sexta-feira, maio 19, 2006

Queixas do Dicionário


Em Junho de 2001, na sequência do aparecimento do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, também conhecido por Dicionário da Academia, e a propósito das muitas críticas que envolveram o aparecimento da obra, escrevi um comentário a que chamei COISAS DO DICIONÁRIO, e que no fundamental dizia o seguinte:

1 - A ausência de algumas entradas e a irregularidade de critérios, não fere a obra de morte, podendo esses aspectos, bem como outras melhorias, virem a ser corrigidos no futuro;

2 - Para a feitura do dicionário teriam sido gastas verbas consideráveis, mas outra coisa não era de esperar, num projecto que se assume como emanação da nossa, até agora quase invisível, Academia das Ciências, entidade com grandes responsabilidades na gestão da língua portuguesa;

3 - A feitura de um dicionário, que se pretende uma matriz ou padrão da língua portuguesa, não é exactamente um ensaio ou uma tese de doutoramento pessoal. Embora a execução da obra deva possuir um arquitecto, orientador e coordenador, no presente caso o Prof. João Malaca Casteleiro (que continua, tragicamente ensimesmado com a sua obra-prima), para que a obra assuma a tal excelência e universalidade que se exige, deverá acolher, de forma o mais alargada possível, o saber, experiência e contributo das universidades, dos académicos e especialistas do país, isto para que se apresente com um perfil eminentemente CONSENSUAL;

4 - Uma nova edição do Dicionário deverá implicar o envolvimento de ferramentas das novas tecnologias, sobretudo as informáticas (choque tecnológico, para que te quero?), para que o novo produto disponibilize também versões em suporte digital, CD ou DVD, tão económico quanto funcional, libertando o utilizador do incómodo manuseamento do suporte tradicional;

Esta era, em síntese, a minha opinião, há cinco anos atrás, não de especialista da língua, mas apenas de mero utilizador. E agora o que temos? Não há dinheiro para rever a primitiva (e carente) edição, e ninguém se entende com os dinheiros proveniente dos direitos de autor. Trabalhou-se com verbetes, andou-se aos papéis e às aranhas. Venderam-se umas dezenas de milhares de exemplares para decorarem as prateleiras dos gabinetes ministeriais, e os cinco anos inicialmente previstos para que o dicionário voltasse a ser revisto e aumentado, passou agora para dez (10) anos, isto é, lá para 2011, se houver dinheiro, se o esforço ainda se justificar, ou se não se perfilarem outras prioridades inadiáveis, como um qualquer campeonato de futebol, mais a correspondente inauguração de um super-equipado centro de estágio.
O Dicionário, para já, ficou por aqui, incompleto, coxo e carente. Não será o repositório chancelado da língua portuguesa, nem um projecto nacional, nem um laboratório, nem um campo de manobras, nem um “scriptorium” de tarefeiros pagos a “recibo verde”, o que quer dizer, que se nenhum mecenas lhe pegar, irá fossilizar, porque a Academia de Ciências, sendo ela própria já um fóssil, antes mesmo deste dicionário ter aparecido, continua à espera que lhe façam o funeral. Quanto aos nossos ministros da cultura, coitados, têm mais com que se preocupar. E andamos nisto!

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