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Embora sempre tenha demonstrado um grande apetite pelo poder, Sócrates não governou, melhor, fingiu que governou. Limitou-se a ocupar a actividade da governação, com duas preocupações centrais: DOMINAR e SEDUZIR.
Para DOMINAR levou à prática uma gigantesca operação de distribuição de peões de confiança, pelos grandes tabuleiros do poder político, económico, judicial, e também na comunicação social, já que esta, contaminada e sequestrada pelo poder político e económico, conseguiu ressuscitar o espírito do “situacionismo” de outras eras, como o bem caracterizou José Pacheco Pereira. Para SEDUZIR montou um gigantesco espectáculo contínuo de engodo e entorpecimento do povo, já que para Sócrates, Portugal não passa de um imenso palco onde ele se exibe (devidamente assessorado, claro!), em sessões contínuas, os seus dotes de vendilhão de imposturas e falsas promessas. Por outro lado, sabendo que o povo, sedento de um sentido primário de justiça social, aprecia ver o poder descarregar a sua ira sobre certos sectores, vendo-os ser humilhados e perseguidos, Sócrates esmerou-se a arranjar meia dúzia de “inimigos públicos” para satisfazer aquele apetite. Assim, dos polícias aos funcionários públicos, passando pelos trabalhadores em geral, e acabando nos professores, Sócrates fez o possível e o impossível por ter sempre sob mira, na sua mesa de trabalho, um sector profissional, para o acusar de desmedidos privilégios, e ser o suposto causador das assimetrias e das injustiças sociais do país. Arranjar bodes expiatórios, pôr portugueses contra portugueses e ficar-se a gabar, é a sua especialidade nata. A partir de 2007, para lá de uma má e incompetente administração, comecei a suspeitar que o seu objectivo não era governar, mas sim criar as condições para levar à prática um ambicioso projecto de poder pessoal, escorado numa falsa áurea de coragem e determinação reformista, que mais não era que pura “destruição criativa”. Isso ficou patente com a desenfreada preocupação de açambarcar e preencher lugares estrategicamente sensíveis, terraplenar e ocupar território, “berlusconizando” o regime e desideologizando a acção política, fazendo-a substituir por uma coisa que se situa entre a caricatura e a aberração, e que pomposamente crismou de “socialismo moderno, moderado e popular”. Só então percebi qual o alcance e significado das palavras de António Vitorino (um bonzo regimental), quando logo após a entrada em funções do governo Sócrates, em 2005, aquele se apressou a advertir-nos que as regras do jogo político estavam alteradas, ao ripostar, perante algumas reservas e perplexidades dos jornalistas sobre a governação, com um inquestionável e sonoro “habituem-se!”.
Uns habituaram-se, outros nem por isso. De lá para cá, seja para que lado nos viremos esbarramos sempre com a presença omnipotente e esmagadora de um mostrengo que começa num governo que tem tanto de inoperante como de arrogante, com ministros que não sabem distinguir um repolho de uma couve portuguesa, recheado de criaturas sem aptidões, amparado por uma corte repleta de mestres de cerimónias bajuladores, homens de mão, arrivistas, oportunistas e gente pouco recomendável, e acabando num PS (Partido Sócrates) que, embriagado pelas luzes do poder e a navegar na estratosfera, apenas sabe exprimir-se com louvores, fidelidades e salvas de palmas (à falta disso contratam-se magotes de figurantes), sustentando e protegendo o “querido líder”. Tudo isto é emoldurado por um bem orquestrado tráfico de influências e recrutamentos de gente, umas vezes manifestamente influente, outras vezes da pior espécie, abarcando um espectro de grupos económicos que vão da construção civil até à alta finança, os quais sempre se sentiram seguros na órbita ou à sombra do poder constituído, seja ele qual for, que faz e cobra favores, daí colhendo os seus dividendos, pois as privatizações de lucrativos negócios, estão sempre garantidas com as nacionalizações de aviário, quando o negócio dá para o torto.
Entretanto, o país tornou-se pasto da corrupção, já que o Ministério Público, Polícias e Tribunais, não têm mãos a medir, nem muita vontade de se exporem para desbravarem os grandes litígios e conflitos nacionais, que vão desde a corrupção generalizada até à criminalidade económica. A saga da licenciatura em engenharia do primeiro-ministro, e o seu pretenso envolvimento nos casos Freeport, Cova da Beira e outros favorecimentos que por aí andam (sem esquecer o caso dos submarinos e da Portucale , estes com protagonistas de outras áreas políticas), reflectem bem essa bizarra situação, porém, não passam dos poucos casos que se tornaram visíveis, a tal ponta do icebergue como comum é dizer-se, e que têm origem no grande mundo subterrâneo que o poder tem vindo a escavar, com método e persistência, de há três décadas para cá. Os emblemáticos Valentim Loureiro, Fátima Felgueiras, Avelino Ferreira Torres, Mesquita Machado, Alberto João Jardim, Isaltino de Morais, isto para falar só de alguns, todos eles saíram da mesma escola e personificam projectos de poder pessoal, embora localizados territorialmente, e mais limitados nas ambições.
Embora haja muita gente que considera isto uma heresia, sempre acreditei que a governação de um país não difere muito da administração doméstica ou da gestão de um condomínio, porém a uma escala maior e mais complexa. Rodear-se de uma equipa competente, estabelecer uma lista de prioridades estratégicas e assegurar que elas se concretizem é o primeiro passo; inventariar fragilidades e aforrar no tempo de vacas gordas, para que o sector público possa assumir o papel de guia, sustentar investimentos produtivos e manter a coesão social no tempo de vacas magras, é o mínimo que se pode exigir de um governo. Concentrar as suas preocupações e acções na redução do défice orçamental (afinal, consequência de quem não sabe aplicar verbas nem fazer contas), fazendo com que sejam os contribuintes a pagar os anteriores e actuais desvarios, e em tempo de crise aguda, avançar com obras faraónicas de quase nulo benefício, é sintoma de aventureirismo e incompetência. Deixar que o endividamento externo atinja valores incomportáveis e se recuse a admitir o facto, é prenúncio de que para salvar as aparências do presente, omitindo as pesadas facturas que recairão sobre as gerações futuras, é próprio de quem nos quer convencer - como se fôssemos idiotas chapados ou atrasados mentais - que apenas ele é detentor da poção mágica, própria dos salvadores da pátria. Não é por acaso que ainda as eleições europeias iam no adro, e já Sócrates anunciava que a sua fasquia para as legislativas era a maioria absoluta, objectivo que reivindicava, como se o contrário fosse o resvalar para o caos e a anarquia. Depois, na ressaca de umas eleições europeias onde o eleitorado o castigou, como político de plástico que é, adoptou o semblante condoído de quem promete não voltar a cometer maldades, querendo fazer-nos esquecer que com o seu autoritarismo, auto-suficiência e desprezo pelas ideias dos outros, mais não fez do que secar tudo à sua volta, alardeando que as oposições não tinham soluções. Na verdade, o que ele fez, ao longo de quatro anos e meio, com excepcional sabedoria, eficácia e condescendência, foi instalar o caos e a ingovernabilidade, abrindo o caminho para que o eleitorado, depauperado, incrédulo e confundido, seja seduzido, mais uma vez, pelas luzes do espectáculo e as promessas de pacotilha, ao mesmo tempo que tenta demarcar-se da sua alma gémea que dá pelo nome de Manuela Ferreira Leite, e que não é tão oposta a ele como nos pretendem fazer crer. Na verdade, ambos têm muitíssimas coisas em comum, e quanto à prática política, apenas divergem na forma e não no conteúdo, o que serve como uma luva para aconchegar ao nosso espírito uma ideia de “bloco central”, em versão higiénica, isto é, envergonhada, sem acordos nem coligações formais, ou então em versão recauchutada, e supostamente “moderna”, da ”União Nacional” de outros tempos. Na verdade, como diz o povo, com muita sabedoria, não passam de farinha do mesmo saco, e hoje em dia não são precisas milícias, legiões ou tropas de assalto para conquistar o poder. Uma quadrilha de gente engravatada, bem-falante, razoavelmente organizada, mas com muitos e longos tentáculos, consegue obter os mesmos resultados (senão mesmo melhores), com a vantagem de se confundir com o cidadão comum, não andar fardada nem precisar de receber treino militar. Estes malfeitores não são comparáveis com os abnegados e desinteressados militantes das causas e projectos políticos; são venais mercenários que fazem cobrar os seus serviços com cargos, favores, prendas e prebendas, financiados pelos impostos dos contribuintes, e que anseiam eternizarem-se no poder. Portanto, todo o cuidado é pouco com os messias de meia-tijela, que irão bradar aos sete ventos, que sem eles o projecto de “socialismo moderno, moderado e popular” fica inacabado, que o fim da crise será adiado, e sobrevirão tempos de escassez, de miséria e de caos social.