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O Procurador-Geral da República Fernando Pinto Monteiro teve um desabafo, no passado dia 9 de Julho, durante um seminário realizado na Universidade de Coimbra. Para os estudantes presentes, disse que não estava a gostar do que se estava a passar, sobretudo no que toca aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pois estavam a acontecer rusgas domiciliárias a horas mortas, havia câmaras de vigilância a seguir os nossos passos, e outras coisas mais. Enfim, pelo alcance das suas palavras, concluo que já não se pode urinar atrás de uma árvore, sem que isso fique registado para a posteridade, ou possa vir a ser usado para qualquer fim menos razoável. O senhor Procurador-Geral admitiu, e muito bem, que há um cerco às liberdades individuais, as quais são um direito constitucional, e que os cidadãos estão a aceitar passivamente essas limitações, em benefício de mais alguma segurança. Lembrou mesmo que “em nome da segurança não podemos esmagar a liberdade do cidadão. E em nome da liberdade não podemos descurar a segurança individual. É um equilíbrio difícil. Seria mau esmagar a liberdade para impor uma segurança reforçada”.
Se ponderarmos bem, hoje em dia estamos manietados por um anel invisível que nos controla sem descanso. Os recenseamentos da população, os inquéritos por dá cá aquela palha, as idas à caixa multibanco onde podemos usar uma panóplia de funções, o uso que fazemos, aqui e ali, dos cartões de débito e de crédito, os movimentos bancários que fazemos, as chamadas que efectuamos de casa ou do telemóvel (deste último até se sabe em que coordenadas geográficas fizemos a chamada), os sites que visitamos na Internet, os e-mails que recebemos e enviamos, as portagens que transpomos, com ou sem Via Verde, com ou sem chip de matrícula, a ida a um hospital ou centro de saúde, o GPS a que recorremos, as câmaras de vigilância que registam os nossos trajectos, o radar rodoviário que nos fotografa, todos eles se comportam como desenhadores de itinerários e fazedores de relatórios detalhados dos nossos movimentos, logo como coletes de forças que limitam as nossas liberdades. Hoje em dia, já não nos podemos dar ao luxo de sermos uns ilustres desconhecidos. Se alguém quiser saber por onde andei e o que fiz, bem como os meus gostos e preferências, isto é, escrever a nossa biografia sem o sabermos, a empreitada é quase uma brincadeira de crianças, tal é o rasto que deixamos por onde passamos, e sobretudo quando a protecção de dados pessoais é um embuste, e o direito à privacidade se tornou quase uma figura de retórica. Isto sem esquecer que há demasiada informação muito sensível, nas mãos de gente desconhecida, e por vezes pouco recomendável. Por isso, e contrariando o que por aí se diz, desde que foi instituído o regime democrático, que nunca houve tanto controle sobre os cidadãos. E mesmo a propósito, cabe aqui deixar três perguntas: onde está a preocupação com a segurança, se é o próprio governo que entrega a empresas privadas, a gestão das bases de dados dos cadernos eleitorais? Porque deixaram de haver os tradicionais patrulhamentos policiais, para serem substituídos por autênticas operações militares de forças de assalto? Se nunca houve tanta segurança e tanto controle, a quem aproveita esta mudança de paradigma?
Policiar os locais de refúgio do crime, a fim de marcar território e desmobilizar a delinquência, não é a mesma coisa que fazer emboscadas na via pública, apelidadas de “operações stop”, rusgas e golpes-de-mão a zonas residenciais pobres e periféricas, logo problemáticas. Depois, capturar delinquentes, levando as câmaras das televisões atrás, para registarem o espectáculo e mostrarem serviço, acalmando uns e assustando outros, levá-los ao juiz, e largá-los de novo nas ruas, apenas com a “obrigatoriedade” de apresentação periódica às autoridades, não passa de uma caricatura de segurança, esquecendo-se os responsáveis políticos e operacionais que, normalmente, o crime organizado, em condições semelhantes, costuma endurecer os métodos e retaliar.
Se é no frágil equilíbrio que existe entre liberdade e segurança, que pode residir parte do problema, devem ser também os propósitos e transparência das tais “medidas reforçadas de segurança”, que vão aparecendo um pouco por todo o lado, que deverão ser questionados e escrutinados. É bom ter sempre presente aquela sagaz advertência de Benjamin Franklin, que já em 1775 dizia que abrir mão da liberdade, em troca de um pouco de segurança, é não ser merecedor, nem de uma, nem de outra. No Reino Unido, onde se passou da ficção do “Big Brother”, do 1984 de George Orwel, à realidade de uma sociedade tecnologicamente controlada, que muita gente já apelida de proto-fascista, tudo foi aprovado, tudo foi consentido, tudo se passou sem uma reacção nem um queixume da população. Contudo, os amargos de boca não se fizeram esperar, pois também ali se tornou banal disparar primeiro e fazer perguntas depois. Onde havia liberdade, excepto permissão para atentar contra a liberdade, passou a haver segurança em demasia, para se imaginar que vivemos em liberdade, isto porque em matéria de “segurança”, transigir sem condições, é esquecer, como já o diziam os nossos avós, que de boas intenções está o inferno cheio.
Se hoje há quem não esteja preocupado, e chegue a aplaudir, que a polícia arrombe e invada, pela calada da noite, a residência de supostos malfeitores, porque esse alguém não se considera malfeitor, amanhã o caso pode mudar de figura, se a mando sabe-se lá de quem, e a propósito de sabe-se lá o quê, e sem direito a contestação, lhe aplicarem o mesmo tratamento. Nessa altura, não serve de nada apregoar que quem não deve não teme, porque a tal “segurança”, em doses reforçadas, que andam por aí a apregoar, é tão perversa, cega, surda e muda, como cegos, surdos e mudos são os seus obstinados criadores, adeptos e executores.
Não deixar que grasse a impunidade é um bom princípio, contudo, a primazia deve ser dada a soluções que ao combaterem o mal, não provoquem danos indesejáveis, sobretudo em matéria tão sensível como o são os direitos, liberdades e garantias. Por isso, faço votos para que as preocupações do senhor Procurador-Geral da República não tenham caído em saco roto.
O Procurador-Geral da República Fernando Pinto Monteiro teve um desabafo, no passado dia 9 de Julho, durante um seminário realizado na Universidade de Coimbra. Para os estudantes presentes, disse que não estava a gostar do que se estava a passar, sobretudo no que toca aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, pois estavam a acontecer rusgas domiciliárias a horas mortas, havia câmaras de vigilância a seguir os nossos passos, e outras coisas mais. Enfim, pelo alcance das suas palavras, concluo que já não se pode urinar atrás de uma árvore, sem que isso fique registado para a posteridade, ou possa vir a ser usado para qualquer fim menos razoável. O senhor Procurador-Geral admitiu, e muito bem, que há um cerco às liberdades individuais, as quais são um direito constitucional, e que os cidadãos estão a aceitar passivamente essas limitações, em benefício de mais alguma segurança. Lembrou mesmo que “em nome da segurança não podemos esmagar a liberdade do cidadão. E em nome da liberdade não podemos descurar a segurança individual. É um equilíbrio difícil. Seria mau esmagar a liberdade para impor uma segurança reforçada”.
Se ponderarmos bem, hoje em dia estamos manietados por um anel invisível que nos controla sem descanso. Os recenseamentos da população, os inquéritos por dá cá aquela palha, as idas à caixa multibanco onde podemos usar uma panóplia de funções, o uso que fazemos, aqui e ali, dos cartões de débito e de crédito, os movimentos bancários que fazemos, as chamadas que efectuamos de casa ou do telemóvel (deste último até se sabe em que coordenadas geográficas fizemos a chamada), os sites que visitamos na Internet, os e-mails que recebemos e enviamos, as portagens que transpomos, com ou sem Via Verde, com ou sem chip de matrícula, a ida a um hospital ou centro de saúde, o GPS a que recorremos, as câmaras de vigilância que registam os nossos trajectos, o radar rodoviário que nos fotografa, todos eles se comportam como desenhadores de itinerários e fazedores de relatórios detalhados dos nossos movimentos, logo como coletes de forças que limitam as nossas liberdades. Hoje em dia, já não nos podemos dar ao luxo de sermos uns ilustres desconhecidos. Se alguém quiser saber por onde andei e o que fiz, bem como os meus gostos e preferências, isto é, escrever a nossa biografia sem o sabermos, a empreitada é quase uma brincadeira de crianças, tal é o rasto que deixamos por onde passamos, e sobretudo quando a protecção de dados pessoais é um embuste, e o direito à privacidade se tornou quase uma figura de retórica. Isto sem esquecer que há demasiada informação muito sensível, nas mãos de gente desconhecida, e por vezes pouco recomendável. Por isso, e contrariando o que por aí se diz, desde que foi instituído o regime democrático, que nunca houve tanto controle sobre os cidadãos. E mesmo a propósito, cabe aqui deixar três perguntas: onde está a preocupação com a segurança, se é o próprio governo que entrega a empresas privadas, a gestão das bases de dados dos cadernos eleitorais? Porque deixaram de haver os tradicionais patrulhamentos policiais, para serem substituídos por autênticas operações militares de forças de assalto? Se nunca houve tanta segurança e tanto controle, a quem aproveita esta mudança de paradigma?
Policiar os locais de refúgio do crime, a fim de marcar território e desmobilizar a delinquência, não é a mesma coisa que fazer emboscadas na via pública, apelidadas de “operações stop”, rusgas e golpes-de-mão a zonas residenciais pobres e periféricas, logo problemáticas. Depois, capturar delinquentes, levando as câmaras das televisões atrás, para registarem o espectáculo e mostrarem serviço, acalmando uns e assustando outros, levá-los ao juiz, e largá-los de novo nas ruas, apenas com a “obrigatoriedade” de apresentação periódica às autoridades, não passa de uma caricatura de segurança, esquecendo-se os responsáveis políticos e operacionais que, normalmente, o crime organizado, em condições semelhantes, costuma endurecer os métodos e retaliar.
Se é no frágil equilíbrio que existe entre liberdade e segurança, que pode residir parte do problema, devem ser também os propósitos e transparência das tais “medidas reforçadas de segurança”, que vão aparecendo um pouco por todo o lado, que deverão ser questionados e escrutinados. É bom ter sempre presente aquela sagaz advertência de Benjamin Franklin, que já em 1775 dizia que abrir mão da liberdade, em troca de um pouco de segurança, é não ser merecedor, nem de uma, nem de outra. No Reino Unido, onde se passou da ficção do “Big Brother”, do 1984 de George Orwel, à realidade de uma sociedade tecnologicamente controlada, que muita gente já apelida de proto-fascista, tudo foi aprovado, tudo foi consentido, tudo se passou sem uma reacção nem um queixume da população. Contudo, os amargos de boca não se fizeram esperar, pois também ali se tornou banal disparar primeiro e fazer perguntas depois. Onde havia liberdade, excepto permissão para atentar contra a liberdade, passou a haver segurança em demasia, para se imaginar que vivemos em liberdade, isto porque em matéria de “segurança”, transigir sem condições, é esquecer, como já o diziam os nossos avós, que de boas intenções está o inferno cheio.
Se hoje há quem não esteja preocupado, e chegue a aplaudir, que a polícia arrombe e invada, pela calada da noite, a residência de supostos malfeitores, porque esse alguém não se considera malfeitor, amanhã o caso pode mudar de figura, se a mando sabe-se lá de quem, e a propósito de sabe-se lá o quê, e sem direito a contestação, lhe aplicarem o mesmo tratamento. Nessa altura, não serve de nada apregoar que quem não deve não teme, porque a tal “segurança”, em doses reforçadas, que andam por aí a apregoar, é tão perversa, cega, surda e muda, como cegos, surdos e mudos são os seus obstinados criadores, adeptos e executores.
Não deixar que grasse a impunidade é um bom princípio, contudo, a primazia deve ser dada a soluções que ao combaterem o mal, não provoquem danos indesejáveis, sobretudo em matéria tão sensível como o são os direitos, liberdades e garantias. Por isso, faço votos para que as preocupações do senhor Procurador-Geral da República não tenham caído em saco roto.
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