custo, devido às suas taxas aeroportuárias significativamente baixas, e muito embora a afluência não seja significativa (o último voo despejou apenas 7 passageiros) o senhor Pedro Beja Neves, administrador da ANA, classificou de MUITO BOM o desempenho deste novo equipamento, do qual também é responsável.

sábado, junho 25, 2011

Ilícito com Prejuízo para o Erário Público

«A antiga ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, foi acusada pelo crime de prevaricação no processo relacionado com o contrato celebrado [por adjudicação directa] com o jurista João Pedroso, irmão do ex-ministro do Trabalho e da solidariedade, Paulo Pedroso. João Pedroso recebeu 266 mil euros por um trabalho que não concluiu.
(...)
O Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) investigou este caso concluindo que “tais adjudicações, de acordo com os indícios, não tinham fundamento, traduzindo-se num meio ilícito de beneficiar patrimonialmente o arguido João Pedroso com prejuízo para o erário público” e que os arguidos “estavam cientes” desse facto.
(...)
Além da antiga ministra, estão também acusados a sua então chefe de gabinete, Maria José Matos Morgado, o secretário-geral do Ministério da Educação, João Batista, aos quais são imputados crimes e prevaricação. Também João Pedroso foi acusado pelo procurador do Departamento de Investigação e Acção Penal que dirigiu o inquérito.
(...)
»
Excerto da notícia do jornal PÚBLICO on-line de 21 de Junho 2011