segunda-feira, junho 12, 2006
Projectos de Vida
É um globo prenhe de sementes
Ávido de um sopro de vento
Forte ou fraco, tanto faz
Para que a vida se propague
É como uma mão que fica a tremer
Deixando um traço irregular
Sobre o esboço perpendicular
De uma paisagem por nascer
segunda-feira, junho 05, 2006
A Nau Portugal (2)
Um amigo da blogosfera contactou-me, acrescentando mais alguma informação sobre a história da “Nau Portugal”, a qual foi objecto de um artigo inscrito neste ESCREVINHADOR, no passado dia 23 de Maio de 2006. Acrescente-se que a embarcação se virou em 15 de Fevereiro de 1941, por ocasião do ciclone que varreu o país. Para ver e saber mais, basta visitar A VOZ DA ABITA, mais um ponto de encontro com muito interesse.
A Paixão pela Educação
António Guterres tinha a paixão pela educação e foi o que se viu. Sócrates tem uma paixão pela confrontação e é o que se está a ver. Quem passa os dias a pavonear-se para os telejornais, distribuindo muita publicidade enganosa, é compreensível que não tenha tempo para reflectir sobre os problemas profundos do país, nomeadamente os da educação, achando mais fácil, e com sucesso quase garantido, ostentar “coragem”, “ousadia” e “determinação”, disparando em todas as direcções. O caso da educação é paradigmático. Os professores cumprem um percurso académico, onde são sucessivamente examinados e avaliados, até serem considerados aptos para o desempenho da sua função. Depois disso, e por ausência de um dimensionamento adequado das necessidades, o Estado obriga os mesmos a cumprirem o calvário das colocações, acrescido de longos períodos de precariedade. Andou a formar professores, porém, suspeita que os modelos e valores que congemina e decreta não são adequados aos objectivos. Neste processo, embora os professores não estejam isentos de responsabilidades, não podem ser os únicos a carregar o ónus da degradação do ensino e consequente insucesso escolar. Se alguém falhou foi o próprio sistema, que não acautelou o rigor e a excelência que é exigida à função de ensinar. Como Pilatos, o governo lava as mãos, e corre a acusar os professores de serem os responsáveis pelo fracasso escolar, para logo a seguir avançar com um novo Estatuto da Carreira Docente, que entre outras coisas, além de obrigar a dar aulas da especialidade (com a prévia preparação, testes, classificações, avaliações, aulas de substituição, etc.), obriga os professores ao seguinte:
a) Coordenação pedagógica do ano, ciclo ou curso;
E ainda:
1 – O exercício de funções docentes em estabelecimentos de educação ou de ensinopúblicos é feito em regime de exclusividade.
Já passou o tempo de andarmos a fazer ensaios e experimentações, arranjando depois bodes expiatórios para justificar o que continua a correr mal, seja porque a paixão foi tão grande que cegou o político, ou porque nos ministérios há gabinetes e comissões em demasia, e muito pouca gente competente para os ocupar. Por essa razão, e não só, eu não quereria ser professor em Portugal.
sexta-feira, junho 02, 2006
Pagar o Quê?
Numa primeira reacção não quis acreditar. Pensei ter ouvido mal, mas afinal era verdade. Fiquei perplexo! O estado português, durante o consulado do engenheiro Guterres, decidiu adquirir aos E.U.A., uma dúzia de caças F-16, que era suposto virem equipar a força aérea portuguesa. A verdade é que, comprados em 1999, até hoje nem sequer foram desencaixotados. Eu não queria acreditar, mas é verdade. E não estou a falar de qualquer bagatela, estou a falar de uma aquisição que mobilizou centenas de milhões de contos, negociados pelo governo e desembolsados pelo inevitável e respeitável contribuinte. Mas o pior ainda estava para vir. Decidiu agora o governo do engenheiro Sócrates pô-los à venda, colocando-os entre um lote de fragatas e helicópteros carunchosos, com mais de trinta anos de muito uso. E com uma agravante: para se concretizar a venda desses inoperantes F-16, terá que haver a prévia concordância dos E.U.A., e em caso de acordo, e antes da venda, deverá concretizar-se um programa de modernização das ditas aeronaves, o qual nunca foi realizado por falta de verba. Se isto não é um escândalo, não sei o que lhe deva chamar. Em qualquer país digno desse nome, haveria lugar a explicações cabais. Mas não! Por cá, neste caso, o que ouvimos foi um arrazoado mal alinhavado, feito à medida, para sossegar e satisfazer os curiosos. Diz o actual ministro da defesa que esta venda se justifica, por força das alterações entretanto verificadas, no quadro estratégico internacional, as quais colocaram estes aparelhos entre o lote de material dispensável. Assim mesmo, sem mais. Custa a crer, já que a força aérea, tal como os restantes ramos das forças armadas, sempre se queixaram de falta de meios para exercer as suas missões de soberania. Teria sido esta compra um desvario? Ou seriam os tais caças, material já obsoleto, quase ferro-velho, incapaz de voar, quando foram encomendados? Ou terá sido a pitoresca e controversa opção pelos submarinos, encomendados pelo ex-ministro Paulo Portas, os responsáveis por semelhante volte-face? Ou será que alguém arrecadou umas chorudas “luvas” com aquela aquisição, à partida desnecessária?
Esta tentação para fazer gastos improdutivos, e que são a causa do malfadado défice, faz-me lembrar aquele caso divulgado no ano passado, relacionado com a aquisição de uns equipamentos para combate a incêndios, que se destinavam a ser instalados nos aviões C-130 da força aérea, mas acabaram esquecidos nuns remotos armazéns, sem nunca terem sido utilizados. O mais curioso é que no auge dos incêndios que em 2005 assolaram o país, acabámos por receber a ajuda de C-130 marroquinos, que operaram no combate aos fogos, com equipamentos exactamente iguais àqueles que deixámos calmamente a apodrecer.
Cada cêntimo que, bem ou mal, o estado gasta, sai dos nossos bolsos. Pagamos tudo, e estas são as contas que nos prestam, expondo uma gestão criminosa dos dinheiros públicos, e a sua consequente impunidade. Depois disto, iremos nós contribuintes ser reembolsados, já não digo com uns dinheiritos, mas com algo de verdadeiramente imprescindível e capital para o país, ou iremos ser novamente empurrados para alguma brincadeira de mau gosto, e sibilinamente convidados a cumprir a sistemática e patriótica obrigação de pagar?
Não é por mero acaso que periodicamente, e com alguma regularidade, se volta a falar da implementação de taxas sobre os serviços bancários disponibilizados pelas máquinas ATM, vulgo Multibanco, e pela Internet. Quer isto dizer que, depois destas investidas e manobras de “preparação” do terreno, mais dia, menos dia, seremos confrontados com o facto consumado. Depois de uma primeira fase em que os bancos se empenharam na conquista dos clientes, levando-os a aderirem e a acomodarem-se a estes diligentes e funcionais modelos, vem a fase da sua exploração, numa fria e indecorosa lógica mercantilista.
As máquinas ATM foram introduzidas pelas instituições bancárias com o objectivo de desconcentrarem dos seus balcões alguns serviços básicos, arrastando com essa estratégia, substanciais reduções de custos, relacionados com o pessoal. Na verdade, a máquina ATM é um investimento rapidamente amortizável e altamente rentável, já que satisfaz o perfil de “trabalhador” ideal. É incansável, não é sensível nem reage às reclamações, não cumpre horários, raramente “adoece”, raramente se engana, não goza férias e não reclama. O mesmo se passa com os sites bancários disponibilizados na Internet. Somos nós que assumimos o papel de “operador” de serviço, enquanto que do outro lado está um sistema informático, suficientemente sofisticado e “inteligente”, para executar, com custos mínimos, quase insignificantes, operações bancárias complexas. Porém, a introdução destes canais, para além das mútuas vantagens para os bancos e seus clientes, não ia ficar por aqui. Era também mais um filão a explorar, vocacionado para um seguro e maior enriquecimento da banca. Assim, os insaciáveis bancos portugueses, insatisfeitos com as colossais reduções de custos que estes modelos originaram, apesar de exibirem escandalosos lucros provenientes do crédito e dos inefáveis “custos de manutenção” das contas, ocupando já o quarto lugar, entre as instituições bancárias europeias, com os serviços mais caros, pensam vir a onerar com novas taxas e comissões, as transacções e serviços disponibilizados por estes sistemas. A Associação Portuguesa de Bancos defende (naturalmente) esta escalada nos custos dos serviços. Os utilizadores, sob sequestro do autoritarismo bancário, dizem que chega de espoliação. A Autoridade da Concorrência diz-se preocupada, admitindo que em vez de concorrência há concertação inter-bancária. Quanto ao Banco de Portugal, faz-se desentendido ou reage com soberba, enquanto nós vamos pagando…
E por falar em pagar, os maus exemplos sucedem-se. O Parlamento Europeu está a estudar a criação de uma taxa sobre as mensagens de E-MAIL e SMS, imposto esse que serviria para financiar os fundos comunitários da União Europeia. Para além de ser discutível se a União Europeia possui competência para produzir e decretar legislação de índole fiscal, acresce que os E-MAIL e SMS passariam a ser serviços duplamente tributados, por força de já estarem sujeitos às taxas próprias de cada país. Além disso, esta medida que é apoiada pela maioria dos governos integrantes da União Europeia, pelos euro-deputados e pela Comissão Europeia, nem sequer equaciona a desvantagem em que ficariam os utilizadores europeus, relativamente aos restantes do resto do mundo. Nós pagamos, e a dobrar, se necessário for!
Para terminar, façamos um pouco de ficção. Se já há quem pense que pelo simples facto de estarmos vivos, já somos uns nefastos poluidores, virá o dia em que para cumprirmos o vital acto de respirarmos, teremos que comprar direitos de emissão de CO2, em obediência ao protocolo de Quioto. Tal como já acontece com a saúde, e para que os grandes poluidores possam continuar a consumir recursos em roda livre, quem quiser respirar terá que pagar. Fim desta curta ficção. Porém, o grande problema será quando esta ficção se confundir com a realidade. E isso pode estar a um passo de acontecer já amanhã. Para já, os malfeitores estão entre nós, a falar-nos com falinhas mansas, enquanto, desavergonhadamente, nos vão metendo as mãos pelos bolsos dentro.
sábado, maio 27, 2006
Cronistas e Artistas
Visitei hoje o site A OUTRA FACE DA CIDADE SURPREENDENTE, sequela de um outro, já por mim referido neste blog, de nome A CIDADE SURPREENDENTE. É preciso visitá-los, porque objectos em que as imagens têm um papel determinante, dificilmente se conseguem descrever apenas com palavras. Na minha opinião, o recado do autor (sobre a Invicta Urbe), se não está completo, para lá caminha. As cidades, tal como as vidas humanas e as moedas, têm ciclos, um verso e o seu reverso, um lado radioso e outro obscuro. E porque as cidades são obras de humanos, para serem usadas pelos humanos que nelas se acolhem, todos acabam por deixarem marcas e cumprirem destinos. Assim, uns constroem-nas, outros degradam-nas, outros ignoram-nas e deixam-nas cair, outros voltam a reconstruí-las, para que outros voltem a consumi-las, desfrutá-las, assumindo-se como os vários rostos dessa criatura impertinente, capaz do melhor e do pior. Pelo meio há os que estando atentos, que vão dos cronistas aos artistas, apontam, registam, advertem e espalham mensagens, tanto de volúpia e deleite, como de mágoa e indignação.
quarta-feira, maio 24, 2006
Rectificação
A propósito do artigo “Nau Portugal”, o meu amigo A.S. enviou-me um reparo que merece a respectiva divulgação. Assim, os pavilhões que ainda existem a Nascente do Padrão dos Descobrimentos, também sobreviveram à Exposição do Mundo Português. Actualmente, albergam as Sedes do Clube Naval de Lisboa e da Associação Naval de Lisboa, dois clubes náuticos de embarcações de recreio. Apesar de terem sido construídos com materiais perecíveis, eles ainda lá estão, e no interior podem ainda ser vistos alguns frescos pintados nas paredes, com motivos alusivos aos Descobrimentos.
terça-feira, maio 23, 2006
Nau Portugal
As imagens documentam a fase final da construção da “Nau Portugal”, dirigida pelo cineasta Leitão de Barros, destinada a ser uma das atracções da Exposição do Mundo Português, mas que veio a revelar-se um fracasso. A Exposição do Mundo Português, inaugurada em 23 de Junho de 1940, teve lugar em Belém, frente aos Jerónimos, e foi levada a cabo com a intenção de comemorar os 800 e 300 anos, de duas datas-chave da história de Portugal, respectivamente a fundação da nacionalidade em 1140, e a restauração da independência em 1640. Assumindo-se como a expressão da portugalidade no mundo, na verdade, aquele evento também foi usado como imagem de marca e instrumento de propaganda de Salazar, para glorificar os benefícios e obras do regime, isto quando a II Guerra Mundial já tinha tomado o freio nos dentes, e meio mundo se digladiava contra as ambições das potências fascistas, a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini e o Império Japonês.
Estas exposições, assumindo-se como grandes montras, organizadas com o propósito de divulgarem o progresso e excelência dos países, logo vocacionadas para a obtenção de prestígio, tanto interna como internacionalmente, acabam por delas quase nada sobrar para a posteridade, por força da sua curta duração, e terem sido montadas com materiais perecíveis. As excepções mais notáveis deste tipo de mostras são a Torre Eiffel da Exposição Universal de Paris de 1889, o Atomium da Exposição Universal de Bruxelas de 1958, e o Oceanário da Exposição Universal de Lisboa de 1998. Da anteriormente citada Exposição do Mundo Português (que não se enquadrou no conceito e periodicidade de exposição universal) quase nada sobraria se não tivesse sido recriada, já em 1960, e a pretexto dos 500 anos da morte do Infante D.Henrique, uma réplica em betão e pedra de lioz, do primitivo Padrão dos Descobrimentos, da autoria do Arqtº. Cottinelli Telmo e do escultor Leopoldo de Almeida, obra que inicialmente teria sido construída em pasta de cartão e gesso. Sobreviveu também o Espelho de Água e um edifício confinante, que foi posteriormente remodelado pelo Arqtº. Jorge Segurado, para receber em 1948 o Museu de Arte Popular.
sábado, maio 20, 2006
Debaixo de Olho
Está agora a chegar ao domínio público, a circunstância da NSA (Agência Nacional de Segurança) dos EUA, estar a constituir, com a colaboração das principais empresas de comunicações, a maior base de dados de que há memória, com os registos das chamadas telefónicas de milhões de norte-americanos, sob o pretexto da tão vaga quanto abstracta guerra ao terrorismo, com o objectivo de apertar o garrote das medidas de segurança, transformando cada cidadão num potencial suspeito de actividades anti-patrióticas.
Em versão portuguesa, provinciana e mal enjorcada, temos o famigerado caso do “envelope 9”, tendo então o presidente da república da altura, exigido ao procurador geral da república uma urgente investigação, com a divulgação das respectivas conclusões. Agora, decorridos que são vários meses, depois do caso ter sido divulgado pela comunicação social, e depois de ter sido desencadeada uma aberrante acção policial contra o jornal e os jornalistas que divulgaram o caso, deixando para trás a questão essencial de saber como, porquê e quem obteve os registos telefónicos arquivados no tal “envelope”, o “affaire” parece ter caído na prescrição e no esquecimento. No primeiro caso temos os americanos a ensaiarem o controle maciço da sociedade, em moldes industriais, enquanto que no segundo, vemos como os portugueses, com muita conversa fiada e um sorriso nos lábios, praticam a devassa caseira, sem se saber bem a que propósito, e vá-se lá saber com que intenções.
Uma coisa é certa: nada acontece por acaso! Abstraindo os meios e a abrangência do que está a acontecer na terra do Tio Sam, fruto de grandes e suspeitas cumplicidades, suportadas pelo competente aparato tecnológico, e o que sucede nesta terrinha de brandos costumes, de forma mais pitoresca e artesanal, a verdade é que não é difícil concluir que, à conta das escutas telefónicas, andamos todos “debaixo de olho”, para o que der e vier.
sexta-feira, maio 19, 2006
Queixas do Dicionário
Em Junho de 2001, na sequência do aparecimento do Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, também conhecido por Dicionário da Academia, e a propósito das muitas críticas que envolveram o aparecimento da obra, escrevi um comentário a que chamei COISAS DO DICIONÁRIO, e que no fundamental dizia o seguinte:
1 - A ausência de algumas entradas e a irregularidade de critérios, não fere a obra de morte, podendo esses aspectos, bem como outras melhorias, virem a ser corrigidos no futuro;
2 - Para a feitura do dicionário teriam sido gastas verbas consideráveis, mas outra coisa não era de esperar, num projecto que se assume como emanação da nossa, até agora quase invisível, Academia das Ciências, entidade com grandes responsabilidades na gestão da língua portuguesa;
3 - A feitura de um dicionário, que se pretende uma matriz ou padrão da língua portuguesa, não é exactamente um ensaio ou uma tese de doutoramento pessoal. Embora a execução da obra deva possuir um arquitecto, orientador e coordenador, no presente caso o Prof. João Malaca Casteleiro (que continua, tragicamente ensimesmado com a sua obra-prima), para que a obra assuma a tal excelência e universalidade que se exige, deverá acolher, de forma o mais alargada possível, o saber, experiência e contributo das universidades, dos académicos e especialistas do país, isto para que se apresente com um perfil eminentemente CONSENSUAL;
4 - Uma nova edição do Dicionário deverá implicar o envolvimento de ferramentas das novas tecnologias, sobretudo as informáticas (choque tecnológico, para que te quero?), para que o novo produto disponibilize também versões em suporte digital, CD ou DVD, tão económico quanto funcional, libertando o utilizador do incómodo manuseamento do suporte tradicional;
Esta era, em síntese, a minha opinião, há cinco anos atrás, não de especialista da língua, mas apenas de mero utilizador. E agora o que temos? Não há dinheiro para rever a primitiva (e carente) edição, e ninguém se entende com os dinheiros proveniente dos direitos de autor. Trabalhou-se com verbetes, andou-se aos papéis e às aranhas. Venderam-se umas dezenas de milhares de exemplares para decorarem as prateleiras dos gabinetes ministeriais, e os cinco anos inicialmente previstos para que o dicionário voltasse a ser revisto e aumentado, passou agora para dez (10) anos, isto é, lá para 2011, se houver dinheiro, se o esforço ainda se justificar, ou se não se perfilarem outras prioridades inadiáveis, como um qualquer campeonato de futebol, mais a correspondente inauguração de um super-equipado centro de estágio.
O Dicionário, para já, ficou por aqui, incompleto, coxo e carente. Não será o repositório chancelado da língua portuguesa, nem um projecto nacional, nem um laboratório, nem um campo de manobras, nem um “scriptorium” de tarefeiros pagos a “recibo verde”, o que quer dizer, que se nenhum mecenas lhe pegar, irá fossilizar, porque a Academia de Ciências, sendo ela própria já um fóssil, antes mesmo deste dicionário ter aparecido, continua à espera que lhe façam o funeral. Quanto aos nossos ministros da cultura, coitados, têm mais com que se preocupar. E andamos nisto!
quinta-feira, maio 18, 2006
Cortado pela CENSURA!
No programa Opinião Pública da SIC Notícias de 18/5/2006, coordenado pela jornalista Marta Atalaya, assistiu-se a uma situação curiosa: foi cortada a palavra e colocado fora do programa um interveniente, quando, a propósito da estreia do filme “Código Da Vinci”, baseado no livro do mesmo nome, aquele emitiu a opinião de que o Opus Dei era uma organização tenebrosa.
A jornalista-coordenadora fundamentou a sua atitude, argumentando que o termo empregue era injurioso e ofensivo da dita organização. Fiquei perplexo. O Opus Dei é uma organização poderosa, nascida com o estatuto de prelatura pessoal, no seio da igreja católica, e com grande influência junto das elites do poder político e financeiro. Por isso mesmo, e não só, o Opus Dei, não sendo uma sociedade secreta, não é propriamente conhecida por ser uma organização aberta à sociedade, sendo pouco dada a deixar transpirar para o domínio público, pormenores dos seus meandros, práticas e vivência interna. O termo tenebroso, tal como o dicionário esclarece, aplica-se a algo onde não há claridade, tem falta de luz, é escuro, repleto de trevas, o que não corresponde propriamente a um atributo insultuoso. Por outro lado, e tal como o dicionário também explica, só em sentido figurado se aplica aquele termo, para definir algo de pérfido ou criminoso, mas fiquei sem saber se era essa a intenção do interveniente, pois entretanto a palavra foi-lhe cortada.
Sabe-se que a língua portuguesa, ou é ambígua, ou é traiçoeira, mas na dúvida, nada justifica que se emudeça, quem tem direito a tecer opinião. Muito menos que se faça, tal como o fazia, aquele execrando censor de serviço, da TENEBROSA Comissão de Censura de outros tempos, que fazia girar o tal lápis azul de triste memória, célere, fulgurante e aniquilador, cortando a palavra, amputando ideias e ceifando críticas. Tudo isso “a bem da nação”…
quarta-feira, maio 17, 2006
À Beira do Rubicão
Depois do Patriot Act, levado a cabo nos EUA, pela administração Bush, com o objectivo de enfrentar o terrorismo, o qual vai materializando a visão “orwelliana” de envolver os cidadãos em constante e apertada vigilância, controlando-lhes os passos, a correspondência, os gostos, as preferências, as amizades, as opções políticas, limitando os direitos constitucionais, o primeiro ministro britânico Tony Blair, que não quer ficar para trás, voltou a pressionar os seus pares, para a possibilidade de instaurar legislação que possa vir a anular decisões judiciais, sempre que estas possam colocar em causa a segurança pública, com parâmetros tão largos, que não se sabe onde acaba o tal interesse público, e começam outros com inconfessáveis intuitos.
Quase cinco anos depois do 11 de Setembro, aperta-se o cerco, não ao terrorismo internacional, o qual continua de boa saúde, a recrutar, a expandir-se e a fazer das suas, mas sim às sociedades, habitualmente reconhecidas como bastiões da democracia e das liberdades. A pretexto da sua segurança, os cidadãos estão a consentir que as prerrogativas da liberdade e da democracia sejam restringidas, aceitando passivamente que o estado espie quem apresenta um perfil que rompe com certos conceitos de “normalidade”. Pé ante pé, a separação de poderes entre o legislativo, o executivo e o judicial, pedra angular dos regimes democráticos, tem os dias contados, e isso é a antecâmara para a insinuação de regimes autoritários e ditaduras, coisas que se pensavam banidas do nosso horizonte político, excepção feita para o resistente clube dos chamados “estados párias”. Puro equívoco! Esquecemo-nos que agora, para se enganarem os tolos, já não são precisas fardas rutilantes, nem paradas, nem rituais, nem a ostentação de símbolos nazi-fascistas, bastando que se explore exaustivamente o marketing político, que se apareça muito na TV, a prometer ou a inaugurar qualquer coisinha, que se agitem alguns medos e fantasmas, e uma vez por outra, que os líderes se mostrem e comportem como qualquer um de nós. Hitler chegou ao poder absoluto através de eleições democráticas, com promessas de fartura, segurança, um punhado de inimigos para abater e um Reich para durar mil anos, secundado por um tal Joseph Goebels, que foi seu inseparável ministro da propaganda. Tal como o povo alemão dos anos 30 do século XX, também nós agora estamos a condescender, sem questionar, nesta troca entre limitações das liberdades, e falsas promessas de estabilidade e segurança, que mais não é do que o preâmbulo para novos despotismos. Agora, por obra e graça da globalização, do espectro do terrorismo, e de um controverso conceito de modernidade, embrulhado na peregrina ideia do “fim da história”, o Rubicão volta a estar ali à mão de semear. Atravessá-lo vai ser uma brincadeira de crianças.
segunda-feira, maio 08, 2006
Heróis do Mar
As imagens que se seguem, recolhidas por um fotógrafo anónimo de Ílhavo (talvez não passasse de um simples tripulante), foram obtidas a bordo do lugre bacalhoeiro "LABRADOR", um veleiro de três mastros, construído em madeira, durante a campanha bacalhoeira de 1939, nos bancos pesqueiros dos mares gelados da Nova Escócia, Terra Nova, St. Pierre et Miquelon e Groenlândia. Era no tempo em que os pescadores portugueses, arriscando a vida todos os dias, durante 16 a 20 horas, ao longo de 6 intermináveis meses, entre Abril e Setembro, levavam a cabo a faina, utilizando a pesca de mão à linha, munida dum único anzol, nos frágeis “dóris”, pequenas embarcações individuais de fundo chato. O lugre bacalhoeiro funcionava como base dos “dóris”, alojamento dos marinheiros-pescadores e fábrica de preparação do pescado, que incluía as operações de descabeçamento, do escalo (corte longitudinal do peixe) e da salga. À custa de saudades do lar, da dureza da labuta, de ordenados miseráveis, da alimentação de presidiário e das condições de trabalho infra-humanas, os pescadores portugueses foram os responsáveis, para que o "fiel amigo", também conhecido por “bacalhau a pataco" (uma imagem de marca do salazarismo), não faltasse à mesa dos portugueses. Muitos desses heróis do mar, vítimas de acidentes e doenças, repousam hoje no semi-abandonado talhão dos portugueses, do cemitério St. John's, na Terra Nova, ou em Hollsteinborg, porto da costa oeste da Groenlândia.
O início da pesca do bacalhau, nos distantes bancos pesqueiros da Terra Nova, data do reinado de D.Manuel I, entre 1465 e 1521, andou intimamente associado às navegações portuguesas no Atlântico Norte, e aconteceu na sequência das grandes carências alimentares dos povos europeus, que passaram a ver no bacalhau, que tanto podia ser consumido na sua forma salgada, fumada ou seca ao sol, uma opção saborosa e nutritiva. É assim que os navegadores João Fernandes Lavrador (que deu o seu nome à península do Labrador e ao lugre desta reportagem) e Pedro de Barcelos, obtêm licença régia para procurar terras no Atlântico Norte, tendo João Álvares Fagundes explorado a costa norte da Terra Nova, vindo a descobrir o golfo de S. Lourenço. A sistemática exploração destes ricos bancos de pescado, com o aumento progressivo do número de naus que demandavam estas paragens, estendeu-se até 1580, altura em que Portugal perdeu a sua independência. Durante a dominação filipina, entre 1580 e 1640, a actividade piscatória na Terra Nova decaiu até quase se extinguir, tendo-se então recorrido à importação do bacalhau, para satisfazer as necessidades do país.
O regresso em força aos mares gelados da Terra Nova, para a pesca do bacalhau, só volta a acontecer no século XIX, cerca de 1830, com a criação de incentivos e a construção de embarcações vocacionadas para a pesca longínqua.
Já nos anos 30 do passado século XX, a frota bacalhoeira envolvia perto de 70 navios, com tripulações que, na totalidade, rondavam entre 6.500 e 7.000 homens, distribuídos pelos vários mesteres e funções.
O cozinheiro do “Labrador” e o seu “Figurão”
O lugre “Labrador” enfrenta uma tempestade no mar alto. No convés, podem ver-se os “dóris”, empilhados uns dentro dos outros, para economizar espaço.
Mesmo no verão, os icebergues, massas de gelo de enormes dimensões, que se desprendem das calotas polares, flutuando à deriva, são comuns no Atlântico Norte, constituindo um perigo permanente para a navegação e para a faina da pesca.
Pescadores nos “dóris”, na faina da pesca, embebidos num silêncio feito de mar e céu, isto quando não se abatiam os traiçoeiros nevoeiros, que deixavam o pescador cosido com a mais inóspita das solidões. Nessas alturas, apenas o toque das sinetas e sirenes dos lugres, fornecia a orientação mínima para os pescadores, quase às cegas, regressarem ao seu navio-base.
Um alabote, peixe do Atlântico Norte, que pode ter até 3 metros de comprimento e 300 quilos de peso, capturado pelos pescadores do “Labrador”.
Meninos esquimós visitam o “Labrador”.
Raparigas esquimós em visita ao “Labrador”.
Aquele ano de 1939, em que nasceu esta exígua reportagem fotográfica, foi um ano assaz difícil, para o mundo em geral. Ficou marcado pelo início da Segunda Guerra Mundial, com a ocupação da Checoslováquia e a invasão da Polónia, pelos exércitos da Alemanha nazi. Em Portugal, com Salazar a viver as euforias do Estado Novo, a refinar os instrumentos repressivos do regime, a isolar o país, ensaiando uma primeira versão da doutrina do “orgulhosamente sós”, levou a que o ditador se acantonasse numa fingida neutralidade, ajudando sub-repticiamente a Alemanha de Hitler com a mão direita, exportando tungsténio, metal essencial para a indústria de armamento, enquanto que com a esquerda ia concedendo facilidades à Inglaterra, nosso secular aliado. Até ao termo do conflito em 1945, as campanhas da pesca do bacalhau foram tentando atenuar as grandes carências alimentares que afectaram a população portuguesa, provocadas pela penúria e os racionamentos de géneros. É nessa altura que todos os navios da frota bacalhoeira são pintados de branco, ostentando os símbolos nacionais bem à vista, a fim de serem facilmente reconhecidos por todos os beligerantes, mas sobretudo pelos submarinos alemães que operavam no Atlântico, torpedeando os comboios de navios aliados. A partir daí a frota portuguesa passa a ser mundialmente conhecida pelo nome de Frota Branca.
Depois do 25 de Abril de 1975, este tipo de pesca acabou por se extinguir, motivado essencialmente pelo alargamento das águas territoriais do Canadá e da Dinamarca para 200 milhas, com a consequente fixação de quotas máximas de pesca para frotas estrangeiras. Era também chegada a altura de os grandes veleiros pesqueiros serem reformados, cedendo o lugar aos modernos arrastões, bem equipados e recheados de tecnologias de detecção e captura dos cardumes. Portugal que continuava a privilegiar a singela pesca à linha (menos agressiva do ambiente e mais protectora da espécie), relativamente à pesca do arrasto (mais predadora do pescado, logo causadora da progressiva escassez da espécie), não acompanhou a renovação tecnológica e acabou por ser incapaz de competir com as frotas pesqueiras de outros países, abandonando a faina, onde antes havido sido mestre e soberano.
terça-feira, maio 02, 2006
Registo
sábado, abril 29, 2006
A Pérola
Era uma vez uma ilha chamada Madeira, também conhecida por Pérola do Atlântico, que era habitada por gente simples e trabalhadora, mas governada por uma criatura abjecta, um tal chamado Jardim, que ficava a meio caminho entre o director de uma colónia penal, com tiques de soba africano, e um desenho animado, astuto e ordinário, como um padrinho siciliano. Chegou ao poder com o 25 de Abril, porém, quanto a comemorar esse dia, nunca! Assim, para dar algumas alegrias ao pobre povo, era ele que animava, entre suores, fantochadas, atoardas e copos de vinho a martelo, os comícios do Chão da Lagoa, como se estivesse no Circo Máximo a distribuir pão e patacoadas, ou então, mascarado de palhaço rico, desfilava pelas ruas do Funchal para ir enterrar o Carnaval. Porém, comemorar o 25 de Abril, isso nem pensar! Quanto ao turismo, dizia que eram todos bem vindos, menos, por razões de higiene e segurança, essa “corja” dos partidos de esquerda, esses “gajos” do Tribunal Constitucional que pensavam que podiam dar ordens à Madeira, mais os “filhos da puta” dos jornalistas que não são imparciais, não respeitam o poder instituído e estão convencidos que sabem fazer jornalismo. E quanto a essa coisa do 25 de Abril, não passava de uma maçada, uma grande chatice. Quando chegava essa data mandava fechar as portas do Parlamento Regional, e quanto a comemorações, festejem onde quiserem, menos aqui. Era só o que faltava! Que é como quem diz: – isto é uma democracia, mas quem manda aqui sou eu. Para manter a ilha a flutuar, era ele que entre um chorrilho de impropérios, ladeado pela sua corte, um punhado de “grunhos” e homens de mão, exigia de dedo em riste, que os “cubanos do Contenente” lhe enviassem mais uns quantos contentores de dinheiro, para superar os problemas da insularidade, da pobreza, e para ele poder continuar a falar grosso. Quanto a comemorar o 25 de Abril, nem pouco mais ou menos, ou melhor dizendo, jamais! Na Madeira, estando lá ele, o 25 de Abril não era preciso para nada!
Apenas os distraídos continuam a chamar a este paraíso, mascarado de inferno, a Pérola do Atlântico. Já lá vão 32 anos, o 25 de Abril ainda não chegou à Madeira, mas quando lá chegar, tenho a certeza que vai ser uma festa.
quinta-feira, abril 27, 2006
Sapateiros a Tocarem Rabecão
Este mês de Abril continua recheado de surpresas, nem todas agradáveis. A UGT (União Geral de Trabalhadores) veio até à comunicação social para nos dizer que os dias de gozo de “ponte” deveriam ser descontados nas férias dos trabalhadores, a fim de minimizar os seus efeitos negativos sobre a produtividade do país. Diz a mesma UGT que não irá tomar qualquer iniciativa em prol daquela sua sugestão (seria um escândalo se o fizesse), deixando esse papel às associações patronais, em sede de concertação social. Fica por explicar qual a intenção da central sindical, avançando com a sugestão de tal medida, tão original quanto desenquadrada das suas habituais preocupações, competências e vocação. Não se percebe mesmo este propósito de querer “meter a foice em seara alheia”, já que as “pontes” não estão contempladas no articulado dos contratos colectivos e outras convenções laborais, sendo concedidas exclusiva e extraordinariamente pelas empresas, quando entendem fazê-lo, não sendo, portanto, matéria negociável. Assim, qualquer cidadão mais avisado, é levado a concluir que se anda a insinuar alguma abrangente conspiração, destinada a conseguir a extraordinária proeza de unir patrões e sindicatos contra os trabalhadores, confirmando que, por vezes, os inimigos surgem de onde menos se espera. Ou terá isto alguma coisa a ver com a suposta “modernidade” que o governo pretende incutir e espalhar por todo o país?
Em defesa dos interesses desses mesmos trabalhadores e da economia portuguesa, melhor seria que a UGT arrolasse entre as suas preocupações, a revisão do regime de contratos a prazo, pois a sua proliferação, além de ser um agente de instabilidade social, faz baixar perigosamente os níveis de produtividade e qualidade do trabalho.
quarta-feira, abril 26, 2006
As Vozes e o Silêncio
Os discursos pronunciados nas cerimónias evocativas do 25 de Abril transformaram-se em tiradas enfáticas, recheadas de encómios, bem emolduradas e regadas com brindes à democracia, mais uns quantos choradinhos dos costume, a explorar os temas que já conhecemos de cor. Tornaram-se litanias onde os políticos enunciam os males que nos afligem, desde as dificuldades económicas até à exclusão social, passando pelas desigualdades e o empobrecimento em geral, como se fossem outros que não eles, que nos outros dias do ano, se entregam à tarefa de demolir o que foi edificado de lá para cá, entregando o país às garras da penúria. Melhor seria que tentassem confessar-se e redimir-se dos pecados, por não serem o que parecem e por praticarem o inverso do que andaram a prometer. Ou então, que guardassem silêncio.
segunda-feira, abril 24, 2006
Liberdade Reconquistada
sábado, abril 22, 2006
Feedback (*)
(*) Em português significa “reacção”.
Algumas pessoas discordaram das ideias e considerações que vinculei no meu artigo “Mercenários”, dizendo-me que se a intenção era ensaiar um cenário de ficção científica, ainda vá lá, mas que se a finalidade era outra, estava a exagerar e a alimentar as teorias conspirativas que andam à solta por aí. Pois bem, seja ficção ou conspiração, o que é um facto é que o nosso presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, durante uma visita às tropas portuguesas estacionadas na Bósnia, no seu papel de comandante-chefe, e metido dentro de um dolman camuflado, sempre económico em palavras e ideias fracturantes, disparou no dia 20 de Abril de 2006, com todas as letras e para quem o quis ouvir, que “o envio de tropas portuguesas para o estrangeiro, longe de ser um encargo para o país, era sobretudo um investimento”. Arrisco-me a fazer uma pergunta, sabendo antecipadamente que ele não vai responder: Investimento em quê, porquê e para quê? O tempo encarregar-se-á de tirar as dúvidas.
quinta-feira, abril 20, 2006
Mercenários
É habitual argumentar-se que os pequenos estados não possuem recursos suficientes para manterem umas forças armadas baseadas no serviço militar obrigatório, no entanto, esse argumento não passa de um ardil, já que esses recursos acabam sempre por aparecer, para financiarem forças armadas assentes no profissionalismo, por sinal bem mais dispendiosas que as outras, mas na opinião de alguns sábios, com grandes e notórias vantagens. Os mercenários não precisam de possuir sentimentos patrióticos para se sentirem motivados (o dinheiro é um óptimo substituto), não têm comportamentos de tropa fandanga, oferecem garantias de lealdade ao patrão, desde que aquele traga os pagamentos em dia, limitam-se a cumprir ordens e não costumam questionar se vão entrar numa guerra boa ou má. Na verdade, o que se passa é que o poder, a partir dos anos 70 do século passado, passou a desconfiar dos militares milicianos e considera desaconselhável que qualquer pessoa comum tenha acesso facilitado às armas. Os cidadãos foram feitos para trabalhar, tratar da família, ir ao futebol e pagar impostos, e não para andarem a brincar aos soldados, com a agravante de por obra de algum descontentamento generalizado, lhes poder passar pela cabeça a ideia de congeminar e levar a cabo alguma revolução. Considerados impensáveis nos novos tempos, porque as pessoas vão perdendo o hábito de reclamar, o Movimento dos Capitães e a Revolução do 25 de Abril de 1974 em Portugal, foram impulsos nascidos no seio da tropa à moda antiga, e justamente apropriados pelo povo. Aquela aliança entre o povo e os militares, foi coisa que não deixou muitas saudades em certos sectores, vigorando ainda hoje uma acérrima hostilidade para com aquela transitória coligação, e os políticos, aconselhados por quem não quer voltar a perder poder e privilégios, e interessados em manter boas e estreitas relações com os donos do dinheiro, acharam por bem não voltar a correr riscos, mudando o estatuto da tropa.
Assim, o programa apresenta-se claro. Para novos tipos de guerra, exige-se um novo tipo de combatentes. Como não é para já a solução dos soldados robotizados, primeiro profissionalizam-se as forças armadas, depois passa-se à fase de internacionalização, com o país “A” a poder passar a contratar os serviços das forças armadas do país “B”, para tratar de uma questiúncula qualquer no país “C”, e finalmente, porque estamos mergulhados em economias de mercado, e em tempos de globalização a soberania deixou de ter sentido, passando também a ser objecto de negócio, avança-se para a privatização das forças armadas, tal como já se privatizou a saúde, a educação e outros sectores públicos.
Provavelmente, mais coisa menos coisa, será assim que as coisas vão acontecer.
quarta-feira, abril 19, 2006
Coincidências e Maquinações
As pessoas que pronunciaram ou escreveram as frases que se transcrevem a seguir, sabiam o que diziam, uns porque foram ou são gente muito íntima do poder, outros porque estão bem informados e conhecem os mecanismos e labirintos desse mesmo poder. Por isso, se é verdade que nem tudo o que acontece nos meandros da política pode ser classificado como conspiração, também é certo que são poucos os factos que podem ser considerados meras coincidências. Quando um ministro nos vem falar ao coração, dizendo que há que aceitar uma medida impopular, reconhecendo-a como dolorosa, porém necessária para se alcançar um hipotético benefício futuro, o mais certo é estar a tentar obter o nosso consentimento, para algo de que não iremos colher qualquer proveito, além de que o verdadeiro beneficiário irá ser outro que não nós.
Quando uma empresa declara falência e lança no desemprego os muitos que lá trabalham, é quase certo que antes disso, alguém andou a preparar o terreno, apropriando-se de teres e haveres, para depois bater em retirada no momento certo. Quando um país entra em guerra, é certo que vem aí uma grande calamidade para muita gente, mas em contrapartida vai ser um grande maná para os poucos do costume. Ora bem! Está na altura de deixar para trás a idade da inocência, da ingenuidade e do desconhecimento. E também o pendor para a resignação. Ouçamos o que têm para dizer os meus convidados!
O homem prudente deve seguir sempre as vias traçadas pelos grandes personagens.
Toda acção é orientada em termos do fim que se procura atingir.
Todos compreendem como é digno de encómios um príncipe quando cumpre a sua palavra e vive com integridade e não com astúcia. No entanto, a experiência de nossos dias mostra haverem realizado grandes coisas os príncipes que, pouco caso fazendo da palavra dada e sabendo com astúcia iludir os homens, acabaram triunfando dos que tinham por norma de proceder a lealdade.
Saiba-se que existem dois modos de combater: um com as leis, outro com a força. O primeiro é próprio do homem, o segundo dos animais. Não sendo, porém, muitas vezes suficiente o primeiro, convém recorrer ao segundo. Por conseguinte, a um príncipe é mister saber comportar-se como homem e como animal (...)
Tendo, portanto, necessidade de proceder como animal, deve um príncipe adoptar a índole ao mesmo tempo do leão e da raposa; porque o leão não sabe fugir das armadilhas e a raposa não sabe defender-se dos lobos. Assim, cumpre ser raposa para conhecer as armadilhas e leão para amedrontar os lobos. Quem se contenta de ser leão demonstra não conhecer o assunto.
Um príncipe sábio não pode, pois, nem deve manter-se fiel às suas promessas quando, extinta a causa que o levou a fazê-las, o cumprimento delas traz-lhe prejuízo Este preceito não seria bom se os homens fossem todos bons. Como, porém, são maus e, por isso mesmo, faltariam à palavra que acaso nos dessem, nada impede venhamos nós a faltar também à nossa (...)
Quando não há possibilidade de alterar o curso das acções dos homens e, sobretudo, dos príncipes, procura-se distinguir sempre o fim a que eles tendem.
Busque, pois, um príncipe triunfar das dificuldades e manter o Estado que os meios para isso nunca deixarão de ser julgados honrosos, e todos os aplaudirão. Na verdade, o vulgo sempre se deixa seduzir pelas aparências e pelos resultados.
Nicolau Maquiavel – Estadista e escritor florentino do século XVI. Extractos da sua obra “O Príncipe”, considerado um tratado de ciência política.
Uma verdade insignificante pode ser eclipsada por uma falsidade emocionante.
Aldous Huxley – Escritor inglês, autor do romance Brave New World, publicado em 1932.
Em política nada acontece por acaso. Cada vez que um acontecimento surge, podemos estar seguros que foi preparado por alguém para ser levado a cabo dessa maneira.
Franklin Delano Roosevelt - Presidente dos Estados Unidos da América entre 1933 e 1945.
A humanidade está dividida em três grupos: Há um pequeno grupo de pessoas que concebe e produz acontecimentos, depois um grupo um pouco maior que assegura a execução e observa os resultados, e finalmente um grupo largamente maioritário que ignora o que na realidade está a acontecer.
Nicholas Murray Butler - Presidente da Pilgrim Society, membro da Carnegie, membro do CFR (Council on Foreign Relations).
Iremos ter um governo mundial, quer queiramos ou não. A única questão que falta saber é se será imposto ou consentido.
Paul Warburg - Financeiro e membro do CFR (Council on Foreign Relations).
O povo francês desconhece, mas a verdade é que estamos em guerra com os E.U.A.. É uma guerra permanente, económica, uma guerra sem mortos. Efectivamente, os americanos são muito duros e vorazes, sendo sua intenção dominar o mundo, sem nada partilhar com os outros.
François Mitterrand - Político francês, num comentário feito no fim de uma entrevista, pouco antes de falecer, citado pelo Courrier International de Abril de 2000
Quase sem nos apercebermos, estamos a viver, nos países ocidentais, de há dez anos para cá, uma mudança radical de regime político, com o advento de um novo tipo de poder, baseado nas redes económicas e financeiras. Por isso, há razões de sobra para não nos considerarmos, de todo, a viver em democracia.
A ditadura sem ditador não aspira a tomar o poder, mas sim a exercer o poder sobre aqueles que o detêm.
Viviane Forrester - Autora de várias novelas e ensaios, é crítica literária do jornal Le Monde e membro da organização Femina.