segunda-feira, novembro 27, 2006

(in)Fidelidades

(I
Um deputado comunista, a quem deve fidelidade? Aos seus eleitores ou ao seu partido?
Em caso de conflito, um comunista, a quem deve fidelidade? À nação ou ao seu partido?
Um deputado comunista, saneado da bancada pelo seu partido, o que deve fazer? Recusar-se a aceita a decisão, mantendo-se no seu posto e arriscando-se a ver-lhe retirada “alguma confiança política” (outro eufemismo!), ou aceitar o veredicto e ir colar cartazes?
Tudo isto vem a propósito da deputada Luísa Mesquita ter recusado a resignação do seu cargo, a propósito de uma suposta “renovação da bancada parlamentar” (não lembra ao diabo fazê-la a meio de uma legislatura), em que, para além dela, estão envolvidos outros dois deputados, Odete Santos e Abílio Fernandes, os quais aceitaram obedientemente a decisão. “Somos deputados, não somos objectos” terá afirmado a deputada amotinada, quando confrontada com o decisão partidária. “O mandato é do deputado, mas o programa pelo qual foi eleito é do PCP”, terá respondido o secretário-geral. Quer isto dizer que o partido está à frente de tudo, e não há mais conversas. A tão ignóbil precariedade que invadiu o mundo do trabalho, acaba assim por também chegar à política, vinda do sector mais inesperado.
Não gosto de ver um partido de esquerda tratar desta forma os seus representantes eleitos pelo povo, pois deixa-me a amarga sensação de que, lá dentro, a democracia é entendida como um assunto menor, tão descartável como qualquer deputado, mesmo que esse deputado seja um empedernido ortodoxo, que só tardiamente percebeu que lhe podia acontecer a ele, o que, entretanto, já tinha acontecido a outros.
De facto, a gerontocracia cinzenta que continua a manobrar nos bastidores do PCP, não tem nada a ver com democracia, nem sequer com aquela coisa que ironicamente foi baptizada de “centralismo democrático”. Nos momentos cruciais dá-lhes para fazer coisas tão grosseiras como ostracisar e sanear deputados, ou então, exprimir controversas solidariedades, dirigidas ao “querido líder” pseudo-comunista da Coreia do Norte, Kim Jong-Il, e ao seu hediondo regime concentracionário. Aquela casta dirigente, alicerçada numa funcionarite crónica, para quem a própria competência e fidelidade têm um valor duvidoso, continua a usar militantes e quadros políticos como instrumentos e não como pessoas. Quando aqueles deixam de servir os seus interesses partidários, são descontinuados como qualquer ferramenta gasta. Quando não afinam pelo seu diapasão, levam com a etiqueta de traidores, fraccionistas ou reaccionários, e se não renunciarem, é certo que acabam banidos.
Na verdade, não sei se isto não será mesmo propositado. O exemplo está em que tanto conseguem reunir um grupo parlamentar altamente competente, como logo a seguir correm a desmembrá-lo. O PCP continua a ser o partido da liturgia dos congressos, da democracia interna que apenas serve para dar conhecimento das decisões das cúpulas dirigentes, da exploração até limites inaceitáveis, da generosidade dos militantes, dos delitos de opinião, e onde cair em desgraça, tanto pode ser uma consequência como uma inevitabilidade. Avessos a compromissos, os comunistas insistem em viver no seu limbo, com as suas regras muito próprias, são grandes lutadores pelas causas de uma sociedade mais justa, mas continuam a fazer muito pouco para se mostrarem como um possível e credível parceiro de coligação, ou mesmo uma alternativa de governo. Apesar das “paredes de vidro” terem passado a ser expressão obrigatória do seu léxico, e da festa do Avante! ter sido elevada a desígnio nacional, tal não consegue apagar uma matriz autoritária e centralista, que não passa despercebida a ninguém. Mais purga, menos purga, o PCP continuará a achar que tudo lhe é permitido, e tudo lhe será perdoado, se o seu objectivo for sobreviver e seguir em frente, como se ainda vivesse na obscura dureza dos tempos da clandestinidade.

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