quarta-feira, fevereiro 22, 2012

Esta Quarta-Feira com Rui Peres Jorge

Transcrição integral do artigo intitulado "A (ir)relevância da eliminação dos feriados" da autoria do jornalista Rui Peres Jorge e publicado no JORNAL DE NEGÓCIOS de 20 Fevereiro 2012.

A (ir)relevância da eliminação dos feriados

«A decisão do Governo de eliminar quatro feriados nacionais em nome da recuperação só não é simplesmente disparatada porque é grave na mensagem política que encerra e nas consequências económicas que poderá ter. 

Álvaro Santos Pereira, o ministro que mais tarde ou mais cedo regressará ao Canadá, país onde se trabalham menos horas que em Portugal, reagiu às críticas ripostando que "quando se tenta fazer reformas profundas, alterar comportamentos, é natural que haja reacções". Os argumentos, cristalinos, vieram depois: "quando não há paragem de produção, cria-se mais riqueza e teremos uma economia mais forte. Só isso". Simples, se fosse verdade.

Segundo os últimos dados disponíveis, referentes a 2010, cada trabalhador português gastou 1.714 horas no emprego, um dos valores mais elevados da Europa e na média da OCDE. Vale no entanto a pena olhar para o ranking dos países. Durante a última década, por exemplo, a pujante Grécia manteve-se no "top-5", superando sempre as duas mil horas de trabalho por ano. Já as débeis Holanda, Alemanha e Noruega foram por regra os países onde os cidadãos trabalham menos horas, nunca ultrapassando as 1.500 horas.

Perante estes dados, se fossemos aplicar a leitura simplista do ministro, seríamos forçados a concluir que é até a trabalhar menos que se fortalece uma economia. Mas o mais notável nesta medida não é a sua óbvia irrelevância para o crescimento. É antes a relevância e a gravidade dos sinais políticos e económicos que carrega.

Em plena crise de emprego e procura, o Governo insiste no erro de aumentar o número de horas de trabalho, ao arrepio das boas práticas internacionais (talvez a Alemanha, que fez exactamente o contrário, possa também ser consultada na frente laboral). 

Todos os indicadores disponíveis mostram que a capacidade utilizada na economia está em mínimos históricos, o que significa que simplesmente não há procura e muitas empresas estão a meio gás. É por isso que um aumento do número de horas não levará a um aumento da produção. Conduzirá sim a despedimentos da mão-de-obra que ficará em excesso, isto num momento em que mais de um milhão de portugueses já não tem trabalho - e em que as contas públicas bem dispensam mais encargos com apoios sociais. 

Trabalhar mais não é só errado como prescrição. É também uma medida enganadora quanto ao diagnóstico. Ao colocar a tónica na extensão (gratuita) das horas trabalhadas, o Governo secundariza os ganhos da produtividade como a variável chave para uma recuperação. E opta por proteger os empregadores em vez de os pressionar - como tão bem faz aos trabalhadores -, arremessando para a obscuridade a urgência das empresas gerirem melhor o tempo e os recursos.

É por tudo isto que os senhores da troika vão naturalmente ignorar a eliminação dos feriados, como aliás fizeram com a proposta de meia hora de trabalho adicional por dia que o Executivo, ingénuo, lhes tentou "vender" como moeda de troca da desvalorização fiscal. A troika deveria contudo ir mais longe, criticando a opção: é que não é tempo para brincar às reformas.»

2 comentários:

Carlos Acciaioli de Gouveia disse...

Caro Fernando,
Esta questão das horas de trabalho e dos feriados parace-me semelhante à do ministro alemão na cadeira de rodas (vide um post no meu ARTE CERTA):
Vamos admitir que esse ranking está certo porque já vi outros que dizem o contrário! e que Portugal é dos paises onde se trabalham mais horas... O problema é que mesmo assim produzimos pouco para o que gastamos e é preciso equilibrar as coisas. é preciso produzir mais e gastar menos. Diminuir os gastos, de um modo relevante, é muito demorado porque requer medidas estruturantes. Produzir mais também pode ser conseguido através de melhor gestão do trabalho e isso diz respeito ao patronato. Concordo. Só que para se alterar a gestão do trabalho também leva muito tempo porque há que fazer alterações estruturais (p.ex. mudar sistemas de fabrico, máquinas, etc.). E o problema é que é preciso equilibrar IMEDIATAMENTE!!! Por isso concordo com a eliminação dos feriados, aliás balofos porque não significam nada para a generalidade dos portugueses a não ser um dia de folga que, com sorte, pode dar um uma ponte! Esse é o espírio. Pergunte o que é o 1º de Dezembro e 9 em cada 10 portugueses não faz a mínima ideia...
(talvez faça um post sobre este assunto no ARTE CERTA)

Fernando Torres disse...

Caro Carlos,
O problema, não está nos feriados em si, e no seu significado, que podemos valorizar mais ou menos, mas na consequência que a sua eliminação tem sobre o tecido económico do país, para mais, num momento de crise profunda. É verdade que a baixa produtividade também tem a ver com melhor gestão dos meios e recursos (materiais e humanos), sendo um dado adquirido que a classe empresarial portuguesa, em termos de qualificação, acompanha a classe trabalhadora, isto é, tem um nível muito baixo. É sabido que ela aprecia o máximo lucro, com o menor investimento possível e no mais curto espaço de tempo. Só que agora o problema é bem mais complicado. É nas alturas de crise e de dificuldades económicas que o Estado mais deveria investir (não em mais autoestradas, aeroportos ou TGVs), criando condições e promovendo o financiamento das empresas carentes, exactamente para reanimar a economia e suster o desemprego, e o que agora se vê é exactamente o contrário, isto é, desinvestimento, torneiras de crédito fechadas, logo redução da produção, e depois as falências em cascata e o consequente desemprego. É verdade que talvez não seja preciso trabalhar muito, se passarmos a trabalhar melhor. Mas trabalhar muito e melhor, de facto, apenas faz sentido, quando as empresas, além de serem bem geridas, têm carteiras de encomendas e existem bens para produzir.
Para agravar a situação ainda mais, tal como o Rui Jorge diz, se "em plena crise de emprego e procura, o Governo insiste no erro de aumentar o número de horas de trabalho", o que isso vai provocar é um agravamento do desemprego, pois o empresário não vai desperdiçar o convite ao despedimento, já que passou a ter braços a mais, para o escasso trabalho que tem para fazer. O resultado acaba por ser idêntico ao aumento da meia hora diária.
A verdade é que Portugal se está a transformar num grande laboratório (a Grécia parece não ser suficiente), onde se testam novos processos para espatifar o país, mais os que cá dentro vivem. Talvez assim se perceba o quanto humanitário é o apelo que tem sido feito pelos nossos governantes, para que peguemos na trouxa e emigremos.
Abraço

PS - E já agora sobre o caso TVI, deixei um comentário no post da ESSÊNCIA DA PÓLVORA