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PERANTE a minha repulsa de ver a Câmara Municipal de Felgueiras, melhor, os respeitáveis e massacrados contribuintes que todos nós somos, a terem que arcar com as facturas das despesas judiciais e dos honorários dos advogados da inacreditável presidenta Fátima Felgueiras, nos processos em que ela é arguida, o meu amigo FF esclareceu-me que tudo isso estava previsto na legislação que regula os eleitos autárquicos, e que a reivindicação da dita senhora não era nenhuma coisa do outro mundo. Como é habitual nestes casos, e na pior das hipóteses, de recurso em recurso (pagos por todos nós), a criatura vai acabar por levar a água ao seu moinho. Vamos ver como.
Em 3 de Fevereiro “a Procuradoria-Geral da República (PGR) emitiu um parecer referindo que os pagamentos efectuados pela Câmara de Felgueiras aos advogados de Fátima Felgueiras, no valor de cerca de 500 mil euros, devem ser devolvidos ao município, uma vez que são ilegais. O parecer do Conselho Consultivo da PGR que é divulgado esta terça-feira pelo jornal PÚBLICO, refere que o pagamento das despesas relativas a processos judiciais em que está em causa o «eleito local», ou seja, autarca, presidente de junta ou outro governante semelhante, apenas pode ser exigido «após decisão final». Neste sentido, o parecer esclarece que os pagamento das referidas despesas noutras circunstâncias é ilegal pelo que «deve ser exigida a devolução das respectivas quantias».”
Informação extraída do site notícias.portugalmail.pt em 3 de Fevereiro
Adianta ainda o mesmo jornal PÚBLICO que “considerando que o pagamento previsto na lei se refere aos casos em "que não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos", o parecer salienta que, "sobretudo em relação aos crimes imputados aos eleitos locais, não se vêem razões para que possa ser feito antes de o processo terminar (...) e não vemos que deva ser deixado ao critério dos órgãos autárquicos decidir, em cada caso, se o pagamento pode ser feito antes ou depois de o processo terminar, assim fazendo uma espécie de 'pré-julgamento.” … “Referindo-se ao caso dos pagamentos que foram feitos ao advogado que a autarca contratou quando fugiu para o Brasil, o parecer deixa claro que em circunstância alguma tais despesas poderiam ter sido consideradas. "O arguido que se ausenta para o estrangeiro foge à justiça do seu país. O seu comportamento já não está relacionado com a condição de autarca, actuando completamente fora do exercício de funções."”
Para que melhor se compreender quais as prerrogativas que assistem aos autarcas eleitos, transcreve-se a seguir o que sobre o assunto diz a tal Lei Nº. 29/1987 de 30 de Junho, republicada pela Lei Nº. 52-A/2005 de 10 de Outubro:
Estatuto dos Eleitos Locais
Artigo 1º
Âmbito
1 - A presente lei define o Estatuto dos Eleitos Locais.
2 - Consideram-se eleitos locais, para efeitos da presente lei, os membros dos órgãos deliberativos e executivos dos municípios e das freguesias.
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Artigo 5º
Direitos
1 - Os eleitos locais têm direito:
a) A uma remuneração ou compensação mensal e a despesas de representação;
b) A dois subsídios extraordinários anuais;
c) A senhas de presença;
d) A ajudas de custo e subsídio de transporte;
e) À segurança social;
f) A férias;
g) A livre circulação em lugares públicos de acesso condicionado, quando em exercício das respectivas funções;
h) A passaporte especial, quando em representação da autarquia;
i) A cartão especial de identificação;
j) A viatura municipal, quando em serviço da autarquia;
l) A protecção em caso de acidente;
m) A solicitar o auxílio de quaisquer autoridades, sempre que o exijam os interesses da respectiva autarquia local;
n) À protecção conferida pela lei penal aos titulares de cargos públicos;
o) A apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções;
p) A uso e porte de arma de defesa;
q) Ao exercício de todos os direitos previstos na legislação sobre protecção à maternidade e à paternidade;
r) A subsídio de refeição, a abonar nos termos e quantitativos fixados para a Administração Pública.
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Artigo 21º
Apoio em processos judiciais
Constituem encargos a suportar pelas autarquias respectivas as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respectivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos.
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É evidente que sobre este assunto, e porque é tal a quantidade de casos que giram pelos tribunais portugueses, quase se pode dizer que existem pareceres para todos os gostos e feitios. Transcreve-se a seguir um desses pareceres, relacionado com um vereador de uma Câmara Municipal, que a propósito de um processo em que esteve envolvido, durante o seu mandato, requereu o reembolso das despesas decorrentes do processo.
“Parecer jurídico da CCDR Alentejo
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A alínea q), do nº 1, do normativo referido, dispõe que os eleitos locais têm direito a apoio nos processos judiciais que tenham como causa o exercício das respectivas funções.
O artigo 21º, do mesmo Estatuto estatui por seu turno, o seguinte:
“Apoio em processos judiciais
Constituem encargos a suportar pelas autarquias respectivas as despesas provenientes de processos judiciais em que os eleitos locais sejam parte, desde que tais processos tenham tido como causa o exercício das respectivas funções e não se prove dolo ou negligência por parte dos eleitos.”
Da análise efectuada a estes dois normativos, três são as questões que se levantam, a saber:
· O apoio judicial verifica-se apenas quando o eleito for arguido, ou pelo contrário também quando for ofendido?
· O eleito local tem direito ao apoio judicial em causa desde que não se prove o dolo ou negligência da sua parte, assim sendo, apenas no final do processo é possível apoiar o eleito, ou será que pode ser apoiado antes do termo do processo a título condicional?
· O que é que se pode incluir neste “apoio judicial”, apenas os pagamentos feitos ao tribunal ou também o pagamento eventualmente feito ao advogado?
2. A primeira questão coloca-se atendendo à redacção do artigo 21º do Estatuto dos Eleitos Locais que na ultima parte do normativo refere que uma das condições para a concessão do apoio judicial ao eleito é não se provar o dolo ou a negligência por parte deste, o que pode pressupor que só o eleito arguido tem direito àquele apoio, já que esta condição só pode estar ligada ao arguido.
A nosso ver, o normativo aplica-se a todas as situações em que o eleito intervier em processo judicial, desde que essa intervenção se dê por força do exercício das funções autárquicas, estando portanto também incluída a situação em que o eleito é ofendido ou queixoso e ele próprio até instaure o processo.
O que o normativo quer significar ao mencionar o dolo ou a negligência, é que se o eleito for arguido no processo – o que não é o caso da situação em apreço – para poder beneficiar do apoio judicial previsto naquele artigo 21º, é necessário que a sua atitude não seja considerada dolosa ou negligente.
No que respeita à segunda questão colocada, importa referir que o eleito local em exercício de funções apenas tem direito ao apoio judicial de que estamos tratando desde que o processo tenha tido como causa o exercício das respectivas funções e não se prove o dolo ou negligência por parte do mesmo.
Ora, tendo o processo judicial várias fases, é sabido que há várias custas judiciais a pagar no seu decorrer, e que apenas no seu termo é possível determinar o dolo ou a negligência do acusado.
Desta forma, o apoio em processos judiciais pode deixar de ter efeito útil, a não ser que esse apoio possa ser prestado sempre que solicitado, no decorrer do processo a título condicional, sendo no termo do processo pedido um reembolso no caso de ser provado o dolo ou a negligência do eleito.
Por outro lado, caso o apoio judicial seja solicitado à autarquia apenas no final do processo, deverá a autarquia efectuar o pagamento – já que a responsabilidade é sua – mediante a apresentação dos respectivos recibos acompanhados de nota descriminativa das despesas, devendo efectuar-se o correspondente reembolso da autarquia se o eleito também vier a ser reembolsado por parte do tribunal.
3. Relativamente à terceira questão por nós colocada importa referir o que o artigo 54º, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pelo Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março, estatui:
“Artigo 54º
(Do mandato judicial e da representação por advogado)
1. O mandato judicial, a representação e a assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para a defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, com posição de interesses ou em processo de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza.
2. O mandato judicial não pode ser objecto, por qualquer forma, de medida ou acordo que impeça ou limite a escolha directa e livre do mandatário pelo mandante.”
Por outro lado, somos de parecer que o pagamento ao advogado do eleito também está incluído no apoio judicial referido no artigo 21º, do Estatuto dos Eleitos Locais já que “o apoio compreende a dispensa, total ou parcial, de preparos e do pagamento de custas, ou o seu deferimento, assim como do pagamento dos serviços do advogado ou solicitador” – vide Dicionário Jurídico de Ana Prata, e Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, na redacção da Lei nº 46/96, de 3 de Setembro.
Importa concluir:
- Os eleitos locais apenas têm direito ao apoio judicial expresso no artigo 21º, da Lei nº 29/87, de 30 de Junho, desde que os processos tenham tido como causa o exercício das respectivas funções, e, no caso de serem arguidos não se prove o dolo ou negligência por parte dos mesmos.
- No caso do apoio judicial ser solicitado no final do processo, deverá a autarquia efectuar o pagamento – já que é da sua responsabilidade – mediante a apresentação dos respectivos recibos acompanhados de nota discriminativa das despesas, devendo incluir-se o pagamento dos preparos, apesar de mais tarde o tribunal os devolver, caso em que a câmara deverá ser reembolsada.
- Somos de parecer que no conceito de apoio judicial está incluído o pagamento dos serviços do advogado, cabendo ao eleito a escolha do mesmo, conforme decorre do artigo 54º, do Decreto-Lei nº 84/84, de 16 de Março.
Salvo melhor opinião, este é o meu parecer.”
[segue a identificação do autor do parecer]
Compreende-se que a lei pretenda garantir e salvaguardar o autarca eleito dos efeitos inibidores que poderia ter sobre a sua administração, a probabilidade de ser confrontado com eventuais processos judiciais, que tivessem por objectivo colocar em causa as suas decisões. Contudo, há decisões que sendo polémicas estão isentas de iniquidade, enquanto que outras não tanto. Quer-me parecer que excluir de reembolso das despesas judiciais e afins, apenas as decisões que não envolvam dolo ou negligência, isto é, a prática de fraudes que produzam manifestos prejuízos a outrém, ou actos que se possam enquadrar no desleixo ou incúria, é manifestamente insuficiente. Então que dizer dos actos de demonstrada incompetência, esbanjamento de dinheiros públicos, participações em negócio, abuso de prerrogativas, enriquecimento ilícito, favorecimentos, e toda uma infinidade de actos que cabem dentro dos conceitos de corrupção activa e passiva? Este esquecimento ou ingenuidade do legislador não é mais do que um aval aos brandos costumes e ao tradicional porreirismo português, com que se selam tantos arranjinhos, promessas, pactos, contratos, e nos ambiciosos tempos que correm, muitas outras coisas de duvidosa legalidade, como sacos azuis e quejandos. Os cidadãos sabem que, fatal e constantemente, são chamados a contribuir para que as instituições da república e da democracia funcionem, e que quem foi eleito para as gerir, disponha de meios e garantias para tal, porém, situações há que mereciam mais cuidado, prudência e discernimento por parte do legislador, porque senão é caso para dizer que, também aqui, volta a pagar (e de que maneira ) o justo pelo pecador.