Visitei hoje o site A OUTRA FACE DA CIDADE SURPREENDENTE, sequela de um outro, já por mim referido neste blog, de nome A CIDADE SURPREENDENTE. É preciso visitá-los, porque objectos em que as imagens têm um papel determinante, dificilmente se conseguem descrever apenas com palavras. Na minha opinião, o recado do autor (sobre a Invicta Urbe), se não está completo, para lá caminha. As cidades, tal como as vidas humanas e as moedas, têm ciclos, um verso e o seu reverso, um lado radioso e outro obscuro. E porque as cidades são obras de humanos, para serem usadas pelos humanos que nelas se acolhem, todos acabam por deixarem marcas e cumprirem destinos. Assim, uns constroem-nas, outros degradam-nas, outros ignoram-nas e deixam-nas cair, outros voltam a reconstruí-las, para que outros voltem a consumi-las, desfrutá-las, assumindo-se como os vários rostos dessa criatura impertinente, capaz do melhor e do pior. Pelo meio há os que estando atentos, que vão dos cronistas aos artistas, apontam, registam, advertem e espalham mensagens, tanto de volúpia e deleite, como de mágoa e indignação.
sábado, maio 27, 2006
Cronistas e Artistas
Visitei hoje o site A OUTRA FACE DA CIDADE SURPREENDENTE, sequela de um outro, já por mim referido neste blog, de nome A CIDADE SURPREENDENTE. É preciso visitá-los, porque objectos em que as imagens têm um papel determinante, dificilmente se conseguem descrever apenas com palavras. Na minha opinião, o recado do autor (sobre a Invicta Urbe), se não está completo, para lá caminha. As cidades, tal como as vidas humanas e as moedas, têm ciclos, um verso e o seu reverso, um lado radioso e outro obscuro. E porque as cidades são obras de humanos, para serem usadas pelos humanos que nelas se acolhem, todos acabam por deixarem marcas e cumprirem destinos. Assim, uns constroem-nas, outros degradam-nas, outros ignoram-nas e deixam-nas cair, outros voltam a reconstruí-las, para que outros voltem a consumi-las, desfrutá-las, assumindo-se como os vários rostos dessa criatura impertinente, capaz do melhor e do pior. Pelo meio há os que estando atentos, que vão dos cronistas aos artistas, apontam, registam, advertem e espalham mensagens, tanto de volúpia e deleite, como de mágoa e indignação.
quarta-feira, maio 24, 2006
Rectificação
A propósito do artigo “Nau Portugal”, o meu amigo A.S. enviou-me um reparo que merece a respectiva divulgação. Assim, os pavilhões que ainda existem a Nascente do Padrão dos Descobrimentos, também sobreviveram à Exposição do Mundo Português. Actualmente, albergam as Sedes do Clube Naval de Lisboa e da Associação Naval de Lisboa, dois clubes náuticos de embarcações de recreio. Apesar de terem sido construídos com materiais perecíveis, eles ainda lá estão, e no interior podem ainda ser vistos alguns frescos pintados nas paredes, com motivos alusivos aos Descobrimentos.
terça-feira, maio 23, 2006
Nau Portugal
As imagens documentam a fase final da construção da “Nau Portugal”, dirigida pelo cineasta Leitão de Barros, destinada a ser uma das atracções da Exposição do Mundo Português, mas que veio a revelar-se um fracasso. A Exposição do Mundo Português, inaugurada em 23 de Junho de 1940, teve lugar em Belém, frente aos Jerónimos, e foi levada a cabo com a intenção de comemorar os 800 e 300 anos, de duas datas-chave da história de Portugal, respectivamente a fundação da nacionalidade em 1140, e a restauração da independência em 1640. Assumindo-se como a expressão da portugalidade no mundo, na verdade, aquele evento também foi usado como imagem de marca e instrumento de propaganda de Salazar, para glorificar os benefícios e obras do regime, isto quando a II Guerra Mundial já tinha tomado o freio nos dentes, e meio mundo se digladiava contra as ambições das potências fascistas, a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini e o Império Japonês.
Estas exposições, assumindo-se como grandes montras, organizadas com o propósito de divulgarem o progresso e excelência dos países, logo vocacionadas para a obtenção de prestígio, tanto interna como internacionalmente, acabam por delas quase nada sobrar para a posteridade, por força da sua curta duração, e terem sido montadas com materiais perecíveis. As excepções mais notáveis deste tipo de mostras são a Torre Eiffel da Exposição Universal de Paris de 1889, o Atomium da Exposição Universal de Bruxelas de 1958, e o Oceanário da Exposição Universal de Lisboa de 1998. Da anteriormente citada Exposição do Mundo Português (que não se enquadrou no conceito e periodicidade de exposição universal) quase nada sobraria se não tivesse sido recriada, já em 1960, e a pretexto dos 500 anos da morte do Infante D.Henrique, uma réplica em betão e pedra de lioz, do primitivo Padrão dos Descobrimentos, da autoria do Arqtº. Cottinelli Telmo e do escultor Leopoldo de Almeida, obra que inicialmente teria sido construída em pasta de cartão e gesso. Sobreviveu também o Espelho de Água e um edifício confinante, que foi posteriormente remodelado pelo Arqtº. Jorge Segurado, para receber em 1948 o Museu de Arte Popular.
sábado, maio 20, 2006
Debaixo de Olho
Está agora a chegar ao domínio público, a circunstância da NSA (Agência Nacional de Segurança) dos EUA, estar a constituir, com a colaboração das principais empresas de comunicações, a maior base de dados de que há memória, com os registos das chamadas telefónicas de milhões de norte-americanos, sob o pretexto da tão vaga quanto abstracta guerra ao terrorismo, com o objectivo de apertar o garrote das medidas de segurança, transformando cada cidadão num potencial suspeito de actividades anti-patrióticas.
Em versão portuguesa, provinciana e mal enjorcada, temos o famigerado caso do “envelope 9”, tendo então o presidente da república da altura, exigido ao procurador geral da república uma urgente investigação, com a divulgação das respectivas conclusões. Agora, decorridos que são vários meses, depois do caso ter sido divulgado pela comunicação social, e depois de ter sido desencadeada uma aberrante acção policial contra o jornal e os jornalistas que divulgaram o caso, deixando para trás a questão essencial de saber como, porquê e quem obteve os registos telefónicos arquivados no tal “envelope”, o “affaire” parece ter caído na prescrição e no esquecimento. No primeiro caso temos os americanos a ensaiarem o controle maciço da sociedade, em moldes industriais, enquanto que no segundo, vemos como os portugueses, com muita conversa fiada e um sorriso nos lábios, praticam a devassa caseira, sem se saber bem a que propósito, e vá-se lá saber com que intenções.
Uma coisa é certa: nada acontece por acaso! Abstraindo os meios e a abrangência do que está a acontecer na terra do Tio Sam, fruto de grandes e suspeitas cumplicidades, suportadas pelo competente aparato tecnológico, e o que sucede nesta terrinha de brandos costumes, de forma mais pitoresca e artesanal, a verdade é que não é difícil concluir que, à conta das escutas telefónicas, andamos todos “debaixo de olho”, para o que der e vier.
sexta-feira, maio 19, 2006
Queixas do Dicionário
Em Junho de 2001, na sequência do aparecimento do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, também conhecido por Dicionário da Academia, e a propósito das muitas críticas que envolveram o aparecimento da obra, escrevi um comentário a que chamei COISAS DO DICIONÁRIO, e que no fundamental dizia o seguinte:
1 - A ausência de algumas entradas e a irregularidade de critérios, não fere a obra de morte, podendo esses aspectos, bem como outras melhorias, virem a ser corrigidos no futuro;
2 - Para a feitura do dicionário teriam sido gastas verbas consideráveis, mas outra coisa não era de esperar, num projecto que se assume como emanação da nossa, até agora quase invisível, Academia das Ciências, entidade com grandes responsabilidades na gestão da língua portuguesa;
3 - A feitura de um dicionário, que se pretende uma matriz ou padrão da língua portuguesa, não é exactamente um ensaio ou uma tese de doutoramento pessoal. Embora a execução da obra deva possuir um arquitecto, orientador e coordenador, no presente caso o Prof. João Malaca Casteleiro (que continua, tragicamente ensimesmado com a sua obra-prima), para que a obra assuma a tal excelência e universalidade que se exige, deverá acolher, de forma o mais alargada possível, o saber, experiência e contributo das universidades, dos académicos e especialistas do país, isto para que se apresente com um perfil eminentemente CONSENSUAL;
4 - Uma nova edição do Dicionário deverá implicar o envolvimento de ferramentas das novas tecnologias, sobretudo as informáticas (choque tecnológico, para que te quero?), para que o novo produto disponibilize também versões em suporte digital, CD ou DVD, tão económico quanto funcional, libertando o utilizador do incómodo manuseamento do suporte tradicional;
Esta era, em síntese, a minha opinião, há cinco anos atrás, não de especialista da língua, mas apenas de mero utilizador. E agora o que temos? Não há dinheiro para rever a primitiva (e carente) edição, e ninguém se entende com os dinheiros proveniente dos direitos de autor. Trabalhou-se com verbetes, andou-se aos papéis e às aranhas. Venderam-se umas dezenas de milhares de exemplares para decorarem as prateleiras dos gabinetes ministeriais, e os cinco anos inicialmente previstos para que o dicionário voltasse a ser revisto e aumentado, passou agora para dez (10) anos, isto é, lá para 2011, se houver dinheiro, se o esforço ainda se justificar, ou se não se perfilarem outras prioridades inadiáveis, como um qualquer campeonato de futebol, mais a correspondente inauguração de um super-equipado centro de estágio.
O Dicionário, para já, ficou por aqui, incompleto, coxo e carente. Não será o repositório chancelado da língua portuguesa, nem um projecto nacional, nem um laboratório, nem um campo de manobras, nem um “scriptorium” de tarefeiros pagos a “recibo verde”, o que quer dizer, que se nenhum mecenas lhe pegar, irá fossilizar, porque a Academia de Ciências, sendo ela própria já um fóssil, antes mesmo deste dicionário ter aparecido, continua à espera que lhe façam o funeral. Quanto aos nossos ministros da cultura, coitados, têm mais com que se preocupar. E andamos nisto!
quinta-feira, maio 18, 2006
Cortado pela CENSURA!
No programa Opinião Pública da SIC Notícias de 18/5/2006, coordenado pela jornalista Marta Atalaya, assistiu-se a uma situação curiosa: foi cortada a palavra e colocado fora do programa um interveniente, quando, a propósito da estreia do filme “Código Da Vinci”, baseado no livro do mesmo nome, aquele emitiu a opinião de que o Opus Dei era uma organização tenebrosa.
A jornalista-coordenadora fundamentou a sua atitude, argumentando que o termo empregue era injurioso e ofensivo da dita organização. Fiquei perplexo. O Opus Dei é uma organização poderosa, nascida com o estatuto de prelatura pessoal, no seio da igreja católica, e com grande influência junto das elites do poder político e financeiro. Por isso mesmo, e não só, o Opus Dei, não sendo uma sociedade secreta, não é propriamente conhecida por ser uma organização aberta à sociedade, sendo pouco dada a deixar transpirar para o domínio público, pormenores dos seus meandros, práticas e vivência interna. O termo tenebroso, tal como o dicionário esclarece, aplica-se a algo onde não há claridade, tem falta de luz, é escuro, repleto de trevas, o que não corresponde propriamente a um atributo insultuoso. Por outro lado, e tal como o dicionário também explica, só em sentido figurado se aplica aquele termo, para definir algo de pérfido ou criminoso, mas fiquei sem saber se era essa a intenção do interveniente, pois entretanto a palavra foi-lhe cortada.
Sabe-se que a língua portuguesa, ou é ambígua, ou é traiçoeira, mas na dúvida, nada justifica que se emudeça, quem tem direito a tecer opinião. Muito menos que se faça, tal como o fazia, aquele execrando censor de serviço, da TENEBROSA Comissão de Censura de outros tempos, que fazia girar o tal lápis azul de triste memória, célere, fulgurante e aniquilador, cortando a palavra, amputando ideias e ceifando críticas. Tudo isso “a bem da nação”…
quarta-feira, maio 17, 2006
À Beira do Rubicão
Depois do Patriot Act, levado a cabo nos EUA, pela administração Bush, com o objectivo de enfrentar o terrorismo, o qual vai materializando a visão “orwelliana” de envolver os cidadãos em constante e apertada vigilância, controlando-lhes os passos, a correspondência, os gostos, as preferências, as amizades, as opções políticas, limitando os direitos constitucionais, o primeiro ministro britânico Tony Blair, que não quer ficar para trás, voltou a pressionar os seus pares, para a possibilidade de instaurar legislação que possa vir a anular decisões judiciais, sempre que estas possam colocar em causa a segurança pública, com parâmetros tão largos, que não se sabe onde acaba o tal interesse público, e começam outros com inconfessáveis intuitos.
Quase cinco anos depois do 11 de Setembro, aperta-se o cerco, não ao terrorismo internacional, o qual continua de boa saúde, a recrutar, a expandir-se e a fazer das suas, mas sim às sociedades, habitualmente reconhecidas como bastiões da democracia e das liberdades. A pretexto da sua segurança, os cidadãos estão a consentir que as prerrogativas da liberdade e da democracia sejam restringidas, aceitando passivamente que o estado espie quem apresenta um perfil que rompe com certos conceitos de “normalidade”. Pé ante pé, a separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial, pedra angular dos regimes democráticos, tem os dias contados, e isso é a antecâmara para a insinuação de regimes autoritários e ditaduras, coisas que se pensavam banidas do nosso horizonte político, excepção feita para o resistente clube dos chamados “estados párias”. Puro equívoco! Esquecemo-nos que agora, para se enganarem os tolos, já não são precisas fardas rutilantes, nem paradas, nem rituais, nem a ostentação de símbolos nazi-fascistas, bastando que se explore exaustivamente o marketing político, que se apareça muito na TV, a prometer ou a inaugurar qualquer coisinha, que se agitem alguns medos e fantasmas, e uma vez por outra, que os líderes se mostrem e comportem como qualquer um de nós. Hitler chegou ao poder absoluto através de eleições democráticas, com promessas de fartura, segurança, um punhado de inimigos para abater e um Reich para durar mil anos, secundado por um tal Joseph Goebels, que foi seu inseparável ministro da propaganda. Tal como o povo alemão dos anos 30 do século XX, também nós agora estamos a condescender, sem questionar, nesta troca entre limitações das liberdades, e falsas promessas de estabilidade e segurança, que mais não é do que o preâmbulo para novos despotismos. Agora, por obra e graça da globalização, do espectro do terrorismo, e de um controverso conceito de modernidade, embrulhado na peregrina ideia do “fim da história”, o Rubicão volta a estar ali à mão de semear. Atravessá-lo vai ser uma brincadeira de crianças.
segunda-feira, maio 08, 2006
Heróis do Mar
As imagens que se seguem, recolhidas por um fotógrafo anónimo de Ílhavo (talvez não passasse de um simples tripulante), foram obtidas a bordo do lugre bacalhoeiro "LABRADOR", um veleiro de três mastros, construído em madeira, durante a campanha bacalhoeira de 1939, nos bancos pesqueiros dos mares gelados da Nova Escócia, Terra Nova, St. Pierre et Miquelon e Groenlândia. Era no tempo em que os pescadores portugueses, arriscando a vida todos os dias, durante 16 a 20 horas, ao longo de 6 intermináveis meses, entre Abril e Setembro, levavam a cabo a faina, utilizando a pesca de mão à linha, munida dum único anzol, nos frágeis “dóris”, pequenas embarcações individuais de fundo chato. O lugre bacalhoeiro funcionava como base dos “dóris”, alojamento dos marinheiros-pescadores e fábrica de preparação do pescado, que incluía as operações de descabeçamento, do escalo (corte longitudinal do peixe) e da salga. À custa de saudades do lar, da dureza da labuta, de ordenados miseráveis, da alimentação de presidiário e das condições de trabalho infra-humanas, os pescadores portugueses foram os responsáveis, para que o "fiel amigo", também conhecido por “bacalhau a pataco" (uma imagem de marca do salazarismo), não faltasse à mesa dos portugueses. Muitos desses heróis do mar, vítimas de acidentes e doenças, repousam hoje no semi-abandonado talhão dos portugueses, do cemitério St. John's, na Terra Nova, ou em Hollsteinborg, porto da costa oeste da Groenlândia.
O início da pesca do bacalhau, nos distantes bancos pesqueiros da Terra Nova, data do reinado de D.Manuel I, entre 1465 e 1521, andou intimamente associado às navegações portuguesas no Atlântico Norte, e aconteceu na sequência das grandes carências alimentares dos povos europeus, que passaram a ver no bacalhau, que tanto podia ser consumido na sua forma salgada, fumada ou seca ao sol, uma opção saborosa e nutritiva. É assim que os navegadores João Fernandes Lavrador (que deu o seu nome à península do Labrador e ao lugre desta reportagem) e Pedro de Barcelos, obtêm licença régia para procurar terras no Atlântico Norte, tendo João Álvares Fagundes explorado a costa norte da Terra Nova, vindo a descobrir o golfo de S. Lourenço. A sistemática exploração destes ricos bancos de pescado, com o aumento progressivo do número de naus que demandavam estas paragens, estendeu-se até 1580, altura em que Portugal perdeu a sua independência. Durante a dominação filipina, entre 1580 e 1640, a actividade piscatória na Terra Nova decaiu até quase se extinguir, tendo-se então recorrido à importação do bacalhau, para satisfazer as necessidades do país.
O regresso em força aos mares gelados da Terra Nova, para a pesca do bacalhau, só volta a acontecer no século XIX, cerca de 1830, com a criação de incentivos e a construção de embarcações vocacionadas para a pesca longínqua.
Já nos anos 30 do passado século XX, a frota bacalhoeira envolvia perto de 70 navios, com tripulações que, na totalidade, rondavam entre 6.500 e 7.000 homens, distribuídos pelos vários mesteres e funções.
O cozinheiro do “Labrador” e o seu “Figurão”
O lugre “Labrador” enfrenta uma tempestade no mar alto. No convés, podem ver-se os “dóris”, empilhados uns dentro dos outros, para economizar espaço.
Mesmo no verão, os icebergues, massas de gelo de enormes dimensões, que se desprendem das calotas polares, flutuando à deriva, são comuns no Atlântico Norte, constituindo um perigo permanente para a navegação e para a faina da pesca.
Pescadores nos “dóris”, na faina da pesca, embebidos num silêncio feito de mar e céu, isto quando não se abatiam os traiçoeiros nevoeiros, que deixavam o pescador cosido com a mais inóspita das solidões. Nessas alturas, apenas o toque das sinetas e sirenes dos lugres, fornecia a orientação mínima para os pescadores, quase às cegas, regressarem ao seu navio-base.
Um alabote, peixe do Atlântico Norte, que pode ter até 3 metros de comprimento e 300 quilos de peso, capturado pelos pescadores do “Labrador”.
Meninos esquimós visitam o “Labrador”.
Raparigas esquimós em visita ao “Labrador”.
Aquele ano de 1939, em que nasceu esta exígua reportagem fotográfica, foi um ano assaz difícil, para o mundo em geral. Ficou marcado pelo início da Segunda Guerra Mundial, com a ocupação da Checoslováquia e a invasão da Polónia, pelos exércitos da Alemanha nazi. Em Portugal, com Salazar a viver as euforias do Estado Novo, a refinar os instrumentos repressivos do regime, a isolar o país, ensaiando uma primeira versão da doutrina do “orgulhosamente sós”, levou a que o ditador se acantonasse numa fingida neutralidade, ajudando sub-repticiamente a Alemanha de Hitler com a mão direita, exportando tungsténio, metal essencial para a indústria de armamento, enquanto que com a esquerda ia concedendo facilidades à Inglaterra, nosso secular aliado. Até ao termo do conflito em 1945, as campanhas da pesca do bacalhau foram tentando atenuar as grandes carências alimentares que afectaram a população portuguesa, provocadas pela penúria e os racionamentos de géneros. É nessa altura que todos os navios da frota bacalhoeira são pintados de branco, ostentando os símbolos nacionais bem à vista, a fim de serem facilmente reconhecidos por todos os beligerantes, mas sobretudo pelos submarinos alemães que operavam no Atlântico, torpedeando os comboios de navios aliados. A partir daí a frota portuguesa passa a ser mundialmente conhecida pelo nome de Frota Branca.
Depois do 25 de Abril de 1975, este tipo de pesca acabou por se extinguir, motivado essencialmente pelo alargamento das águas territoriais do Canadá e da Dinamarca para 200 milhas, com a consequente fixação de quotas máximas de pesca para frotas estrangeiras. Era também chegada a altura de os grandes veleiros pesqueiros serem reformados, cedendo o lugar aos modernos arrastões, bem equipados e recheados de tecnologias de detecção e captura dos cardumes. Portugal que continuava a privilegiar a singela pesca à linha (menos agressiva do ambiente e mais protectora da espécie), relativamente à pesca do arrasto (mais predadora do pescado, logo causadora da progressiva escassez da espécie), não acompanhou a renovação tecnológica e acabou por ser incapaz de competir com as frotas pesqueiras de outros países, abandonando a faina, onde antes havido sido mestre e soberano.