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Outra personagem:
Amaril, o médico, colega de Balthazar, que tem tanto de Pigmaleão como de Frankenstein.
Colectânea de citações ao correr da leitura:
Montaram e tomaram o caminho de casa. Mandando o intendente avançar adiante com a lanterna, Leila aproximou o seu cavalo do cavalo de Mountolive, para que os seus joelhos se tocassem e para que o contacto dos seus corpos apaziguasse em parte a sede dos seus sentidos. Eram amantes havia apenas dez dias, mas para o jovem Mountolive esses dez dias tinham sido uma eternidade de alegria e desespero. (recordações de Mountolive)
Nessim detestava o derramamento de sangue, o trabalho manual e as maneiras rudes; Narouz sentia prazer em tudo isso.(…)
A fortuna da sua família tinha entrado em conflito com a fortuna dos Hosnani, porque, como sempre nestes casos, um casamento era uma espécie de associação entre duas grandes companhias. (…)
A Europa para os egípcios não passava de um mercado onde os ricos se iam abastecer. (Leila, traçando o perfil da família Hosnani)
Segunda-feira. Ali afirma que as estrelas cadentes são pedras lançadas pelos anjos para afastar os demónios que se aproximam do paraíso a fim de escutar as conversas onde se enunciam os segredos do futuro. Todos os árabes têm medo do deserto, mesmo os beduínos. Que estranho! (anotação do diário de Mountolive)
- Mas que sabe você, que sabem os ingleses dos coptas, se é que alguma vez se preocuparam em conhecê-los? Uma obscura heresia religiosa, pensam eles, uma linguagem alterada com uma liturgia irremediavelmente mesclada de elementos árabes e gregos. Quando os primeiros cruzados tomaram Jerusalém, foi expressamente proibido aos coptas penetrar na cidade – a nossa cidade santa. Os cristãos do ocidente nem sequer sabiam distinguir entre os muçulmanos que os tinham derrotado em Askelon e os coptas – o único ramo da igreja que foi totalmente integrado no oriente! E quando o vosso bispo de Salisbury declarou abertamente que considerava esses cristãos orientais mais execráveis que os infiéis, os vossos cruzados massacraram-nos alegremente. (palavras do patriarca Hosnani)
Não lhe parece estranho que, para nós, nunca tenha havido conflito entre a cruz e o crescente? Esse conflito foi uma criação puramente ocidental, tal como a noção da crueldade muçulmana. Os muçulmanos nunca perseguiram os coptas por motivos religiosos. Pelo contrário, o próprio Alcorão respeita Jesus como um verdadeiro profeta, um percursor de Maomet. (Nessim discorrendo sobre a tolerância religiosa)
A nomeação verificou-se nos fins desse Outono. Foi uma surpresa ver-se afectado à legação de Praga, pois tinham-lhe dado a entender uma colocação no consulado do Levante, onde a sua experiência do árabe poderia ser útil. Mas, vencida a decepção, aceitou a sua sorte e entregou-se à contradança que o Foreign Office pratica com uma eloquente impersonalidade. (Mountolive e os espinhos da carreira diplomática)
O antigo amor metamorfoseou-se lentamente em admiração até que o seu desejo físico (tão irritante no princípio) se transformou numa ternura despersonalizada e devoradora, que, em vez de diminuir, mais se nutria com a ausência. (Mountolive sobre Leila)
E pontualmente, enquanto os anos se sucediam no calendário e ele mudava de lugares, a imagem de Leila era projectada com as cores e as experiências dos países que passavam diante dele: Japão constelado de cerejeiras, Lima dos narizes aquilinos, Portugal melancólico e insípido, Helsínquia afogada em neve. (Mountolive por outras terras com o pensamento em Leila)
Não escreva enquanto eu não estiver em condições de poder ler; estou coberta de ligaduras dos pés à cabeça. Sucedeu-me qualquer coisa de terrível e definitivo. (…) É uma estranha experiência ver o nosso próprio rosto crivado de craterazinhas e ranhuras, como uma paisagem familiar depois de uma explosão. Temo ter de me acomodar à sensação de me haver transformado numa velha feiticeira. (Leila escrevendo a Mountolive, depois de ter sido atacada de varíola)
Por exemplo, tem ideias reaccionárias, o que o torna mal visto pelos colegas que o acusam de simpatias fascistas; repugnam-lhe os esquerdistas - e com efeito detesta toda a espécie de radicalismo. Mas exprime as suas opiniões sem rancor e sem paixão. Não consegui, por exemplo, fazê-lo falar sobre a guerra de Espanha. (Mountolive a avaliar Pursewarden)
Devemos preocuparmo-nos mais com os valores do que com a política. Hoje tudo isso me faz pensar num espectáculo ridículo de sombras chinesas, porque governar é uma arte, não uma ciência, da mesma forma que a sociedade é um organismo e não um sistema. (convicções de Pursewarden)
- Para começar, a mulher em questão – disse Nessim friamente – é judia, e bem sabe o terror absurdo que os coptas sentem pelos judeus. Temos mesmo um provérbio que diz “se deixares entrar a raposa judia na tua vinha, ela acabará por te devorar o coração”. (Nessim fala a Mountolive sobre o seu futuro casamento com Justine)
No decurso da sua carreira tinha concitado a inimizade do outro, sem saber porquê, pois nunca houvera entre os dois qualquer atrito concreto. Mas a coisa ali estava, como um nó na madeira. (a propósito de um colega de Mountolive do Foreign Office)
Pegou no moinho de orações tibetano colocado sobre a secretária e deu-lhe uma ou duas voltas, escutando o débil atrito no interior do tambor, abafado pelos bocadinhos de papel amarelado onde penas piedosas tinham escrito havia muito tempo a invocação “Om Mani Padme Aum”. Fora um presente de seu pai no momento da despedida. (Mountolive na casa de seus pais em Inglaterra)
Desde que o exército descobriu que a cobardia é essencialmente um produto da inteligência, começou a produzir os Maskelynes, educando-os em todas as virtudes da estupidez: uma espécie de apatia turca. O desprezo pela morte transformou-se em desprezo pela vida, e um tal tipo de homem só aceita a vida segundo as suas normas. (excerto de uma carta de Pursewarden a Mountolive)
“Mas se casa, torna-se amante de outro homem, um estrangeiro ainda por cima”. Falava de Darley, o amável e míope compatriota que às vezes habita nos aposentos de Pombal. Ganha a vida como professor e escreve romances. Tem um crâneo gentil e arredondado de bebé, como às vezes se encontra nos intelectuais; ligeiramente curvado, cabelos louros e aquela timidez que acompanha as grandes emoções imperfeitamente dominadas. (…) De qualquer maneira, esse Darley deve ter qualquer encanto, porque também conquistou as graças de uma artistazinha de cabaret chamada Melissa. (Mountolive descrevendo Darley, o narrador, Justine e Melissa, a propósito de um comentário de Pursewarden)
Foi uma festa sumptuosa e bárbara, e toda a Alexandria veio prestar homenagem a Mountolive, como para festejar o regresso de um filho pródigo, embora ele de facto pouca gente conhecesse além de Nessim e sua família. Mas agradou-lhe reencontrar Balthazar e Amaril, os dois inseparáveis médicos que estavam constantemente a implicar um com o outro; e Clea, que conhecera em tempos na Europa. (Mountolive chega a Alexandria vindo do Cairo)
Depois pediria a transferência (…) Havia qualquer coisa naquele Egipto de imensidões sufocantes, de vazios ardentes, com os seus monumentos de granito aos faraós mortos, necrópoles tornadas cidades, que o sufocava. (projectos pessoais de Pursewarden)
Os seus abraços eram semelhantes aos das figuras de gesso sobre um túmulo clássico. Ela acariciou-lhe os flancos, os rins, o pescoço, as faces, com as suas mãos experientes, apoiando aqui e ali os dedos na sombra, dedos de cega procurando um painel secreto numa parede, o botão que faria jorrar a luz iluminando um outro mundo, fora do tempo. (Melissa com Pursewarden)
Por acaso e de forma totalmente inesperada descobri o acerto das teorias de Maskelyne sobre Nessim e o erro das minhas. Não lhe confiarei a minha fonte, mas sei agora que Nessim introduz armas na Palestina, e isso já há algum tempo. (carta de Pursewarden a Mountolive pouco antes de se suicidar)
Por outro lado sabia, subconscientemente, que a mulher oriental não é uma sensualista no sentido europeu do termo; a pieguice não faz parte da sua constituição. Embora não o queira aparentar, está obcecada pelo poder, pela política e pelos bens materiais. (conjectura de Nessim ao contar a Justine os planos da sua conspiração)
Durante todo o verão e Outono os conspiradores organizaram uma série de festas de um esplendor raro na cidade. Agora, na casa de Nessim, não havia repouso, sempre animada de frescas e desusadas melodias de um quarteto de cordas, ou sacudida pelos sobressaltos viscerais dos saxofones, grasnando como patos no meio da noite. As cozinhas, vastas cavernas outrora desertas, fervilhavam agora com um exército de cozinheiros que mal acabavam de arrumar os destroços de uma festa sumptuosa começavam a preparar iguarias para o próximo banquete. (a casa de Nessim no auge das conspirações)
Em breve estariam lançados em caminhos que não tinham escolhido, aprisionados num campo magnético dominado pelas mesmas forças que provocam as marés ou que obrigam os salmões cintilantes a subir um rio. (as inquietações de Mountolive, Nessim e Justine)
- Dizer que os coptas retomarão o seu lugar ao sol é uma coisa; mas dizer que eles varrerão o regime corrupto dos paxás que possuem noventa por cento das terras… falar de se apoderar do poder no Egipto e de reformar a ordem…
- Ele diz semelhantes coisas? – balbuciou Nessim, e o velho confirmou gravemente com um gesto de cabeça. (Nessim confrontado com o fervor militante da Narouz)
- Se tudo correr de acordo com os planos.
- Tudo correrá de acordo com os planos.
- E depois?
- E depois? – Nessim espreguiçou-se bocejando e piscou o olho a Justine. – Havemos de tomar novas disposições. Da Capo desaparecerá; você partirá. Leila irá passar umas grandes férias no Quénia, com Narouz. E é tudo. (excerto de conversa entre Nessim e Justine)
Nessim, Justine, Leila – tinham agora um ar substancial, como projecções de um sonho agindo num mundo habitado por inexpressivos bonecos de cera. Era difícil conceber que lhes devesse sequer algum amor. (desânimo de Mountolive)
Defrontava-o uma senhora egípcia de idade incerta, de rosto lavado e balofo, profundamente lavrado pela varíola e com os olhos grotescamente pintados com antimónio. (Mountolive reencontra Leila)
Mountolive sentia como se uma barreira interior estivesse a ponto de se quebrar, como uma barragem que cede. Teve então a ideia de ir jantar ao bairro árabe, simplesmente, humildemente, como um amanuense ou um pequeno comerciante da cidade. (Mountolive desiludido)
NOTA – Ilustração de Fernando Torres