sábado, março 01, 2008

Em Portugal Há 112 Anos

A
«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso de alma nacional - reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta
(...)
Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira e da falsificação, da violência e do roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro
(...)
Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este, criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do país, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre - como da roda de uma lotaria
(...)
A justiça ao arbítrio da política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.
(...)
Dois partidos (...) sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes, (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento - de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar»

Guerra Junqueiro
in Pátria (1896)

1 comentário:

Carlos Alves disse...

Hoje como Ontem, Amanhã como hoje.